Por, Edson Incopté
Na sequência do que antecedeu o jogo da primeira mão
da segunda eliminatória de qualificação para a Taça das Nações Africanas de
2015, onde oito jogadores guineenses foram impedidos de participar devido a
irregularidades ligadas aos vistos de entrada no país adversário; os
guineenses, não só na Guiné-Bissau, mas em todo mundo, reagiram e continuam a
reagir àquilo que muitos designam como desorganização e/ou incompetência da
Federação de Futebol da Guiné-Bissau (FFGB).
Tenho acompanhado vários debates, sobretudo na Rádio
Jovem, e tenho igualmente visto o posicionamento de vários conhecidos e amigos
no facebook. E ciente que existem pessoas com melhor conhecimento do futebol
guineense do que eu, não pretendo com estas linhas apresentar mais do que a
minha opinião sobre tudo o que se tem debatido sobre a questão do futebol
guineense e da FFGB. Opinião que, em molde simples, começo por apresentar em
forma de questionamento:
Por que razão “estranhar” uma federação de futebol
que ao longo de anos se tem revelado à imagem do país, comido por guerrinhas,
por uma cultura de leviana benevolência e não prestação de contas aos seus
associados, igualmente mal organizados, e portanto, sem capacidade de imprimir
outra dinâmica e cultura de exigência na instituição?
Quero com este questionamento dizer que não é certo,
nem deve ser aceitável para nenhum guineense, interessado na matéria, que se
restrinja toda a desorganização da FFGB e, consequentemente, do futebol guineense
a este momento, a esta eliminatória perdida para a seleção do Botswana, na
sequência do que antecedeu o jogo da primeira mão. Ou seja, estes dois jogos
não podem resumir toda a falha, toda a instabilidade de uma estrutura que nunca
foi sólida!
É preciso assumir que a FFGB não funciona há muitos
e muitos anos! Diria, aliás, que neste meu ainda curto tempo de vida, nunca
senti que aquela instituição funcionasse, de facto. Tem sido, à semelhança de
muitas outras, uma instituição fantasma. E é preciso assumir esse facto para, a
partir daí, seguir para uma restruturação bem pensada. E não uma restruturação
movida pelo alvoroço dos últimos acontecimentos.
Na minha opinião, seria um erro que se operasse uma
restruturação tendo em conta, apenas e só, este momento da FFGB; tendo em
conta, apenas e só, uma mudança de dirigentes na FFGB; uma restruturação que
não implique uma mudança radical nos clubes de futebol, enquanto associados com
competências para exigir contas à Federação, recorrendo, se for o caso, à CAF e
à FIFA; uma restruturação que não reveja a própria relação que existe entre a
FFGB e o Governo e/ou a política duma forma geral.
Qualquer mudança que olhe apenas para a FFGB, seria
uma fantochada, porquanto ser uma mudança de cima para baixo. E uma mudança
desse género, não vai, propriamente, à raiz dos problemas.
Por outro lado, uma mudança na FFGB que não passe
por um maior engajamento dos jogadores, antigos e actuais, seria na minha
opinião, pouco sustentável. Isso porque, melhor do que ninguém, conhece o que
vai no seio daquela instituição. Indo mais longe, ouso dizer que só os
jogadores podem mudar, verdadeiramente, a situação do futebol guineense. Mas
para isso é preciso que os actuais sejam homens e não meninos e queiram mais do
que, simplesmente, jogar à bola, ganhar dinheiro e fama na praça de Bissau. É
preciso que sejam, em primeiro lugar, cidadãos e queiram enfrentar sem
passividade, sem benevolências os males da FFGB. É preciso que não suportem
mais o clima do “deixa andar” e só reagir depois da corda arrebentar. Assim
como é preciso que os antigos jogadores, os nossos mais velhos, não aguardem,
passivamente, que sejam chamados a intervir no futebol guineense. Pois mesmo
que não estejam dentro da Federação, podem sempre ter uma voz activa e
criticar, duramente, quando assim é necessário. E isso não é somente necessário
depois da corda arrebentar.
Num outro prisma, e se tivermos em conta que a
maioria dos jogadores ao serviço da seleção neste momento, actuam na Europa,
acabando por adquirir um conhecimento de como as coisas funcionam nos seus
clubes, esse conhecimento, mesmo que pequeno, deve ser colocado também ao
serviço da seleção, com humildade, é verdade, mas também com audácia. Mas para
isso, volto a dizer, é preciso que não se vejam como, apenas e só, jogadores da
bola. Os jogadores podem e devem contribuir para o melhoramento da nossa
Seleção Nacional também fora de campo. Assim como podem e devem promover um
outro tipo de contacto, mais forte, com os seus clubes de origem na Guiné-Bissau,
ajudando-os a melhorar as suas estruturas.
Resumindo este último paragrafo, posso afirmar que
entre o incompetente e aquele que percebendo, mesmo que pouco, deixa andar,
existe, no mínimo, uma certa cumplicidade. E neste caso, os jogadores percebem,
mesmo que minimamente, como as coisas funcionam nos seus clubes. Portanto, que
não deixem andar; que não queiram ser cúmplices.
Quanto a política e ao país, é preciso referir que,
tal como acontece aqui em Portugal, uma relação com o futebol baseada no
aproveitamento mediático do desporto rei, pode ser bastante perigosa;
principalmente quando falamos de uma sociedade onde a política é ainda
fortemente marcada pelo nepotismo. Essa relação pode dissipar, ainda mais, as
fronteiras, que se deveriam ter bem definidas, entre dirigentes
desportivos/figuras do desporto e políticos.
Dir-me-ão que, como qualquer desporto, o futebol
pode ser um mecanismo de congregação, de união do povo guineense, pela paixão
que move. Realmente pode! Mas é necessário que haja um plano bem definido, com
indivíduos competentes, imbuídos de patriotismo e sentido de compromisso. E não
indivíduos que, entre guerrinhas, querem estar na FFGB com o objectivo de
auferir ilegalmente do dinheiro proveniente da FIFA.
Porque se em verdade, a FFGB, além de várias outras
doações, recebe todos os anos bastante dinheiro da FIFA, para onde vai esse
dinheiro?
Nada contra os movimentos de pressão que surgiram na
sequência dos últimos acontecimentos, muito pelo contrário. Contudo, entendo
que se os membros desses movimentos, capazes e pretendendo mudar
verdadeiramente o estado do futebol guineense, devem-se empenhar, sobretudo, em
fazer um trabalho mais pedagógico e menos mediático a nível dos clubes, para
que a partir daí as mudanças cheguem à Federação. Porque qualquer movimento
fora dos clubes de futebol, com objectivo pressionar a Federação, desculpem que
diga, será inútil.
Finalmente, gostava de dizer, em jeito de um
brevíssimo comentário, que as palavras do Sr. Manuel Irénio Lopes Nascimento,
presidente da Federação de Futebol da Guiné-Bissau, além de tamanha arrogância,
passado um atestado de burrice a todos aqueles que o criticavam, como se fosse
o único sabichão no meio de um bando de burros, revelaram também, ele que me
desculpe, falta de postura para estar à frente de um projecto como a FFGB. Mas
como já havia dito, a decisão de o ter ou não como líder só cabe aos associados.
Se queremos, verdadeiramente, mudar o nosso país,
não encaremos nenhuma mudança como isolada. Nem a queiramos forçar antes de ser
muito bem pensada.
Tem que haver sim uma mudança na Federação de
Futebol da Guiné-Bissau, mas que não seja uma mudança de mudar por mudar! Que
seja uma mudança bem pensada, para que assim seja sustentável.
Estamos juntos!
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a
IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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