Depois do encontro com o Presidente da República que decorreu
nesta terça-feira, bastonário diz que “seria um milagre” se austeridade não
estivesse a afectar “negativamente” acessibilidade e capacidade de resposta do
Serviço Nacional de Saúde.
A Ordem dos Médicos foi recebida nesta terça-feira pelo
Presidente da República a quem demonstrou preocupação com a emigração de
médicos e com os cortes no sector, que estão a dificultar o acesso dos utentes
aos cuidados de saúde. “Os portugueses vão continuar a sentir a falta de
médicos, porque os médicos estão a emigrar. É preciso dar condições aos médicos
para se fixarem em Portugal”, defendeu o bastonário da Ordem, José Manuel
Silva, à saída da reunião.
O Presidente da República, Cavaco
Silva, recebeu a Ordem dos Médicos para cumprimentar a nova direcção e José
Manuel Silva aproveitou para alertar não só para os cortes na área da saúde,
mas também para as condições de trabalho dos médicos que estão a conduzir à
emigração. “Nós temos médicos de elevadíssima qualidade, reconhecidos em toda a
Europa e que emigram com facilidade. Aliás, os países ditos da Europa mais
desenvolvidos vêm activamente a Portugal recrutar especialistas portugueses”,
disse o bastonário que considera “lamentável” que, “sendo necessários aos
doentes portugueses”, esses médicos estejam a emigrar “por falta de condições
de trabalho em Portugal”.
José Manuel Silva garante que “esta nova realidade” está “a
condicionar” a acessibilidade dos portugueses ao Serviço Nacional de Saúde,
“por falta de recursos médicos” e vai “agravar-se no futuro”. Mesmo admitindo
que há especialidades nas quais faltam médicos, José Manuel Silva defende que o
problema se explica pelo facto de muitos estarem a emigrar e de outros se
reformarem mais cedo e não porque se estejam a formar menos profissionais em
Portugal: “Nós não estamos a formar médicos a menos. Estamos neste momento a
sofrer a confluência de duas circunstâncias que são o facto de ter havido uma
excessiva redução no numerus clausus há muitos anos atrás, e que agora já está
sobrecompensada, e por os médicos estarem a reformar-se cerca de 10 anos mais
cedo, por força da fórmula de cálculo das reformas que penaliza quem continuar
a trabalhar mais tempo”, explicou, defendendo mesmo que neste momento a formação
de médicos está “acima das necessidades do país para o futuro”.
O que é preciso, defende, não é formar mais, mas fazer com
que os profissionais não saiam do país: “Nós queremos fixar os médicos em
Portugal. Para isso, o Governo tem de dar condições de trabalho e naturalmente
condições remuneratórias para os médicos se fixarem em Portugal, porque os
doentes portugueses precisam dos médicos portugueses”, sublinhou.
Apesar de não ter dados concretos sobre esta emigração
médica, o bastonário acredita que é uma realidade crescente e vai continuar a
aumentar: “Há cada vez mais médicos a emigrar. Nós não temos dados numéricos,
mas o número de médicos que pede as certidões na Ordem para poder emigrar para
a Europa é em número crescente. E nós vamos ter, de facto, esta situação
paradoxal: estarmos a formar médicos a mais, gastar milhares de milhões de
euros em formação médica, altamente qualificada e especializada, para depois
emigrar para a Europa”, alertou.
Para o bastonário, apesar de ter sido “profundamente desqualificado
em Portugal”, o trabalho médico “é extraordinariamente bem-vindo, respeitado, e
desejado no centro e no norte da Europa”: “Os médicos portugueses vão-se formar
em Portugal com qualidade e vão emigrar para o centro e para o norte da Europa.
É preciso que se pare este fluxo que está em crescendo, para os médicos
portugueses terem condições para se fixarem em Portugal e tratarem com
qualidade os doentes portugueses”, defendeu.
Os cortes e o acesso ao SNS
Os cortes na área da saúde, designadamente nos orçamentos dos
hospitais, foi outra das preocupações apresentadas pelo bastonário ao
Presidente da República. “O Serviço Nacional de Saúde está a sofrer a
austeridade que está a ser imposta ao país”, disse José Manuel Silva para quem
“os cortes que têm sido impostos às instituições” e a “limitação de orçamentos”
têm levado “a que os hospitais tenham dificuldade em responder à procura dos
cidadãos, nomeadamente não contratando os recursos humanos que necessitam”. Estes
problemas reflectem-se não só, alertou, em áreas como a oncologia - nos
institutos portugueses de oncologia -, mas também nas urgências de vários
hospitais onde, por exemplo durante períodos como o Inverno, há “maior afluxo
de doentes”, fazendo com que não sejam atendidos “com a celeridade e com a
qualidade que era necessária”.
O bastonário não tem dúvidas de que a austeridade se reflecte
“negativamente na acessibilidade e na capacidade de resposta no Serviço
Nacional de Saúde”: “Seria um milagre se isso não acontecesse”, nota. Entre
outros problemas abordados, estiveram também as listas de espera, “as
dificuldades de funcionamento nos serviços de urgência”, e a limitação no
acesso “a alguma medicação”.
Como aspectos positivos, José Manuel Silva destacou a redução
do custo com os medicamentos e o combate às fraudes na saúde: “Há uma medida
positiva de combate à fraude e à corrupção na área da saúde que nós só
lamentamos que não seja extensível a outros sectores da governação da sociedade
e da economia”, afirmou.
Concursos
Os critérios dos concursos para a abertura de vagas para os
médicos foi outro tema abordado no encontro.
O bastonário defende que os concursos devem ser abertos e não
fechados, porque o facto de serem fechados apenas permite que concorram médicos
que “terminaram [a formação] numa determinada época de exame relativa à
abertura de concurso” e não todos os que desejem concorrer. “É uma situação que
é prejudicial à fixação dos médicos no interior do país”, alerta o responsável,
recordando que o Ministério da Saúde recebeu um parecer jurídico da Provedoria
da Justiça a "considerar ilegais os anteriores concursos fechados e instar
à reposição da legalidade”.
O ministro da Saúde, Paulo Macedo, anunciou este ano a
abertura de um concurso para 200 médicos em medicina geral e familiar,
“tentando abranger aqueles que estão fora do Serviço Nacional de Saúde, pessoas
que tenham tirado o seu curso fora e nunca tenham entrado no Serviço Nacional
de Saúde ou que estejam no privado e queiram vir para o sector público”.
O bastonário já tinha dito que os médicos concordavam com a
medida e que ela decorria de uma proposta que a própria Ordem tinha feito ao
ministro no sentido de pedir “um concurso aberto externo” para especialistas em
medicina geral e familiar que estão fora do Serviço Nacional de Saúde, para
poderem regressar ou concorrer pela primeira vez e contribuir para a redução
das listas de pessoas sem médicos de família. Apesar de concordar com a medida
anunciada, o bastonário ressalva que ainda não é suficiente e solicitou “a sua
extensão às especialidades hospitalares”.
//Publico
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