A formação dos discípulos é, nesta fase
da missão de Jesus, a sua grande preocupação. Acompanha sempre o ensinamento
que lhes faz com as acções que pratica: assumir a cruz da vida e segui-lo sem
condições – diz a Pedro, acolher a sua proposta de serviço humilde e confiante
– responde aos aspirantes ao primeiro lugar, destacando a criança como figura
exemplar, adoptar atitudes de compreensão e grandeza de ânimo face ao
inesperado e diferente – declara a João ciumento e indignado com o que estava a
observar. Pois, conclui, “quem não é contra nós é a nosso favor”. Mc 9, 38-43.
Esta afirmação de Jesus faz parte da
resposta dada àquele discípulo, porta-voz do grupo apostólico – que se havia
queixado de alguém andar a expulsar os demónios sem licença nem qualquer
vínculo de pertença; queixa amargada pelo falhanço de uma tentativa levada a
efeito por eles. O Mestre, bom pedagogo e profundo conhecedor do coração humano
aproveita a oportunidade e pronúncia uma série de sentenças que Marcos – o
autor do relato – compendia e a Igreja nos apresenta.
De facto, há quem faça o bem e não
pertença à comunidade eclesial. Os demónios, hoje, terão outros nomes, mas
grassam por aí mais do que parece: poluidores do ambiente, semeadores da
corrupção, manipuladores dos factos e informação enviesada, provocadores do
êxodo de refugiados e da falência de empresas, comerciantes de crianças e
mulheres e de órgãos humanos. Contra estas forças do mal, lutam com valentia
heroica milhares e milhares de pessoas de boa vontade, educadores sociais,
cuidadosos pais e mães de família, voluntários sem número, bombeiros e tantos
outros soldados da dignidade humana e da solidariedade intergeracional.
A consciência humana desperta
progressivamente para a urgência destas lutas, faz erguer a sua voz nas
instâncias mais influentes – escrevo no dia em que o Papa Francisco fala ao
Congresso Norte-americano - e dá origem a prestigiadas associações humanitárias.
Como pode a comunidade dos discípulos de Jesus deixar de reconhecer este bem
imenso, sinal da humanidade que em todos habita e quer desabrochar. Ó Vaticano
II, dando voz ao Evangelho para os nossos dias, destaca esta atitude do mundo
de hoje e propõe um caminho de diálogo franco e de mútuo enriquecimento.
O bem realizado está profundamente
relacionado com Jesus e o seu projecto de humanização cristã. “Quem não é
contra nós é a nosso favor”. Esta sentença não é apenas reconhecimento do que
se faz, mas guia de orientação para a cooperação sem preconceitos. Diferentes
agentes estão a actuar, mas todos a servir a pessoa humana e não a serem
“correias de transmissão” de ideologias estranhas que sacrificam ao presente o
futuro que é de todos ou rebaixam e reduzem as aspirações de infinito do
coração ao momento fugidio e à intensidade do prazer consumista. A pessoa
humana centrada na biodiversidade e relacionada com toda a criação. Como deixar
de vibrar com este sonho de Jesus transformado em projecto histórico em
realização! Vibrar e envolver-se corajosamente.
A narração de Marcos destaca outras
características da comunidade cristã: além da tolerância e do respeito pelo que
é diferente, do relacionamento solidário com a sociedade de que faz parte, do
diálogo que humaniza e procura caminhos de resolução para as tensões e os
problemas, vem a coerência de vida, o cuidado dos pequeninos sobretudo na fé, a
confiança no futuro carregado de novidade, a certeza da presença actuante de
Jesus que assume como feito a si o que for feito aos outros, especialmente aos
insignificantes sem cotação social ou religiosa. De facto, a comunidade é um
grande sinal do que Deus quer fazer com todas as pessoas – uma família feliz
que tem por missão irradiar o amor.
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