A partir do que digo,ajustem o vosso modo de pensar,alterem a vossa compreensão,conformai a vossa vida
Os judeus caem em si. A condição social
de origem de Jesus não condizia com o reconhecido estatuto de Mestre e, menos
ainda, com o seu discurso após a multiplicação dos pães. Jo 6, 41-51. E,
coerentemente, interrogam-se sobre o que está a acontecer: Um artesão de Nazaré
da Galileia ser o enviado de Deus? O filho de José e de Maria, bem conhecidos
na terra, declarar-se pão da vida? O deslocado de Cafarnaum ensinar, com
linguagem dura, “coisas estranhas” na sinagoga? Donde lhe vem tal autoridade?
Jesus não entra “no jogo” de pergunta-resposta. Os factos estão à vista, são
públicos. A explicação é clara, persuasiva e respeitadora. A mensagem é
apelativa, mas não surte efeito. Em vez de se deixarem atrair por Deus e entrar
na novidade que o ensinamento de Jesus comporta, começam a murmurar e
“estancam” no seu rígido pensar e nos seus velhos hábitos, distanciam-se
interiormente e muitos acabam por O abandonar.
João, o autor da narrativa, destaca a
relação de Jesus com Deus Pai e faz uma excelente catequese que choca
abertamente com a mentalidade dos ouvintes judeus. Eles, como talvez muitos de
nós, têm as suas ideias a respeito de Deus e querem encerrá-Lo nesse quadro de
referências. Jesus propõe uma perspectiva diferente: A partir do que digo,
ajustem o vosso modo de pensar, alterem a vossa compreensão, conformai a vossa
vida. “Não murmureis entre vós, Ninguém pode vir a Mim, se o Pai, que me
enviou, não o trouxer”.
A esta certeza chegou Edith Stein, após
um longo caminho de procura. Um dia, encontra a autobiografia de Santa Teresa
de Ávila. Edith lê o livro durante toda a noite. “Quando fechei o livro, disse
para mim própria: é esta a verdade”. Sente-se uma estrangeira no mundo (era
professora universitária). Faz-se religiosa carmelita, vem mais tarde a ser
presa pela Gestapo, levada para a câmara de gaz e os seus restos mortais
queimados no campo de concentração. Hoje é celebrada com o seu novo nome Santa
Teresa Benedita da Cruz.
A atitude dos judeus constitui uma fase
especial na vida de Jesus: é a hora da grande surpresa e interpelante novidade,
do anúncio do desejo de ficar sempre connosco no pão novo, na eucaristia do seu
corpo e sangue, da doação completa, a fim de que o mundo tenha vida em
abundância e qualidade, do envolvimento de Deus Pai na realização plena desta
entrega definitiva por amor. Jesus cala os seus sentimentos para nos deixar a
possibilidade de os pressentir e auscultar, de os saborear em doce intimidade e
proclamar em ousadia profética. E aí está o registo da história e o testemunho
vital dado por tantos cristãos, a confirmarem a riqueza daqueles sentimentos e
a dar-lhe rosto em situações tão diversas. Sirva de referência, como “vozes”
falantes desta diversidade, São Tarciso, o menino-mártir da eucaristia que o
papa Sixto enviava às prisões de Roma a levar a comunhão, e Óscar Romero,
arcebispo de São Salvador, assassinado por um “pistoleiro” a mando do poder
opressor do povo, na ocasião da celebração da missa.
“Não murmurei entre vós” – exorta Jesus,
aludindo à sua origem humilde, semelhante à de tantos outros que vivem com
dignidade e são defensores da verdade, que ganham o pão com o suor do seu
trabalho e se esforçam por construir uma família honrada e solidária, que estão
disponíveis para o serviço do bem público que é de todos, mas só alguns se
prontificam a fazer.
Que oportunidade ainda hoje tem esta
exortação. Está em curso a Semana Nacional do Migrante e Refugiado. Chegam e
partem pelos mais diversos motivos. Apresentam-se com o seu “berço” étnico e
cultural. Fazem a diferença. Necessitam de apoio, de trabalho, de segurança.
Oferecem a sua riqueza de valores que muito ajudarão a humanizar a nossa
sociedade e, talvez, a revitalizar a fé cristã. Não murmureis, mas procurai
acolher, compreender, facilitar a participação, apreciar a comunhão das
diferenças.
“Queridos migrantes e refugiados! Não
percais a esperança de que também a vós está reservado um futuro mais seguro;
Que possais encontrar em vossos caminhos uma mão estendida; que vos seja
permitido experimentar a solidariedade fraterna e o calor da amizade!” exorta o
Papa Francisco.
Não murmureis mais. Deixai Deus ser Deus
e vede como se manifesta em Mim. Deixai-vos atrair por nós e vereis estas
“coisas” com um novo olhar – o da fé confiante; compreendereis a relação que
entre nós existe e apreciareis o pão que vos ofereço – o meu corpo na eucaristia
– para ser o alimento que vos acompanha na vida e revigora as vossas forças
debilitadas – continua Jesus a dizer-nos em surdina, para não provocar incómodo
desnecessário a ninguém e para despertar os “ouvidos” do coração humano. Os
nossos!
Muito estimulativo. Gosto imenso obrigado.
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