no PÚBLICO de hoje
A
crise na ciência tornou-se evidente e saltou para a rua em 2014, com o anúncio
dos cortes nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. A saída de cientistas
do país e a queda do Produto Interno Bruto investido em ciência, invertendo a
tendência dos últimos anos, são outros sinais de que a crise chegou à ciência.
No
ano em que a troika se vai despedir de Portugal é aquele em que a crise na
ciência se tornou visível. Uma diminuição brutal nas bolsas individuais de
doutoramento e pós-doutoramento atribuídas pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (FCT), em Janeiro, desencadeou a crítica maciça da comunidade
científica. Após o resultado das bolsas, cerca de um milhar de pessoas
manifestou-se em Lisboa e vozes da comunidade científica defenderam que se
estava a inverter uma aposta de décadas.
Em
Abril, José Mariano Gago, ex-ministro da Ciência e do Ensino Superior dos
governos do PS, falou dessa aposta, no congresso “A Revolução de Abril Portugal
1974-75”, referindo-se a um salto incomparável no desenvolvimento científico em
apenas 40 anos.
Foi
um salto que nasceu de uma política educativa, científica e cultural no pós-25
de Abril, e que foi possível executar graças ao financiamento europeu depois de
Portugal integrar a Comunidade Económica Europeia (CEE). No seu melhor, esta
política permitiu o nascimento de cientistas como Maria Mota, que ganhou o
Prémio Pessoa 2013 em plena crise económica, crise que vai continuar a deixar
Portugal numa encruzilhada mesmo depois da troika.
Na
ciência, os sinais desta encruzilhada são vários: investigadores que se viram
obrigados a refazer a sua vida no estrangeiro; universidades sem dinheiro, tal
como os laboratórios do Estado e a rede de laboratórios associados; o Produto
Interno Bruto (PIB) investido em ciência e desenvolvimento que tem vindo a
cair. Perante este cenário, a atribuição pela FCT de mais umas quantas bolsas
depois dos cortes de Janeiro, assim como um financiamento acrescido às unidades
de investigação, não veio clarificar qual será o caminho da política científica
na pós-troika.
Numa
entrevista ao PÚBLICO em Janeiro, Miguel Seabra, presidente da FCT, dizia que
gostaria que a ciência portuguesa estivesse “cada vez menos dependente do
Orçamento do Estado”. Ao mesmo tempo que dizia isto, também afirmava que
esperava que Portugal atingisse, até 2020, a famosa meta dos 3% do PIB gastos
em investimento em ciência, defendendo que o bolo vindo do Estado já estava ao
nível do da média europeia. Portanto, esperava que houvesse mais dinheiro na
ciência, mas que viesse do sector privado. A realidade, no entanto, mostrou que
o PIB investido em ciência está a cair: em 2009 foi de 1,64% e em 2012 de 1,5%.
Contradizendo a sua própria tese, Miguel Seabra explica esta queda num contexto
nacional de crise com, “por exemplo uma redução de investimento em investigação
pelas empresas”.
Em
relação à queda da dotação do Orçamento do Estado para a FCT, que atingiu o
pico em 2009, durante a governação de José Sócrates, e desde aí tem vindo a
cair, o discurso oficial do actual Ministério da Ciência começou por ser o de
que o orçamento executado (o que foi efectivamente gasto) se manteve semelhante
ao longo dos anos.
Mas,
perante a redução óbvia do número de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento,
Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência, e Miguel Seabra admitiram que essa
redução reflectiu um ajustamento do orçamento da FCT, devido a compromissos no
passado que impediam gastar mais dinheiro em bolsas. Uma prova de que a crise
económica vazou parte do financiamento da ciência portuguesa.
Neste
aparente momento zero pós-troika, continuam por revolver os velhos problemas
que já vinham do tempo de Mariano Gago, como o destino que se quer dar aos
laboratórios do Estado, minguados de gente, ou a precaridade do emprego
científico, em que os investigadores chegam a passar mais de dez anos de bolsa
em bolsa, como revela um inquérito recente feito pela associação Precários
Inflexíveis (PI). E há outros problemas novos: o baixo orçamento para as
universidades e para os laboratórios associados (rede de 26 laboratórios
espalhados pelo país) ou o aumento da burocracia.
Em
Janeiro, o físico belga Jean-Pierre Contzen, que participou nas negociações de
pré-adesão de Portugal à CEE e foi, depois, conselheiro na área da ciência e da
tecnologia, dizia ao PÚBLICO que ainda não tinha havido uma diminuição grave no
financiamento da ciência portuguesa. Porém, apontava um problema sistémico de
confiança em Portugal, em que as pessoas e as instituições mostravam ter
dificuldades em delegar. Quase como resposta, Mariano Gago defendia em Abril
que era fundamental o país “de novo projectar o desenvolvimento científico”
como “uma força democrática”.
Mas
no mesmo questionário feito pelos Precários Inflexíveis, 46,4% dos inquiridos
disseram que querem emigrar ou já emigraram, um testemunho da desconfiança
sobre o futuro de quem contínua sem saber para onde vai a ciência portuguesa.
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