quinta-feira, 12 de junho de 2014

No Mundial, a geopolítica também entra em campo



Por, João Ruela Ribeiro
No Publico

O Mundial junta uma amostra daquilo que é o mundo em 2014. Países democráticos e autoritários, ricos e pobres, amigos e inimigos jogam entre si e tentam quebrar as barreiras erguidas pela política.

Começa o Campeonato do Mundo. Mas que mundo é este que vai disputar o título de futebol no Brasil durante as próximas semanas? Estão representados 32 países dos cinco continentes, uma boa amostra das semelhanças e contrastes, das alianças e conflitos que extravasam as quatro linhas.

Entre si, os 32 participantes correspondem a quase metade do território mundial, mas contêm apenas 26% da população. As ausências da China e da Índia, os países mais populosos, retiram cerca de 36% da população representada no Mundial.

Com 318 milhões de habitantes, os EUA não se podem queixar de falta de apoio à sua selecção, apesar da reduzida expressão que o soccer tem no país, comparado com os desportos mais populares, como o basebol ou o futebol americano. O Uruguai perde no campeonato da população, com apenas 3,3 milhões de habitantes, o que não os impediu de vencer o último Mundial disputado no Brasil, em 1950.

A esperança média de vida nos países qualificados para o Mundial é de 75,64 anos, acima do valor médio mundial de 70 anos, de acordo com os dados referentes a 2012 da Organização Mundial de Saúde. É no Japão que mais tempo se vive em média (84,46 anos), mas, em contraste, na Nigéria a esperança média é de apenas 52,62 anos, uma das mais baixas em todo o planeta.

Se lhes faltam pessoas, aos 32 países participantes não falta actividade económica. Representam 55% do PIB mundial e são também responsáveis por 55% das exportações de bens e serviços. Mas também aqui há diferenças assinaláveis. Na Costa do Marfim, o PIB per capita é de 1800 dólares (1322 euros), 30 vezes menos do que na Suíça.

O Mundial é também uma boa amostra do mundo geopolítico actual. Boa qualidade futebolística não é necessariamente sinónimo de boas práticas de governação. Bastaria recordar-nos de Mundiais como o de 1934, organizado e ganho pela Itália de Mussolini, prestes a aliar-se à Alemanha nazi e em vésperas da II Guerra Mundial.

Muito tempo se passou desde então e a democracia ganhou terreno em muitas partes do globo. Ainda assim, quase um terço dos 32 países representados no Mundial 2014 não é considerado totalmente livre, de acordo com a classificação da Freedom House, uma organização não-governamental que estuda o fenómeno democrático e os direitos humanos.

São dez os países que restringem, de alguma forma, as liberdades dos seus cidadãos para além do que é aceitável em democracia. Entre eles, quatro são casos extremos (Argélia, Camarões, Irão e Rússia), segundo a mesma organização.

Da mesma forma, são várias as diferenças noutras áreas da governação, como, por exemplo, a corrupção. A Suíça vence nesse campeonato, com o sétimo lugar no ranking anual da Transparência Internacional. Por outro lado, a Nigéria, os Camarões e o Irão empatam na pouco honrosa 144.ª posição, de um total de 175 países.

Diplomacia das chuteiras
Durante as próximas semanas a competição vai ser nos relvados brasileiros, mas há também várias contas a ajustar fora dos estádios. Nos últimos meses, a crise na Ucrânia operou um retrocesso nas relações internacionais, com um regresso à retórica da Guerra Fria entre os EUA e os aliados ocidentais, de um lado, e a Rússia, do outro.

O Ocidente acusa a Rússia de estar a orquestrar sublevações no Leste da Ucrânia e têm-se sucedido as levas de sanções diplomáticas e económicas dirigidas a responsáveis russos. Moscovo nega as acusações e critica o apoio dado pela União Europeia e pelos EUA à revolta em Kiev, que levou à queda do ex-presidente ucraniano, Viktor Ianukovich, em Fevereiro.

A Ucrânia falhou a qualificação para o Mundial, depois de ter sido derrotada pela França nos play-off. No entanto, o conflito tem-se prolongado para além dos corredores diplomáticos, como aconteceu durante o Festival da Eurovisão, em que os intérpretes russos foram apupados. Poderá a selecção russa escapar a algo do género nos estádios brasileiros?

Significado político tem também a presença do Irão, orientado por Carlos Queiroz, no Mundial. Desde a revolução de 1979 que os EUA e o Irão são inimigos de estimação e essa rivalidade chegou mesmo a protagonizar um episódio que ficou para a história dos Mundiais.

Em 1998, as duas selecções foram sorteadas no mesmo grupo e o jogo entre ambas foi logo considerado de alto risco. Segundo o protocolo da FIFA, deveriam ser os jogadores iranianos a dirigirem-se aos rivais para os cumprimentar no início do jogo, algo que foi expressamente proibido pelo Líder Supremo do Irão, o ayatollah Khameini.

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