no DN
1 Já Santo Agostinho se queixava:
"Se ninguém me perguntar o que é o tempo, eu sei o que é, mas, se me
perguntarem e eu quiser explicar, já não sei.” O tempo é um enigma. Se
soubéssemos o que é, talvez tivéssemos resposta para a pergunta pelo que somos.
Mas realmente, o passado já não é, o futuro ainda não é. E o presente? Quando
queremos captá-lo, verdadeiramente ainda não é ou já não é, porque o presente
passa, não dura. No entanto, é no presente que vivemos e somos. Só? Não. Porque
somos a partir do que fomos, do passado, e na expectativa do futuro, de
projectos. Há por vezes a ideia de que o tempo é uma espécie de corredor que se
vai percorrendo. Mas não. O tempo é o modo como o ser finito, concretamente o
ser humano, se vai realizando.
Qual é então a dimensão mais importante
do tempo? Diríamos que é o passado, pois ninguém no-lo pode tirar: ninguém pode
anular o ter sido. Dir-se-á que é o futuro, porque ainda não somos o que
havemos de ser e é animados pela esperança que vivemos. Mas, afinal, é sempre no
presente que vamos sendo. Temos, porém, dificuldade em viver no presente, como
já Pascal se lamentava: "Nunca nos agarramos ao tempo presente",
preocupados com o futuro ou dispersos com lembranças do passado; embora só o
presente nos pertença verdadeiramente, "andamos erráticos por tempos que
não são os nossos", passando o tempo na dispersão, o famoso divertissement
pascaliano.
2 M. Lequin fez uma síntese da concepção
do tempo em sete pensadores. E lá está Platão, para quem o tempo é uma
"imagem móvel da eternidade"; embora o nosso mundo tenha sido feito à
imagem de um modelo eterno, o tempo apenas imita a eternidade, num mundo
submetido ao devir, onde se nasce e morre. Pascal, no contexto do que ficou
dito, sublinha que viver verdadeiramente é esforçar-se por viver no presente,
em vez de "delapidar a vida em expectativas ou lamentações". Segundo
Kant, o tempo não existe em si mesmo nem nas coisas: o espaço e o tempo são
condições formais da sensibilidade, sem as quais não podemos captar os objectos
da experiência sensível, os fenómenos. Para Bergson, o tempo é essencialmente
"duração", duração viva, vivemo-lo à maneira das "notas de um
melodia", formando um tecido. Para Einstein, segundo a teoria da
relatividade restrita, não existindo um tempo idêntico para todos os
observadores, cada um tem o seu "tempo próprio". Hartmut Rosa chama a
atenção para o paradoxo de termos cada vez menos tempo, quando, pela aceleração
e inovação técnica, ganhamos cada vez mais tempo. Afinal, fazemos a experiência
do tempo, sobretudo porque envelhecemos e morremos e, por isso, Heidegger
sublinhou que é a partir da morte que pensamos o tempo: antecipando esse futuro
para o qual somos projectados - característica essencial da existência humana é
"o ser-para-a-morte" -, há para nós um passado e um presente.
Passado, presente e futuro são os três modos do tempo de que a existência é
indissociável e é neles que devemos tentar ser nós mesmos, em existência
autêntica.
3 Há múltiplas experiências do tempo:
uma coisa é o tempo quantitativo, mensurável; outra coisa é o tempo da criação,
da beleza, da música, das decisões fundamentais, do amor. Por isso, em grego há
duas palavras distintas para o tempo: Chronos, que devora os seus próprios
filhos, e kairós, o tempo oportuno, favorável, do amor, da decisão.
Do pior do nosso tempo é a banalidade
rasante, o presentismo consumista e saltitante de um momento para outro
momento, na dispersão de que falava Pascal, sem consistência nem projecto. O
que daí resulta é o vazio e o tédio, na voragem de um tempo hedonista. Por
isso, no início de um novo ano, talvez não fosse mau parar um pouco para
pensar, meditar e ir ao essencial. Afinal, o tempo é o tempo de nos fazermos,
no quadro de um projecto decente e digno. O que queremos fazer de nós, uns com
os outros?
4 Deixo aí, nas palavras do filósofo F.
Lenoir, esta bela história, apelando ao essencial: "Um sábio tomou a
palavra e disse: Escutai a história desta mulher que tem um filho nos braços.
Ao passar diante de uma gruta, ouve uma voz misteriosa que lhe diz: 'Entra e
apanha tudo o que quiseres. Mas lembra-te de uma coisa: depois de saíres, uma
porta fechar-se-á para sempre. Aproveita a oportunidade, mas não esqueças o
mais importante.' A mulher entra na gruta e descobre um fabuloso tesouro.
Fascinada pelo ouro, os diamantes e as pérolas, coloca o filho no chão e
apodera-se de tudo quanto pode. Sonha com o que vai poder fazer com todas estas
riquezas. A voz misteriosa diz-lhe: 'Passou o tempo, não esqueças o mais
importante.' Ao ouvir a voz, a mulher, carregada de ouro e pedras preciosas,
corre para fora da gruta cuja porta se fecha para todo o sempre. Ela encanta-se
com o seu tesouro. E só então se lembra do filho que esqueceu no interior da
gruta."
5 Um 2015 abençoado, feliz, pleno de
realizações boas e felicitantes!
Sem comentários :
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.