no Publico
Autarquia diz que símbolos do antigo Ultramar estão
"ultrapassados" e por isso decidiu retirá-los. Os restantes brasões
vão manter-se.
O jardim da Praça do Império, em Belém, símbolo da
exposição que celebrou a ideia do Portugal pluricontinental durante o Estado
Novo, vai perder parte da sua história. A Câmara de Lisboa, responsável pelo
espaço, decidiu retirar as composições florais que reproduziam os brasões das
ex-colónias e decoravam um friso em torno da Fonte Monumental, por achar que
“estão ultrapassados”.
Situado em frente ao Mosteiro dos Jerónimos, numa
zona sempre repleta de turistas, o jardim com cerca de três hectares evidencia
alguma negligência. Ervas secas e altas preenchem os canteiros delimitados por
sebes, também elas secas nalguns locais. E as pequenas palmeiras ali plantadas
já tiveram melhores dias. Mas o abandono é ainda mais visível na faixa que
circundam a fonte.
Outrora bem talhados em buxo e preenchidos com
plantas coloridas, os brasões das cidades e províncias de Portugal e das
ex-colónias, bem como as cruzes de Cristo e de Avis, num total de 32 conjuntos
de grandes dimensões, estão hoje quase irreconhecíveis no meio das ervas. A
situação não é de agora. “Está assim há vários meses”, diz o presidente da
Junta de Freguesia de Belém, Fernando Ribeiro Rosa (PSD), que acusa a câmara de
descurar a manutenção do jardim. O autarca diz que já pediu satisfações ao
vereador dos Espaços Verdes, José Sá Fernandes. “Respondeu-me que os brasões
são sinais do colonialismo e que não contasse com ele para tratar daquilo”,
afirma, indignado.
Em declarações ao PÚBLICO nesta terça-feira, o
assessor de imprensa de Sá Fernandes confirmou a decisão da câmara de acabar
com os brasões dos antigos territórios ultramarinos, por considerar que
"estão ultrapassados" e que "não faz sentido mantê-los".
Por isso, “não vão ser recuperados”, afirmou. Segundo a mesma fonte, os restantes
brasões vão ser reabilitados, mas não existe ainda uma data para esta
intervenção. Quanto à alegada falta de manutenção, o porta-voz do vereador
negou, garantindo que esta é feita “todos os dias” pelos jardineiros
municipais.
O jardim da Praça do Império foi construído por
altura da Exposição do Mundo Português, em 1940, comemorativa dos 800 anos da
Independência de Portugal e dos 300 anos da Restauração da Independência.
Desenhado pelo arquitecto Vasco Lacerda Marques, é um jardim quadrangular onde
sobressaem ciprestes, oliveiras e cedros, com esculturas em pedra e calçada
portuguesa a forrar o chão. Num dos canteiros ainda resiste uma âncora que
serviu como peça de um relógio de sol que mostrava as horas na metrópole e nos
territórios ultramarinos. A própria praça do Império foi projectado por
Cottinelli Telmo, o arquitecto modernista que também foi o autor do Padrão dos
Descobrimentos, ali mesmo ao lado.
“Os brasões fazem parte da nossa história”, sublinha
Fernando Ribeiro Rosa, que promete levar o assunto em breve à Assembleia
Municipal. O interesse deste jardim é atestado por duas arquitectas paisagistas
do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, Elsa Isidro e Ana Luísa Soares,
que desenvolveram uma Metodologia de Caracterização e Classificação dos Jardins
Públicos de Interesse Patrimonial. Sendo 50 o topo da escala estabelecida para
esta classificação, o jardim da Praça do Império obtém 46 valores.
"Para além da estatuária de valor artístico e
da Fonte Monumental de elevado interesse arquitectónico, este jardim é único na
existência de um conjunto de brasões em mosaico-cultura", escrevem as duas
paisagistas num texto dedicado ao jardim.
Fernando Ribeiro Rosa aponta ainda o dedo ao
município por deixar “a meio” as obras feitas no vizinho Jardim Afonso de
Albuquerque, em frente à Presidência da República, outro dos grandes espaços
verdes que não passaram para a responsabilidade da junta aquando da
reorganização administrativa da cidade, no início deste ano. “O piso está todo
estragado e há pedras soltas, esqueceram-se de pôr cimento para acabar a obra”,
acusa.
Em declarações à Lusa, o assessor de Sá Fernandes
referiu que “o mau estado do pavimento” pode ter resultado de uma intervenção
na via pública por parte de uma "operadora" que não especificou.
"Está prevista uma empreitada para reposição do pavimento", adiantou.
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