domingo, 25 de novembro de 2012

Literatura: Palácio Colinas de Boé já pode agendar a discussão da lei do uso do crioulo no ensino guineense – Autor guineense

Estudo comparativo da morfo-sintaxe do crioulo guineense, do balanta e do português”, foi o titulo atribuído à obra do guineense Incanha Intumbo, Doutorando em Letras pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra publicado em 2008. Incanha Intumbo é também autor de muitos outros artigos publicados em revistas e livros da especialidade.
Pelas suas dimensões, a obra é  muito fácil de transportar e pode tornar-se numa companheira de cama e do quotidiano dos alunos, apesar dos assuntos nele abordados serem muito específicos e de alguma complexidade.
Incanha Intumbo, EscritorNo centro da capa em baixo pode ver-se uma bela imagem de uma foto de mulheres guineenses à pesca com redes tradicionais. Segundo o autor do livro a foto não espelha um conceito específico sobre o qual assente uma eventual comparação entre a obra e a imagem da capa mas pode significar uma homenagem a gente simples, trabalhadora, gente de pele negra que foi juntada ou num espaço qualquer na Costa Ocidental da África, e que do contacto linguístico resultante da interação desta população com a população dominante (em termos políticos) surgiu o kriol.
Incanha Intumbo, ex-seminarista, professor do latim e de português no Liceu João XXIII, no Liceu nacional Kwame N’krumah, na Unidade Escolar 23 de Janeiro em Bissau, e membro da Associação de Crioulos de Base Lexical Portuguesa e Espanhola, está a concluir a tese de doutoramento em Letras numa das mais prestigiosas Universidades de Portugal.
“A estabilidade no país é uma das variáveis que pesam fortemente na decisão do regresso dos quadros” - Incanha Intumbo
Numa entrevista ao site Bissau Digital fez uma breve análise da situação sociolinguística da Guiné Bissau e o nível do domínio do português no nosso país. Afirmou que está muito desgastado com os últimos acontecimentos na Guiné-Bissau e esperançoso que haverá bom senso e que espera que “consigamos falar e entendermo-nos”.
Garante que tem planos para regressar ao país dentro de pouco tempo, mas avisa os atores do processo do  desenvolvimento guineense e os decisores políticos que a estabilidade ou a falta dela é uma das variáveis que pesam fortemente nas decisões de regresso ao país.
É da opinião que o país vai muito atrasado em relação às conquistas do progresso e da democracia. Confessa que tinha esperanças no Governo saído das eleições de 2009, mas que ficou muito desapontado com as mortes seletivas, espancamentos e o egocentrismo dessa governação embora saliente que houve muitos aspetos positivos dessa legislatura.
Bissau Digital (BD) – Doutor Incanha Intumbo uma obra desta envergadura para um país como a Guiné-Bissau, para si o que significa? 
Incanha Intumbo (I.I.) – Sou adepto do ensino bilingue. No nosso caso isso significaria um sistema de ensino em que uma das línguas do sistema seria o kriol, o crioulo de base lexical portuguesa falado na Guiné Bissau e a outra seriacomo é óbvio, o português. Um sistema em que a maior parte das crianças da nossa terra teriam a oportunidade de aprender a ler e a escrever na língua que conhecem melhor, pelo menos no início da sua escolaridade. O período inicial a seria definido após os estudos técnicos para o efeito mas preferencialmente nos primeiros anos do Ensino Básico. Seguir-se-ia um período de transição para o português, um período também a definir, em que as duas línguas seriam ensinadas lado ao lado. Isso implicaria uma reformação dos meus colegas professores no estudo específico do kriol. Aliás um trabalho de grande mérito já está em curso no Centro de Línguas deBissau onde se inclui no Curricula de formação dos professores seminários de crioulística (em geral) e espero que se venha a incluir o estudo científico e específico do nosso kriol.
Haveria uma série de iniciativas que teriam de ser tomadascomoseja a convencionalização da grafia e da ortografia do kriol, uma iniciativa técnica; mas também iniciativas legislativas para se reconhecer o kriolcomouma língua oficial. Teriam de ser tomadas também todas as outras decisões concretas para a sua materialização, decisões que poderiam incluir a produção de materiais didáticos. Eventualmente o investimento inicial em recursos humanos e materiais seria custoso mas os ganhos poderiam compensar a médio prazo.
É claro que esta ideia tem os seus contestatários mas se analisarmos a situação sociolinguística guineense e o nível do domínio do português, a língua oficial, a língua da cooperação e das relações internacionais da Guiné Bissau e ainda a língua da ciência, compreenderemos que, a par das frequentes greves no nosso sistema de ensino, o fator linguístico é igualmente uma das razões dos números do insucesso escolar e dos do analfabetismo funcional no nosso país (aquelas situações em que o sujeito lê e escreve mas não sabe preencher uma ficha e nem compreende o que lê). Digo isto assim para ser breve.

BD – Podia aprofundar o análise sobre a situação sociolinguística e o nível do domínio do português na Guiné-Bissau?
I.I. – No livro defendo a tese de que na Guiné Bissau predomina uma situação de triglossia entre o português, o kriol e as línguas africanas guineenses. O português é a língua oficial, a língua da ciência, do ensino e das relações internacionais. Tem menos número de falantes que o kriol que é a língua do dia-a-dia, dos negócios e das estórias e “passadas”, a língua da unidade nacional e da guinendadi. Tem mais falantes do que o português mas menos que o conjunto das línguas africanas guineenses que são as línguas da interação nas comunidades rurais e as línguas usadas nas cerimonias religiosas tradicionais, as também nos contactos entre as habitantes dos centros urbanos quando se deslocam às tabancas. Numa estrutura piramidal e tendo em conta o grau de prestígio e o número de falantes, o português estaria no topo da pirâmide, o kriol no meio e as línguas africanas na base. O português tem maior “prestígio” que o kriol e este embora tenha menor ”prestígio” que o português, tem maior ”prestígio” que o conjunto das línguas africanas. É nesta confusão de línguas que os jovens têm de aprender a ler e a escrever, aprender a matemática, a física e a química. E mais ainda, os programas do ensino do português contemplam mais a gramática do português do que a interação oral e a leitura e interpretação de textos. Imagina o que significa para uma criança, por exemplo falante do fula ou outra de qualquer língua africana, logo no primeiro dia de aulas, na primeira hora, ter de fazer uma transição da sua língua materna para o português, línguas tipologicamente diferentes. Por outro lado as leis da República são escritas em português, depois de serem discutidas em kriol. Assisti a umas reuniões no parlamento (devidamente autorizado) e tomei nota de uma discussão muito interessante. Estava-se a discutir a lei do financiamento dos partidos/candidatos. E então houve um problema de tradução de uma frase passiva de kriol bastante simples: …. “e na dadu…” Uns diziam ’será-lhes dado’  outros ’serão-lhes dado’ etc. etc. Foi o deputado Benante quem salvou a honra da casa, fazendo uma tradução aceitável e de seguida explicou um bocado de gramática aos seus companheiros ‘…ser-lhes-á dado…’. Essa confusão tem a ver com a sintaxe dos verbos diretos e indiretos que em kriol têm uma hierarquia. Por exemplo, diante do verbo da ’dar’ segue primeiro o complemento indireto sem preposição depois o complemento direto. No português não é assim. O complemento indireto é introduzido por uma preposição ou contração de preposição quer preceda ou siga o objeto direto que normalmente não tem preposição. E então pergunto-me: seria aquela a primeira vez que aquilo acontecia? Quem me garante que o espírito das leis (discutidas em kriol e traduzidas para o português) aprovadas no parlamento se mantém?

BD – Como é que nasceu a ideia de escrever este livro?
I.I. – O livro resulta dos trabalhos da minha tese de mestrado em Linguística Aplicada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra sob a orientação do Professor Doutor John Holm e só depois o manuscrito foi submetido à Lincom Europa, Lincom Studies in Pidgin & Creole Linguistics (Munique, Alemanha) para publicação. Deram o sim e temos a obra.

BD – Descreve-me o ambiente da cerimónia do lançamento do seu livro, quais foram as personalidades que ali estiveram presentes?
 I.I. – Não houve uma cerimonia de lançamento deste trabalho embora eu a quisesse fazer. Estava e ainda estou convencido que a haver alguma cerimonia, seria mais lógico que ela se realizasse emBissau, onde realizei parte da pesquisa para a tese de doutoramento (em conclusão). Seria uma forma de honrar os falantes das 3 línguas descritas na obra Estudo comparativo da morfossintaxe do crioulo guineense, do balanta e do português., Lincom Studies in Pidgin & Creole Linguistics. O estudo não é exaustivo.

BD – Há muitos anos que se fala da necessidade do uso da língua crioula no sistema do ensino guineense. Esta obra é um contributo para a materialização desse sonho? 
I.I. – Quero acreditar que sim. O contributo deste trabalho não se confina apenas no nosso sistema de ensino mas também no campo dos estudos linguísticos em geral. Há um debate neste campo especialmente no campo da crioulística sobre o que são os crioulos. Que línguas têm mais peso na sua formação.Como sabe, os crioulos são línguas híbridas, produto de situações de contato linguístico. A questão é: que línguas pesam mais na sua formação? As línguas de substrato (línguas do dominado com “menos” prestígio) ou a do superestrato (a língua do dominador de “maior” prestígio, o superestrato)? Os crioulos resultam normalmente de situações de dominação, em que os povos dominados falam uma série de línguas e o povo dominador fala uma língua diferente. E este trabalho, uma vez que discute e elucida alguns aspetos da gramática do kriol fazendo um paralelo com a do português e de uma língua africana da Guiné é um contributo para se poder responder a essa questão. No nosso caso, o kriol surgiucomo o resultado da interação entre as várias línguas africanas Oeste Atlânticas e línguas Mandé com o português.

BD – Fala-me resumidamente do seu livro. 
I.I. - O estudo apresenta uma comparação tripartida de vários aspetos da gramática do kriol com a do balanta (a língua africana com o maior número de falantes na GuinéBissau), uma das línguas de substrato do kriol muito relevantes e ainda com a do português, o superestrato.Como sabe sou falante nativo do balanta e tenho competências linguísticas de falante nativo no kriol e ainda tenho muito boas competências no português (a língua oficial). Escolhi os traços gramaticais discutidos tendo em conta a sua relevância no kriol e amaioria desses traços corresponde àquelas discutidas em Holm (1988-89) no capítulo sobre a sintaxe. É o primeiro trabalho científico que compara sistematicamente as estruturas morfossintáctica do nosso kriol com uma das suas línguas de substrato e com o seu superestrato. É um privilégio sermos falantes nativos deste kriol. Das suas 3 variedades (a da Guiné Bissau, a do Casamance noSenegal e a de Cabo verde) é a variedadeBissau guineense aquela que ainda mantém contato quer com as línguas de substrato e quer com o seu superestrato.
Falando do conteúdo: primeiro discute-se o estado da arte do kriol (o que se tem escrito até agora sobre esta língua) seguida de considerações sociolinguísticas gerais sobre a Guiné Bissau e uma proposta de escrita. Um grande aspeto a anotar neste caso é o estado e a caracterização da triglossia guineense. Segue-se uma comparação de vários traços do sintagma nominal, do sintagma verbal e das outras estruturas. Esta comparação vem clarificar por exemplo muitos dos traços distintivos da gramática do kriol como é o caso da origem do pronome pessoal sujeito da primeira pessoa do singular (da série dos pronomes pessoais não enfáticos) “n” que é concretizado foneticamente por uma nasal velar [ŋ]. Esta forma do pronome pessoal ocorre também sob a forma de uma nasal velar quer no balanta n’ten, comono mancanha ndi ka, no manjaco ma nka, no pepel nji ka   (kriol  n  tene  ‘eu  tenho’). Podemos ainda encontrar esta forma no crioulo cabo-verdiano e no kriol casamansense. Outro de muitos traços analisados é a marcação aspeto-temporal nos verbos que no português faz-se geralmente por via de sufixos (que assim contêm as informações de tempo, modo, número, pessoa e aspeto) mas no kriol essas informações são obtidas via morfemas livres: pronomes pessoais ou marcadores pré- ou pospostos aos verbos, tal como acontece em algumas das línguas africanas da Guiné: no balanta por exemplo n’ten gue (kriol n tene ba ‘eu tinha’) em que o morfemague marca o passado etc. Aliás a forma ba é muito interessante uma vez que pode aparecercomomarcador do plural quando colocado antes de nomes próprios: ba Rui ’o Rui e os seus’ ou antes dos nomes comuns  ba  kaneta(s) , ba lapis ’canetas, lápis’.
As conclusões não referem números porque nenhum método quantitativo foi usado para medir o grau de interferência. Mas os dados apontam para muitas semelhanças estruturais entre as línguas africanas e o kriol, quer a nível do sintagma nominal, quer a nível do sintagma verbal e quer ainda ao nível de outras estruturas. Foram notadas também muitas interferências quer da sintaxe (estrutura da frase), quer da morfologia (estrutura da palavra) ou ainda da fonologia do português. Muito mais significante é a presença do léxico (palavras) do português no kriol. Mas o léxico e a fonologia não foram tratados na obra. Em suma: no sintagma nominal predomina a sintaxe e a morfologia do português mas no sintagma verbal predomina a sintaxe do sintagma verbal das línguas africanas.

BD – Quais as línguas africanas que quer referir?
I.I. – Tomei as línguas africanas como um todo. É cientificamente aceite que as línguas do substrato do crioulo de base lexical portuguesa da “Upper Guinea” são as línguas Niger Congo, Oeste Atlânticas, dentro das quais se incluem o wolof, o mandinga (embora esta seja do grupo Mande) e várias outras. E termos tipológicos, são línguas muito semelhantes estruturalmente. O balanta, o pepel, o mancanhe, o bijagó, o felupe, o manjaco… Estão incluídos no grupo Oeste Atlântico porque partilham as mesmas propriedades gramaticaiscomo por exemplo o sistema de prefixos de classe nos nomes, o sistema de marcação aspeto-temporal nos verbos etc. E como sou falante nativo do balanta, usei essa línguacomo um exemplo das línguas de substrato do kriol.
BD – Quem foram os patrocinadores e colaboradores desta gramatica crioula ora publicada? 
I.I. – Patrocinador formal nenhum. O meu orientador deu-me muitas indicações e contatei a Lincom. Viram o manuscrito e concordaram em publicá-lo.

BD – Recebeu algum apoio da Guiné-Bissau, concretamente do Ministério da Educação relativamente aos trabalhos que está a fazer?
I.I. – Algum apoio da Guiné-Bissau? Do MEN? Apenas a bolsa de estudo inicial para a Licenciatura em Estudos Portugueses e Franceses.
A Pós graduação, o Mestrado e o Doutoramento, nenhum apoio da Guiné-Bissau. O Doutoramento conta com o apoio do Governo Português através da FCT. No entanto registo co muito agrado as simpatias genuínas do INEP e da Diocese de Bissau e dos responsáveis dessas instituições, de alguns responsáveis internacionais presentes emBissaue de pessoas amigas. Mas nada mais.

BD – Um ex-seminarista chegando a este nível e recebe apenas simpatias da parte da Diocese de Bissau…
I.I. – (risos) Já é um bom começo. Quem sabe se no futuro poderá haver alguma cooperação? Já manifestei o interesse em colaborar.

BD – O que é que disse a Diocese de Bissau?
I.I. - Estamos a falar. Sabe apenas pode existir colaboração se houver necessidade. Acredito que se alguns dos projetos da Diocese entender que a minha colaboração é necessária, os responsáveis do mesmo poderão considerar oportunas discussões mais aprofundadas para uma eventual colaboração. Até lá é esperar.

BD – Uma obra resulta de experiência de muitos anos… Fala-me da sua experiência/vida de estudante, de professor e investigador na Universidade de Coimbra?
I.I. - Fui professor de português e de latim na Guiné Bissau (em Bissau), kriol e português em Cabo Verde (Praia) mas em Portugal (Coimbra) fui estudante e sou investigador no CELGA (Centro de Estudos de Linguística Geral e Aplicada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra). O meu gosto pelas línguas e pelo estudo da ciência das línguas começou em Bissau, graças às leituras dos trabalhos de Scantamburlo, Biasutti, Ferraro, Fumagalli e outros, mas também graças aos meses de trabalho com os voluntários do Corpo da Paz na Praia e em Bissau. Mais leituras em Coimbra motivaram-me ainda mais e em 2003 assisti a uma conferência de linguística em A Corunha, Espanha, e desde então comecei a trabalhar na área sempre com o Professor Doutor John e com a Dra Ana Luís. Depois coordenei a participação da FLUC num projeto de investigação linguística denominado APiCS com o Instituto Max Planck da Antropologia Evolucionária de Leipzig, Alemanha (Fiz equipa com o Professor Holm e a Dra Liliana Inverno) e passei alguns meses de pesquisa no CNRS Paris e na Universidade de Orléans onde tive a oportunidade de trabalhar com iminentes especialistas Kihm e Rougé, e conversas muito interessantes com o Doutor Nicolas Kant e apresentei comunicações pessoais e conjuntas na Universidade de Birmingham, na Universidade de Zurique, na Universidade de Valência, na Universidade de Amsterdão, no World Trade Center de Curaçao, na Universidade de São Paulo, no MPI de Leipzig, na CNRS Paris e na Universidade de Orléans, na Universidade de Coimbra, na Universidade Nova de Lisboa e em Bissau, na Universidade da Macedônia Ocidental em Kozani (Grécia).

BD – Qual das três experiencias (do estudante, do professor e a do investigador) mais lhe marcou e porquê? 
I.I. – Todas por igual.Como estudante conheci professores que são uma referência para mim: O professor Marciano na primária, as amigas Djariatú Só (de quem perdi o rasto), a Aua (Baldé julgo) e a Eurizanda Cuino, o engraçado do Filomeno Indei no Kwame N’Krumah, Dr José Vieira, o Pe. GueVi, o Padre Francisco de Macedo, o Dr Vicente Braia e o falecido professor Honório de Sá no Liceu João XXIII, e muitos outros, depois a Professora Doutora Rocha Pereira, o Professor Doutor Morais e Barbosa, o Professor Doutor John Alexander Holm, as Professoras Doutoras Clarinda Maia, Rio Torto, a Doutora Ana Luís e muitos mais em Coimbra.Como professor fiz amizades para o resto da vida. Olhando agora para trás sinto orgulho das amizades que fiz e não vou atrever-me a citar nomes. Apenas a título de exemplo, em 2010 eu estava em Paris e fui surpreendido por alguns antigos alunos do Liceu João XXIII que organizaram um piquenique na mata de Vincennes em minha honra e deram-me uma lembrançazinha. Foi emocionante. Compareceram em grande número, os que não puderam ir telefonaram e percebi que afinal tinha feito algo de muito bom na vida. Um ex-aluno e sempre amigo o Dr Cuino disse-me uma vez emCoimbra que no Liceu João XXIII ele aprendera a “querer saber as matérias” e não apenas a estudar para ter boas notas.Como investigador adoro o meu trabalho. Foi um privilégio trabalhar com grandes nomes da linguística a começar pelos professores que citei mas também com os Professores Doutores Alain Kihm da CNRS Paris VII, Jean Louis Rougé da Universidade de Orléans, Alain Baxter da Universidade de Macau, o Doutor Bart Jacobs da Universidade de Amsterdão, Alexandra Galani da Universidade da Macedônia Ocidental, a Professora Doutora Susanne Michaelis e ainda arranjei um irmão japonês, o Professor Doutor Atsushi Ichinose. Sei que ficaram muitos nomes por referir e peço desculpas por isso.

BD – Tem viajado muito para a Guiné sobretudo nos anos da sua especialização. Que leitura faz da atual situação-política do país? 
I.I. – Estou muito desgastado com os últimos acontecimentos e espero bem que haja bom senso e que consigamos falar e entendermo-nos. É que vamos muito atrasados em relação às conquistas do progresso e da democracia. Tinha esperanças no Governo saído das eleições de 2009 mas fiquei muito desapontado com as mortes seletivas e espancamentos e o egocentrismo da governação anterior. Contava que o problema ficasse resolvido nas urnas agora em Fevereiro e Novembro mas infelizmente não foi o caso.
Lamento que o meu povo esteja a sofrer. Lamento que as Forças Armadas do nosso país estejam a ser culpabilizadas por dar e não dar. E lamento que o Governo eleito tenha sido obrigado a abandonar as funções antes do fim da legislatura e ainda lamento que o Governo possível e de facto não tenha condições para trabalhar.
Sabe o que originou tudo isso? A FALTA DE DIÁLOGO. Se não nos falamos, não nos entendemos e nenhum de nós terá razão. E o povo?
Povu i punduntu (José Manuel, músico) ‘O povo é quem paga as favas’.

BD – As Forças Armadas do país estejam a ser culpabilizadas por “dar e não dar” o quê?
I.I. – (risos)  Sabe, eu defendo todas as instituições da República e gostaria imenso que elas pudessem funcionar normalmente. Mas por vezes alguém tem de dizer basta. Prova disso é que houve no nosso caso levantamentos militares que foram entendidoscomo um mal menor. E houve outros que foram condenados de forma unânime. Esquecemo-nos muitas vezes que em muitos desses levantamentos existiu mão política e culpamos apenas os militares. Os próprios políticos quando não estão e posições de poder são os mesmos que ou instigam os militares ou a comunidade internacional e logo começam os boatos e por vezes a instabilidade. A maior parte dos nossos políticos quer ser presidente da república e primeiro-ministro mas isso é impossível. Por lei elegemos apenas 1para cada função de quatro em quatro anos. Os outros têm de ter paciência e esperar e, enquanto esperam, que construam bons programas eleitorais. Que honrem os compromissos com o povo evitando saltar de cadeira em cadeira. Agora deu nisto. Infelizmente.

BD – É um quadro de quem muito precisa a Guiné-Bissau. Para quando o seu regresso?
I.I. – Tenho planos muito realistas. Como deve calcular a estabilidade ou a falta dela é uma das variáveis que pesam neste tipo de decisões. Por outro lado, sei que muitos colegas querem voltar para poderem prestar as suas colaborações na difícil tarefa de construção nacional. Mas (segundo os boatos) no passado recente houve questões muito sensíveis que tinham a ver com uma certa discriminação e isto não facilitou as suas decisões. Passei uma temporada emBissau em pesquisas e estive emBissau em Janeiro deste ano e mais recentemente no mês de Agosto. O meu tema de doutoramento em Letras é inédito e enquadra-se no campo da linguística, gramáticas comparadas e descrição linguística. Por ser um trabalho pioneiro e ser uma fonte primária, tenho algum atraso relativamente aos meus planos iniciais. Há pouca bibliografia de consulta e os informantes com quem trabalhei e trabalho vivem na Guiné.Para ser clarificar a mais pequena dúvida tenho de investir em telefonemas. Neste momento estou na fase mais crítica dos trabalhos que é a escrita da tese. A tese tem 5 capítulos e estou a concluir o IV. Não demoro muito mais e garanto que há planos de regresso e se calhar será mais cedo do que o meu amigo imagina.  (risos)

BD – A discriminação não facilitou na decisão de regresso ao país de alguns colegas seus colegas… discriminação em que sentido? 
I.I. – Em Fevereiro um amigo meu pediu-me, emBissau, que observasse por exemplo o Parlamento e um determinado grupo parlamentar e procurasse ver se havia nesse grupo parlamentar o equilíbrio étnico que o mesmo grupo defendia. Ele insinuou que pelo nome ou pela proveniência geográfica determinados indivíduos supunham a filiação política e as competências das pessoas. A ser verdade, isso poderia ser um problema sério que deveríamos combater com urgência elegendo o critério de competênciacomo o único válido o BIcomo o único documento comprovativo da área geográfica de socialização e de proveniência.
 Entrevista de Agostinho Pereira Gomes

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