Liberta das garras coloniais há mais de
quatro décadas, a nossa Guiné-Bissau continua vítima de um partido forçado à
utilização da guerrilha para a sua libertação que, no entanto, não conseguiu
evitar o prolongamento da guerrilha interna para o período pós-independência,
inquinando dessa forma a concretização do “programa maior de Amílcar Cabral”. A
guerrilha entre militantes desse partido prolongou-se apenas com o objetivo da
libertação individual de cada um desses militantes, enquanto a pobreza continua
a castigar todo o país.
Militar-se no PAIGC tornou-se, há muitos
anos, na “Via Verde” para a salvação de muitos políticos da nossa praça, que
nunca deram qualquer prova da sua capacidade profissional no mercado de
trabalho.
A rápida aquisição de veículos de alta
gama, que proporcionem passeios com admirável conforto às jovens das nossas
praças, que vão sendo “acumuladas” como se de troféu tratassem, o início de
construções megalómanas, autênticas aberrações arquitectónicas e urbanísticas
em qualquer canto da periferia de Bissau e, ainda, passeios regulares para o
estrangeiro, tornou-se no objetivo da maioria dos militantes do PAIGC e da
maioria dos políticos da nossa praça.
Consequência da sua desorganização
interna e de ser a porta de acesso fácil ao bem-estar pessoal e familiar dos
seus militantes, o PAIGC foi acumulando “abutres” nas suas fileiras, ao ponto
de se sobreporem numericamente às “mamas” disponíveis no estado.
Consequentemente, o partido foi incrementando a guerrilha no seu seio, ao ponto
de estar em risco do início de um processo de autofagia.
O líder do partido libertador, em vez de
arrumar a casa, reforçar a sua liderança através da procura de consensos
internos e até passar depois para um processo de redimensionamento do partido,
prefere refugiar-se num grupo de poder que tenta aniquilar outro grupo que lhes
impede de prosseguirem o cumprimento dos seus objetivos e compromissos
governativos!
O PAIGC, enquanto governo, assentou a
governação num populismo desenfreado, fruto da saga de investimentos de
empresários estrangeiros, alguns de credibilidade duvidosa, e, rapidamente
caíram na malha da corrupção que serviu de mote para o Presidente da República
provocar a queda desse governo.
O programa desse e, por conseguinte, do
atual governo, assenta os seus alicerces numa arriscada utopia, que pode
hipotecar grande parte dos interesses nacionais em mãos estrangeiras duvidosas.
Como se pode querer explorar a
biodiversidade e o turismo, hipotecando, sem concurso público, a exploração
dessa área a um único empresário, por um período de vinte anos?!
Como se pode desenvolver o turismo sem
acautelar as infra-estruturas básicas como a devida reestruturação da rede
viária nacional, a garantia do saneamento básico e redes de suporte sanitário e
a adequada formação dos atores nacionais que participariam nesse suposto
programa de desenvolvimento?
Como se pode pensar em ter uma Companhia
Nacional de Aviação Civil, quando ainda não temos sequer uma rede de transporte
terrestre e marítima nacional organizada de forma sustentável, não só para
transporte de passageiros, como para a evacuação dos nossos produtos
exportáveis?
Como se quer criar ou contratar a
criação dessa Companhia Aérea, quando assistimos Portugal a querer vender a TAP
por aquilo que pesa no bolso dos contribuintes e os nossos irmãos caboverdianos
a queixarem-se da inviabilidade económica da TACV?! Só há três hipóteses para a
persistência nesse processo da criação de uma Companhia de Aviação Civil
Guineense: 1. Ou somos loucos megalómanos, 2. Ou interesses económicos
superiores aos interesses nacionais estão por trás desse negócio, 3. Ou
simplesmente temos governantes impreparados que não acautelam verdadeiramente
os interesses nacionais!
Como podemos querer desenvolver uma
companhia aérea nacional, para facilitar a vida dos nossos imigrantes, sem
antes criar condições básicas que facilitam o investimento migrante no país,
como a facilitação da desalfandegação dos bens enviados pelos migrantes, a
redução do preço das taxas de desalfandegação e dos impostos sobre os bens
monetários e materiais enviados, a criação de créditos bancários nacionais para
guineenses residentes no estrangeiro que queiram investir no país, a
facilitação burocrática para os migrantes que queiram concorrer para um lugar
na administração pública nacional, construir casas, clínicas, escolas
particulares, etc, no território nacional?!
A casa começa a construir-se pelos
alicerces e não pelo telhado. Tentar construir a casa pelo telhado colorido e
brilhante, é enganar um povo mantido na ignorância e na miséria essas quatro
décadas e que está sedento de desenvolvimento e bem-estar, a qualquer preço,
mesmo que isso signifique hipotecar os interesses nacionais e das futuras
gerações.
Com a queda do governo, o país entrou em
quase estagnação, pela resistência do PAIGC, em tentar a todo o custo
sobreviver no poder! Usou e usa todas as armas possíveis, principalmente a arma
da comunicação e marketing, área onde tem uma enorme ascendência sobre os seus
opositores! Apelou à mobilização da população através de manifestações de rua,
à desobediência civil, à manifestação e comunicação de géneros femininos, etc.
Publicou números avulsos e descontextualizados, para demonstrar o crescimento
económico do país, como forma de sensibilizar a população para a sua estratégia…
A meu ver, não é preciso ser-se
economista para não se deixar iludir com números e gráficos avulsos, retirados
do contexto sociopolítico e macroeconómico.
Exibir dados de crescimento económico,
comparados de forma isolada com o período em que o país esteve sob a alçada de
um governo de transição, submetido ao máximo à uma asfixia económica pela
comunidade internacional, é pura demagogia e das mais baratas que um economista
pode usar.
A leitura dos índices de crescimento
económico faz-se através da sua contextualização com os dados mundiais,
regionais e a realidade sociopolítica do país no período de tempo analisado.
Nesse período de tempo, é preciso também conhecer a evolução da taxa de pobreza
e da pobreza extrema do país, a evolução do PIB, evolução comparada do PIB com
o crescimento populacional, a evolução do fluxo de financiamento internacional
e da remessa dos emigrantes, etc, etc, etc.
Abusar da demagogia e do populismo, pode
também ser considerado um abuso à ignorância do povo guineense.
Em todo o caso, congratulo-me com todo o
processo de disputa democrática que se tem desenrolado no país. A democracia
não se suspende após as eleições, para que se consiga governar ou presidir um
país em paz e sossego!
A democracia tem os seus instrumentos ao
dispor dos atores políticos, que devem ser usados para a própria maturação e
edificação da própria democracia. Todo o processo de disputa do poder a que
temos assistido na Guiné-Bissau, nada mais é que a maturação da nossa
democracia, que deve ser respeitado pelo povo e pela comunidade internacional.
Com a exceção da precipitada nomeação de Baciro Dja para Primeiro-Ministro,
julgo que tem-se cumprido o pressuposto Constitucional em todo esse processo de
disputa do poder na Guiné-Bissau. Até esse processo de nomeação de Baciro Dja
teve a sua face positiva, já que tornou-se na primeira vez na nossa história
que um Presidente da República acata pacificamente as decisões de um órgão
judicial.
Também é de realçar que é a primeira vez
na nossa história democrática que um Presidente da República é insultado e
vilipendiado publicamente, sem consequências maiores! Apesar de algumas
excedências no que concerne ao respeito institucional e pessoal à pessoa do
Presidente da República, julgo que deve-se sublinhar essa liberdade de
expressão que, apesar de roçar à libertinagem, ninguém ainda foi pessoalmente
perseguido, intimidado, espancado ou inibido dos seus direitos, por utilizar
essa forma de crítica.
Para aqueles que engradecem o líder do
PAIGC, como sendo o único líder de um partido vencedor das eleições que não é
Primeiro-Ministro do seu país, quero lembrar-lhes o caso do ex-
Primeiro-Ministro Australiano Tony Abott que, apesar de ter ganho as eleições
legislativas como líder do seu partido, acabou por perder a confiança do seu
próprio partido, que lhe lançou uma moção de censura em Setembro de 2014 e
derrubaram o governo do próprio partido, nomeando outro líder. É preciso
conhecer outras realidades no nosso processo de aprendizagem da democracia.
A questão a discutir neste momento,
dentro do PAIGC, devia ser a qualidade da liderança do próprio partido e a sua
possível renovação, já que, apesar de ter conseguido unir o partido para ganhar
a liderança do partido e as eleições legislativas com maioria absoluta, o atual
líder não foi capaz de unir o partido para cumprir o programa do governo até o
fim da legislatura.
A solução não passa por tecer alianças
com o Presidente da ANP, tentar confundir os deputados com votações de moção de
confiança versus programa do governo, ou provocar uma purga dentro do próprio
partido!
A conclusão que o líder do PAIGC e
consequentemente o atual líder do governo devem retirar dessa votação na ANP, é
que não reúnem o apoio de mais de 50% dos deputados eleitos para a ANP, o que
coloca em risco qualquer programa ou projeto-lei que o governo de PAIGC queira
apresentar no futuro. Portanto, o próprio PAIGC tem de rever a sua continuidade
no governo, porque em nenhuma democracia parlamentar, um governo é viável sem o
apoio da maioria parlamentar. Insistir nesse propósito é investir na estagnação
e instabilidade do país.
É preciso saber sair de cena para poder
tentar entrar outra vez de forma credível. Que sirva a lição de democracia que
o PSD e Passos Coelho deram, cedendo o governo à uma maioria parlamentar e
depois até viabilizar o Orçamento rectificativo, sem mágoas nem rancores.
Chegou a hora do PAIGC entregar o poder,
passar para a oposição e tentar fazer primeiro o trabalho de casa, que terá de
passar pela reorganização, redimensionamento do partido, para conseguir fazer
uma oposição responsável e quiçá regressar ao poder de forma mais capaz e
consistente.
Não sei se os que virão governar depois
do PAIGC serão melhores, mas de uma coisa tenho certeza, enquanto o PAIGC
insistir em ser poder na Guiné-Bissau, sem resolver os seus problemas internos,
continuará a ser um problema e não uma solução para o país. E, um líder que
insiste nessa tónica, é um mau líder, que coloca os seus interesses e projetos
pessoais e corporativos acima dos interesses nacionais.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
Gostei muito desse artigo de opinião do Jorge Herbert, é dessas opiniões sem tomar partido que precisamos neste momento na guiné. Uma opinião esclarecidora do atual momento politico. Parabéns Jorge Harbert
ResponderEliminarCancro terminal
ResponderEliminarApesar de certas divergências históricas (e algumas reticências) que alimento em relação ao autor, não resisto a partilhar o artigo de Jorge Herbert publicado pelos Intelectuais Balantas.
«A solução não passa por tecer alianças com o Presidente da ANP, tentar confundir os deputados com votações de moção de confiança versus programa do governo, ou provocar uma purga dentro do próprio partido! Chegou a hora do PAIGC entregar o poder, passar para a oposição e tentar fazer primeiro o trabalho de casa.»
É necessário um pacto de regime de boa fé, um projecto e uma liderança, para uma verdadeira revolução de mentalidades. Com tanto matchu do PAIGC e do PRS, talvez fosse inteligente bater a outra porta...
A sociedade é um organismo, e todos os órgãos são mutuamente dependentes: se o coração está mal, todo o corpo sofre... imagine-se que os pulmões decidiam que não queriam trabalhar com o estômago e faziam greve?! A «política» guineense resume-se à luta por um lugar parasitário no pseudo-Estado. Em biologia, tal como em política, há três grandes categorias: os actores independentes, que tratam consistentemente da sua vidinha, os comensais, que comem à mesa, mas não prejudicam a situação, e a pior espécie, que é essa, o verdadeiro parasita, que não só se banqueteia com a vianda, como destrói o maná que o alimenta, como na analogia do ganancioso que mata a galinha dos ovos de ouro. A política foi inteiramente desvirtuada, e o conceito do bem comum (e, claro, do simples bom senso) completamente corrompido.
Inundados pela sua própria mediocridade, o PAIGC continua o mesmo bando de complexados e assassinos de Cabral, disposto a canibalizar a sua grandiosa herança, dedicando-se a desaproveitar conscientemente em proveito próprio recursos e força anímica da nação. É um pouco como acrescentar ao ditado: «em terra de cegos, quem tem um olho é rei» o corolário de «e quem tem dois, o melhor é furar um». Um verdadeiro desperdício. Até quando?