Iniciativa da direita nacionalista do Partido do Povo
Suíço foi aprovada em referendo na maioria dos 26 cantões.
Foi por pouco, mas
foi. A iniciativa “contra a imigração em massa” foi mesmo aprovada, com o apoio
de 50,3% dos eleitores suíços. “O acordo com a União Europeia sobre a livre
circulação de pessoas está posto em causa", concluiu Didier Burkhalter, ministro
dos Negócios Estrangeiros suíço.
As sondagens davam a vitória do “não” mas mostravam que o “sim” estava
a ganhar terreno e os analistas avisavam que tudo podia acontecer. Assim foi. A
taxa de participação chegou aos 56,6%, alta como já não se via num referendo
desde 2005, quando 56,8% dos eleitores disseram “sim” aos acordos de associação
de Shengen e Dublin.
Os suíços votaram
contra o que a esmagadora maioria dos partidos lhes pediam, contra o conselho
federal (Governo), onde seis dos sete membros rejeitavam a iniciativa, contra o
que os sindicatos e o patronato defendiam. Venceu o Partido do Povo Suíço (SVP,
coligação de movimentos da direita nacionalista e populista) e a ideia de que
os imigrantes – desde a entrada em vigor da livre circulação, em 2002, chegaram
anualmente à Suíça 80 mil pessoas de estrados membros – ameaçam os postos de
trabalho e os salários, e provocam uma pressão incomportável nas
infra-estruturas e no mercado de habitação.
Os "cidadãos
suíços aceitaram a iniciativa popular 'contra a imigração em massa' e
pronunciaram-se assim por uma mudança de sistema na política suíça de
imigração", disse a ministra da Justiça, Simonetta Sommaruga, na
conferência de imprensa que juntou vários membros do Governo. “É uma mudança de
sistema com grandes consequências para os suíços e para as nossas relações com
a UE”, notou a ministra. “É um voto de desafio às autoridades” e “também um
voto contra os meios económicos”, concluiu.
“É um mau
resultado, a Suíça precisa de boas relações com a União Europeia”, disse Paul
Rechsteiner, sindicalista e deputados do Partido Socialista Suíço. Para a
Economiesuisse, organização que reúne todas as associações do patronato,
“começa agora um período de incerta para a economia suíça, o que não é bom”.
Durante a campanha, as organizações patronais lembraram a burocracia e os
custos administrativos do sistema de quotas que vigorou até à livre circulação:
assim é muito mais difícil conseguir, em tempo útil, a mão-de-obra qualificada
que muitas vezes não está disponível entre os suíços.
Acordos bilaterais
O politólogo
Pascal Sciarini, da Universidade de Genebra, antecipa o “caos”, com todos os
acordos que unem o país à UE a terem de ser renegociados.
“Agora, convém
fazer tudo o que for possível para manter os acordos bilaterais”, reagiu, assim
que foram conhecidos os resultados, o comité de partidos que se uniu para
defender o “não” (todos menos os socialistas, que decidiram fazer campanha
sozinhos). A reacção da União Europeia permanece incerta, dizem estes partidos,
defendendo que o conselho federal deve encontrar com Bruxelas uma solução que
permita à Suíça respeitar a nova disposição constitucional sem pôr em causa as
relações bilaterais com a União.
De facto, não é
ainda completamente certo como é que Bruxelas vai reagir. Antes do referendo,
não houve posição oficial, mesmo se vários responsáveis europeus avisaram os
suíços para os riscos de pôr em causa a livre circulação. “A Suíça não pode
ficar só com o que gosta”, disse Viviane Reding, comissária da Justiça Direitos
Fundamentais e Cidadania, em declarações aos media suíços
durante a campanha. A livre circulação, explicou, faz parte de um pacote de
sete acordos que tanto beneficiam a Suíça como a UE.
Este domingo, a
Comissão Europeia lamentou que a iniciativa "para a introdução de quotas
sobre a imigração tenha passado " e fez saber que Bruxelas "avaliará
as implicações desta iniciativa no conjunto das relações entre a UE e a
Suíça". Segundo uma fonte europeia citada pela AFP, se o acordo de livre
circulação for denunciado os outros seis acordos ficarão obsoletos em seis
meses.
Estes acordos
regulam a comercialização de produtos, os concursos públicos, a agricultura, a
investigação, os transportes aéreos e terrestres. A lógica é sempre a da
facilitação das trocas – com estes acordos, acabaram os controlos veterinários
especiais, e as companhias aéreas suíças passaram a ter acesso a todas as
linhas, por exemplo.
Saldo positivo
Todos os
indicadores mostram que a abertura da Suíça à UE tem saldo positivo. O
desemprego manteve-se perto dos 3% - está em 3,4% para o conjunto da população
e em 2% para os suíços de origem –, os salários cresceram em média 0,6% desde
2002 (mais do que no período anterior) e a economia do país nunca parou de
crescer acima da média europeia, com estimativas de um crescimento de 2% para
2014. Mais de metade das exportações suíças vão para o mercado único.
Quando a livre
circulação entrou em vigor, há 12 anos, a Suíça tinha 20% de imigrantes, hoje
são 23,5% (e 22% da força de trabalho) numa população de oito milhões.
Italianos e alemães são os maiores grupos, com perto de 291 mil e 284 mil
pessoas. A seguir, estão os portugueses, que são quase 240 mil. E os suíços,
certa ou erradamente, temem que os recém-chegados estejam a mudar o seu país e
a sua qualidade de vida para pior.
Numa conversa com
o PÚBLICO, o politólogo Lukas Golder explicou que depois de uma grande
controvérsia sobre a abertura à UE, “seguiu-se um período em que crescia a
tendência a favor da livre circulação”. Nos últimos anos, porém, a opinião
geral voltou a mudar, com a direita nacionalista do SVP a ser “muito
bem-sucedida no reforço da percepção de que os imigrantes são responsáveis por
tudo o que não está bem”.
O Governo admite
um problema de infra-estruturas, por exemplo, e até aponta a livre circulação
como uma das suas causas, mas insiste que a Suíça precisa destas pessoas.
Como as sondagens
já indicavam, o maior apoio ao “não” veio da Suíça italiana, com resultados
mistos na Suíça alemã e a vitória do “não” nos cantões franceses. Ainda à
espera de uma análise mais detalhada, Golder antecipa que a iniciativa do SPV
não tenha sido necessariamente mais votada onde se sentem de facto problemas
com o aumento recente da população.
O SVP, claro,
celebrou. “Trata-se de uma viragem na nossa política de imigração”, disse o
presidente, Toni Brunner. O vice-presidente, Christoph Blocher, escolheu outra
frase: “Conservámos a nossa independência”.
Aproposito a livre circulação no espaço CPLP é uma ilusão....
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