quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Grande Entrevista: Balanço sucinto do período de transição – Porta-voz do governo de transição



Governo de Transição reconhece efeitos provocados pelo afastamento de doadores internacionais – admite o porta-voz do Executivo

Bissau (Jornal Nô Pintcha, Fevereiro de 2014) - O ministro de Estado, da Presidência de Conselho de Ministros, Assuntos Parlamentares e Porta-voz do Governo reconheceu, na semana passada, num balanço antecipado do período transitório, que o Governo de Transição foi vítima de quase todos os parceiros de desenvolvimento da Guiné-Bissau, mas mesmo assim, segundo o governante, conseguiu cumprir com a sua missão prioritária.

Fernando Vaz defendeu que se este país tem tido Governos que em dois anos de vigência faz aquilo que este Executivo fez, a Guiné-Bissau seria outra, contra marés de sanções impostas pela comunidade internacional.
Perante isso, não hesitou de admitir que os dois anos foram satisfatórios, sem esquecer da limitação económica e financeira em que o país foi encarolado.

Jornal Nô Pintcha – JNP - Sr. Ministro do Estado, da Presidência do Conselho de Ministros, Assuntos Parlamentares e Porta-voz do Governo este Executivo tinha duas missões prioritárias, pagamento dos salários e a realização de eleições, entretanto acabou por eleger 5 eixos. Faça-me um detalhe das suas execuções?

Fernando Vaz – FV- Sim, o Governo destacou no seu Programa de Governação cinco eixos principais para realizar durante a sua vigência. Dentre os quais a realização de eleições, adoptou e realizou de recenseamento biométrico que até final do mês pode atingir mais de 700 mil eleitores. Em relação ao recenseamento, houve percalços, porque o Governo fez os seus planos para colocar no terreno 400 kits na expectativa de recensear diariamente 40 mil pessoas e em 20 dias teria 800 mil inscritos, mas não foi possível, porque houve vozes que reclamavam o volume orçamental. Infelizmente, o processo se iniciou com apenas 114 kits e 40 dias depois é que se conseguiu lançar mais 20, tendo conseguido introduzir mais 150 kits quando faltavam 5 dias de recenseamento. Lançamos os trabalhos com o suporte financeiro interno e com a colaboração dos agentes recenseadores que aceitaram de forma patriótica deslocarem ao terreno sem dinheiro, embora com receio daquilo que aconteceu nos processos anteriores e depois conseguimos ter na prática o apoio do Governo de Timor Leste, na ordem de 500 mil dólares norte-americanos para podermos estar onde estamos. É nesta perspectiva que rendo uma homenagem a estes jovens que no fundo poem o seu país em cima de tudo. Ainda sobre o recenseamento, a lei não estipula o período de recenseamento, mas sim fixou o prazo de actualização de cadernos eleitorais para 30 dias, mas o que está a fazer é a criação de uma base de dados completamente nova. O que varia entre 3 a 6 meses, mas felizmente este Governo conseguiu fazê-la em tempo recorde. Quanto à organização de eleição, o Executivo propõe ao Presidente da República uma data, que por sua vez marca o dia 16 de Março como dia de votação. Por isso, penso que tudo está preparado para que as eleições aconteçam no dia marcado. No que diz respeito à justiça, sobretudo a questão ligada às mortes, assassinatos, perseguições e entre outros casos, o Governo fez o seu papel que foi criar condições para que os processos fossem acusados e enviados para o julgamento. Era o interesse do Governo e dos guineenses para quando estivéssemos a fazer este balanço tivéssemos alguns casos julgados, mas infelizmente está como está, porque os tribunais decidem por si próprios. Não quero aqui acusar ninguém, porque era prioritário que isso acontecesse, mas talvez seja por causa da nossa realidade, embora alguns foram acusados, mas o Governo não pode fazer mais nada. Com isso não é que Governo não tem uma parte da culpa, mas só que fez tudo que esteve ao seu alcance. No sector da defesa e segurança, o Governo não podia fazer nada, porque não havia dinheiro, devido às sanções e restrições impostas por quase todos os doadores, mas era a intenção do Executivo. Nesta linha, o Governo fez um conjunto de esforços para a recuperação e melhoria das casernas, cujos trabalhos estão em curso em vários quartéis do país. Mas, o Governo continua a trabalhar com vista a criar condições de fundo para logo a seguir às eleições se levar a cabo a tão falada e reclamada reforma condigna para as Forças Armadas. Quanto à normalidade do pagamento de salário, durante o primeiro Governo pagávamos os salários de forma regular e também conseguimos pagar até os atrasados, mas a partir do Governo mais inclusivo as coisas complicaram-se em relação ao pagamento de salários, devido a heterogeneidade do Executivo imposto pela comunidade internacional. Porque não está coeso e confrontou-se com inúmeras dificuldades, sobretudo no pagamento de salário e associada a uma ofensiva da parte de alguns parceiros internacionais que lutaram contra a Guiné-Bissau, fazendo com que houvesse uma restrição das actividades económicas no país que se reflectiu muito nas receitas do Estado. Contudo, mesmo assim temos envidado esforços para cumprir com a nossa obrigação. Neste momento, conseguimos pagar o mês de Novembro a todos os funcionários, com a excepção do Ministério da Defesa e do Interior. O mês de Dezembro e o de Janeiro que venceu agora não foram ainda pagos, mas pensamos que até às eleições vamos regularizar todas as dívidas, incluindo o mês de Novembro ao Ministério da Defesa e do Interior que ainda não receberam. Este Governo nunca recebeu apoio dos parceiros para o pagamento de salários, salvo uma vez que beneficiou de dez milhões de dólares da Nigéria que foi utilizado como apoio orçamental. O certo é que houve uma baixa substancial das receitas, o que significa que o dinheiro que deu entrada não chega para pagar os salários, isso tem estado a acontecer ciclicamente desde meados de Agosto, o que levou-nos a fazer ginásticas financeiras para poder pagar os salários. Como sabem, trabalhamos com contas descobertas e chegado ao mês de Dezembro os bancos sequestraram todas as receitas que deram entradas nos seus cofres para poderem regularizar as suas situações, porque tinham que prestar contas às suas administrações para que possam de novo abrir uma nova linha de crédito.

JNP - Isso significa que os trabalhadores vão continuar durante alguns meses sem salário?

JV - Não disse isso! Aqui não há que mentir, esconder e não escamotear nada, aquilo que eu disse é que nós estamos a dever o Ministério da Defesa e do Interior que ficaram por receber o mês de Novembro, também estamos a dever a todo o mundo o mês de Dezembro e Janeiro que acaba de vencer. E, disse ainda que até final de Março iremos pagar todas as dívidas, incluindo os meses de Fevereiro e Março. Portanto, que fique claro, o que eu disse não tem nada a ver com isso.

JNP - Com a criação do Comité de Tesouraria, o Governo não conseguiu mudar alguma coisa na movimentação da sua conta bancária?

FV- O Comité de Tesouraria fez o seu trabalho: identificou as fugas de receitas, imprimiu o rigor financeiro e orçamental, mas se calhar o comité incomodou muita gente, razão pela qual sofreu grandes pressões. Enquanto funcionava o Comité de Tesouraria pagavam-se sempre os salários, mas dada a pressão que recebeu decidi apresentar ao Primeiro-Ministro a minha demissão, dia 5 de Outubro do ano passado, porque não havia condições para o comité desenvolver o seu trabalho com normalidade.

JNP - Em quê que resultou o envolvimento dos militares no controlo das receitas fiscais?
FV - Não sei, aliás até a minha demissão não havia nenhum militar no Comité de Tesouraria. Estavam lá o ministro das Finanças, secretário de Estado do Tesouro, do Orçamento, directores-gerais das Alfândegas, Contribuições e Impostos, representante do Presidente da República, do Primeiro-Ministro, da comunidade internacional e do BCEAO, cujo objctivo era fazer uma gestão transparente dos fundos públicos, mais nada. Portanto, não sei quem é que optou pela solução dos militares.

JNP -Nos últimos tempos o Governo foi confrontado com uma série de paralisações laborais, até que ponto o Governo se sente incomodado com a greve dos trabalhadores?

FV - Sentimos incomodados sim, porque os sindicatos estiveram a exigir os seus direitos, mas só que na situação em que o país se encontra é de esperar que as pessoas sejam mais patriotas. A actuação dos sindicatos complicou imenso a vida do Governo, embora conseguiu resolver alguns problemas que vinham desde 1991. Mas, tivemos que suportar tudo isso, gerindo-o de forma inteligente, porque é um direito que os assiste e que devia fazê-lo dentro do quadro legal.

JNP - O recenseamento está lento e a data de eleição está a aproximar-se cada vez mais. Será que o Governo continua determinado em realizar o escrutínio dia 16 de Março?

FV - Garanti-vos que o Governo está a trabalhar na base da lei. Portanto, o Presidente da República fixou a data e restam já 43 dias para a votação. Houve uma reunião com os partidos políticos, sociedade civil, militares e comunidade religiosa em que o chegamos num consenso de alargar o prazo de entrega de candidaturas e o término do recenseamento para até 45 dias antes de eleições e outras datas também foram acordadas. Portanto, o Governo tem apenas que cumprir, porque não há uma outra lei.

JNP - Em relação à lei da amnistia, há informações que dão conta que os deputados não querem aprová-la, alegadamente para não estarem a encorajar o golpe de Estado. Comenta?

FV - Devido ao incumprimento da Carta de Transição, o Governo teve uma iniciativa de mandar a lei à ANP para efeito de discussão e aprovação, mas que foi chumbado. Todos os partidos assinaram em como os actores do golpe de Estado de 12 de Abril iriam ser amnistiados, porque a Carta de Transição diz que a Assembleia Nacional Popular é encarregue a responsabilidade de adoptar aquela decisão e o consenso chegados pelos partidos políticos, mas se foi o caso, o problema é dos deputados.

JNP - Com que recordação ficará deste Governo e do período de transição em particular?

FV - Vou ficar com a recordação de um Governo que liberalizou em parte o sector da electricidade, porque hoje se for em Safim e em várias outras cidades do país tem a electricidade durante 24 horas. Um Governo que fez estradas, lançou um projecto de cinco mil casas sociais, que consegue assinar um contrato para a construção da barragem de Saltinho com capacidade de 87 mega watts. Que fez os estudos 3D da plataforma nacional petrolífera, cujos indicadores apontam para uma potencialidade em hidrocarbonetos acima das expectativas. Um Governo que renegociou o contrato da bauxite de Boé, atribuindo a Guiné-Bissau um percentagem na ordem de 60%, contrariamente aos 10% do anterior Governo. Um Governo que pode confirmar que dentro de pouco tempo vai ter a sua companhia área nacional para quebrar a dependência da TAP. Que materializou uma série de projectos e que não beneficiou em nenhum momento do apoio dos parceiros, mas que conseguiu liquidar os atrasos salariais em mais de 7 meses, sem falar da descoberta bancária. Enfim, é de reconhecer que este Governo fez algo, porque conseguiu atravessar o deserto sem apoio de ninguém. Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer a todos que colaboraram no desbloqueamento do país e no sucesso do período de transição, o meu muito obrigado a todos os guineenses.

Texto e fotos: Seco Baldé Vieira

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