Reflexão de Georgino Rocha
Jesus surpreende os discípulos trancados
em casa por medo dos judeus. Encontra-os seguros, mas sem iniciativa nem
esperança, paralisados. Alenta-os possivelmente a vaga recordação da promessa
de regresso feita pelo Mestre, mas o drama da morte deitou tudo a perder.
Serve-lhes de conforto a presença de Maria que permanece em oração confiante.
O apóstolo João começa a narrativa de
hoje (Jo 20, 19-23) de forma auspiciosa: “Era a tarde do primeiro dia da
semana”. Um novo presente está a germinar. O medo cede lugar à confiança. A
casa à praça pública. O vazio à plenitude. A segurança à liberdade. O local ao
universal. A culpa ao perdão. A retenção à missão. A transformação vai ser
radical. Tudo isto e muito mais porque Jesus ressuscitado se apresenta no meio
deles e os saúda de forma emblemática: “A paz esteja convosco”.
Que momento solene vivem os discípulos!
A alegria inunda-lhes o coração. Os olhos contemplam o crucificado que
ressuscitou e está ali presente. É Ele que lhes mostra as cicatrizes das mãos e
do lado. É Ele que não os recrimina de nada, mas confia em cada um com renovada
convicção. É Ele que lhes entrega o Espírito Santo como dom do Pai. É Ele que
os envia em missão de paz e perdão até aos confins do mundo. Noutros encontros,
Jesus indica mais facetas desta missão universal e garante que vai com eles
percorrer os caminhos da vida.
O Papa Francisco convidou-nos, na
segunda-feira passada, a dar resposta à pergunta: “Qual o lugar que o Espírito
Santo tem em nossa vida: «Eu sou capaz de ouvi-lo? Eu sou capaz de pedir
inspiração antes de tomar uma decisão ou dizer uma palavra ou fazer algo? Ou o
meu coração está tranquilo, sem emoções, um coração fixo?». E prosseguiu: Se
nós fizéssemos um eletrocardiograma espiritual, o resultado em muitos corações,
seria linear, sem emoções. Também nos Evangelhos há essas pessoas, pensemos nos
doutores da lei: acreditavam em Deus, todos sabiam os mandamentos, mas o
coração estava fechado, parado, não se deixavam inquietar”. E nós?
A narração, além do realismo histórico
possível, contém um símbolo de alcance permanente. Especialmente visível, no
nosso tempo. Deparam-se, em contraste de provocação, o medo e a confiança, a
segurança e a liberdade, a estagnação e a ousadia, o isolamento e a abertura, a
exclusão dos sonhos e a inclusão de novas realidades. “O mundo chamado a
pensar-se e a fazer-se de um modo novo, afirma José Losada em Homilética
2017/3, sente temor, pânico e insegurança pela complexidade do processo… Um
olhar sereno ao nosso próprio interior, aos nossos espaços familiares,
laborais, sociais, políticos, económicos, eclesiais, bastará para dar nome a
centenas de temores… Um olhar compassivo descobrirá, imediatamente, os que
estão fora, os que querem entrar e batem às portas fechadas, os que estariam
dispostos a morrer para chegar até nós, mas a nossa segurança cruel não lhes
permite e afoga-os no mar”.
Jesus, em consonância com o coração
humano, quer outro mundo. Por isso, envia o seu Espírito aos discípulos, aos
cristãos missionários. Juntos são arautos da verdade e do amor, da fortaleza e
da liberdade, da igualdade e da fraternidade, da dignidade comum, do cuidado da
criação e das criaturas, do desenvolvimento das capacidades humanas e das
energias cósmicas. Juntos protagonizam a realização do projecto de Deus que
persiste em construir a sua família integrando como filhos todos os seres
humanos.
A festa do Pentecostes celebra esta
maravilha inaudita. Com profunda tradição bíblica, reveste hoje o dinamismo da
nova era messiânica que perdurará até ao fim dos tempos. Com particular
incidência no presente, lança grandes desafios à Igreja actual e à consciência
de quem deseja o bem integral da humanidade. Enunciam-se apenas alguns: falar
as línguas do amor e da justiça; escutar cada ser humano no seu idioma
peculiar: a sua dor e angústia, o seu desnorte e resignação; acolher a verdade,
provenha de quem provier, e construir “pontes de união”; viver a comunhão no
interior das suas comunidades a partir da diversidade de dons, funções e
ministérios; estar atenta às fomes e sedes do mundo e contribuir,
positivamente, para serem superadas; acompanhar com solicitude de mãe todos os
que pretendem crescer na fé e, como discípulos fiéis, participar na assembleia
dominical e na celebração da eucaristia.
Santa Teresa de Calcutá expressa, em
oração singular, o sentido desta missão que a todos diz respeito. “As obras do
amor são sempre obras de paz. Cada vez que partilhais o amor com outros,
sentireis que a paz vos envolve a vós e a eles. E onde há paz, aí está Deus. É
derramando a paz e a alegria nos corações que Deus toca a nossa vida e nos
mostra o seu amor. Conduzi-me, Senhor, da morte à vida, do erro à verdade.
Levai-me do desespero à esperança, do temor à confiança. Fazei-me passar do
ódio ao amor, da guerra à paz. Fazei que a paz encha os corações, o nosso
mundo, o nosso universo: Paz, paz, paz”. Festa de Pentecostes: Abre-te ao
Espírito Santo que Jesus nos envia.
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