sexta-feira, 16 de maio de 2014

Guiné-Bissau, país que nunca viu um Presidente concluir seu mandato


Em 40 anos de independência da Guiné-Bissau, apenas três dos dez Presidentes e ex-Presidentes estão vivos e dois deles afastados da política. Observadores falam em um novo ciclo político no país, após a presidencial.

Com a morte, a 4 de abril, do ex-chefe de Estado Kumba Ialá - deposto em 2003, após três anos na Presidência, na sequência das eleições de 2000 - apenas estão vivos três políticos que se sentaram na cadeira presidencial na Guiné-Bissau, todos eles interinos: o atual Presidente do governo de transição, Serifo Nhamadjo, que assumiu a Presidência após o golpe de Estado de 12 de abril de 2012; o homem a quem sucedeu, Raimundo Pereira, o único Presidente de transição que acabou deposto; e Carmen Pereira, há muito afastada da política, mas que continua a ser uma das incitadores de instabilidade no PAIGC.

Dos 10 chefes de Estado que a Guiné-Bissau já conheceu, apenas quatro foram legalmente escolhidos ou eleitos. Os outros seis, ocuparam o cargo como interinos ou num governo de transição.

O risco de ser Presidente

O sociólogo guineense Leonardo Cardoso, Mestre em Ciências Sociais e historiador, não acredita que ser Presidente na Guiné-Bissau signifique correr sérios riscos.

"Ser Presidente é ser o magistrado supremo da nação, é ter de trilhar o compromisso no sentido de resolver da melhor forma aqueles que são os anseios das populações," define.

O problema estaria em não conseguir gerir o país e transferir a família e os amigos para a esfera do poder.

"As pessoas geralmente assumem o poder, esquecem-se dos compromissos que têm com a população e, por outro lado, em primeiro lugar, põem a relevo os compromissos que têm com os amigos, com os familiares, com os militares etc, e aí sim começam os riscos," explica.

Mas, por si só, ser Presidente não tem qualquer risco na Guiné-Bissau, acredita o sociólogo.

Entre mortes e golpes militares

Pelo Palácio Presidencial da Guiné-Bissau passaram Luís Cabral, João Bernardo Vieira (ou "Nino"), Kumba Ialá e Malam Bacai Sanhá. O país conheceu ainda os seguintes Presidentes interinos: Raimundo Pereira, Carmen Pereira, Ansumane Mané, Veríssimo Seabra, Henrique Rosa e o atual Presidente de transição Serifo Nhamadjo.

Uma longa lista desde a conquista da independência do país, em 1973, e que leva muitos guineenses a perguntar se existe uma "maldição" de ser Presidente na Guiné-Bissau. Leonardo Cardoso refuta esta tese.

"A única maldição à qual se pode referir, na Guiné-Bissau, é a má gestão da coisa pública. São os compromissos que as pessoas assumem antes de serem Presidentes, as alianças que fazem - à excessão talvez do Presidente Malam Bacai Sanhá, que faleceu por razão de doença prolongada," considera.

Fatores que influenciam o mandato do Presidente

Num país de muitas crenças populares, várias etnias, religiões, um índice elevado de analfabetismo e onde um Presidente nunca chegou a concluir o seu mandato, poder-se-á pensar que tudo isso perturba o comportamento do eleitorado guineense.

Para o sociólogo guineense, a explicação não estaria ligada a tais fatores, mas sim aos compromissos e às alianças que os políticos contraem antes de assumirem o mandato.

Se quisermos falar das amarras da tradição que normalmente são os Presidentes - são todos os governantes, não só guineenses mas africanos de uma forma geral - que acabam por ficar reféns dessa tradição, porque fazem muitos compromissos junto aos santuários do culto religioso, de forma que ficam reféns dos compromissos que eles assumiram," revela.

Leonardo Cardoso explicita, no entanto, que isso não significa "inquirir que as mortes tenham alguma relação com os compromissos que eles têm com aquilo que nós chamamos de imãs, que são pais de culto religioso tradicional."

Perfil do eleitorado

Leonardo Cardoso, fala ainda do que considera ser os elementos que condicionam a decisão do eleitor guineense no exercício do seu dever de cidadania, ou seja, de votar nos pleitos eleitorais.

Os aspectos étnicos, que são claramente notórios; as afinidades culturais e religiosas, em menor escala; e também os compromissos que advêm dos investimentos que os candidatos fazem nas comunidades rurais e mesmo urbanas guineenses. Estes elementos condicionam grandemente a decisão do eleitorado guineense," avalia.

Muitos guineenses já dizem que o mês de junho de 2014 - altura em que o governo e o novo Presidente deverão entrar em funções - ficará na história da Guiné-Bissau como o momento da rutura do ciclo de golpes de Estado, de insegurança e de instabilidade. E o sociólogo guineense também acredita nesta tese.

"Em princípio deve marcar, porque nós todos esperamos que estas eleições venham marcar o fim das sucessivas crises e o início de uma nova era que se espera para a Guiné-Bissau," finaliza.

//D.W

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