Jesus quer mostrar à multidão os
segredos do Reino que anda a anunciar. E aproveita para dar aos discípulos
explicações complementares em ordem a consolidar a sua formação. As parábolas
são um recurso pedagógico frequente entre os mestres dos judeus. Oferecem
oportunidades únicas que Jesus sabiamente aproveita. O campo onde, juntos,
crescem até à ceifa o trigo e o joio, a sementeira de um e de outro, a relação
que se estabelece entre ambos, a reacção sensata e oportuna dos servos
contrariada pela atitude paciente do dono constituem elementos preciosos que
dão rosto à mensagem a transmitir. E pelo rosto se vai ao coração dos segredos
de Deus.
O final das parábolas é, normalmente,
surpreendente. O desfecho é provocante. A novidade aparece interpelante. A
narração vai deixando elementos que despertam os ouvintes para o inesperado e
provocador. E surge a pergunta desestabilizadora: O Deus em quem acreditamos é
realmente o Deus de Jesus, o verdadeiro “Abbá”, como Lhe chamava? Aquele que
manifesta traços de pai ingénuo como no caso do filho pródigo, de proprietário
injusto que paga por igual a trabalhadores com horários diferenciados, de
pastor com critérios tão estranhos que abandona noventa e nove ovelhas para ir
em busca da que se perdeu?
A compreensão das parábolas exige a
conversão do coração, sede da sabedoria que vem do Espírito e se manifesta na
sintonia de atitudes com as de Jesus de Nazaré. Talvez, por isso, haja muita
gente que ouve e não entende ou procura “dar-lhe a volta” para não alterar nada
na sua vida e ficar de consciência tranquila. Não estaremos nós também nesta
hipótese?
O trigo bom surge na parábola para
realçar o papel do joio que simboliza o mal no mundo e as perturbações que
desencadeia com o seu cortejo daninho e destruidor. O mal é uma realidade
tremenda que perpassa em toda a humanidade. Constitui o maior acicate para a
reflexão inquieta do espírito humano. Reveste muitas formas, algumas muito
refinadas, e belisca a liberdade de quem busca sinceramente a verdade.
Jesus constata o facto e na parábola
introduz o tema dizendo apenas: Um inimigo, enquanto todos dormiam, veio de
noite, semeou o joio no campo e foi-se embora. Resumo feliz com os ingredientes
principais que nos ajudam a ter uma primeira resposta: O joio/mal é inimigo do
homem; a sementeira faz-se de noite enquanto a sonolência adormece os sentidos
e sobretudo a lucidez responsável; o campo proporciona-lhe o húmus
indispensável ao crescimento, tal como ao trigo; o ir-se embora não significa
ausência, mas ocultamento, pois continua muito activo no joio daninho que
pretende asfixiar o bom trigo, a seara farta que se deseja para bem de todos e de
cada um, que se pressente no pão da família, no dom levado ao altar para ser
eucaristia do Senhor.
O joio anda por todo o lado; também no
teu coração. E Deus não te arranca o coração, mas perdoa sempre para que possas
arrepender-te e tentar reorientar a tua vida. Confia em ti e espera que cresças
e amadureças, que abras os olhos e descubras o que não queres ver: a trave que
te cega, enquanto vês bem o cisco que limita o olhar do teu vizinho.
O joio anda por todo o lado; também na
família e na Igreja, no mundo e na
sociedade, na política e na cultura. Deus não intervém directamente, não
inutiliza a liberdade humana, nem a responsabilidade de quem tem funções
especiais, seja na área da educação ou da comunicação social, seja na rede
virtual ou nos cartazes publicitários.
Crescem juntos até à ceifa. O mal não
tem a última palavra. Esta será dada na avaliação final, com a sentença de
eliminação radical. “Apanhai primeiro o joio e atai-o em molhos para queimar”,
diz o dono do campo, o Senhor da seara. Só ele faz o julgamento definitivo. O
trigo bom será recolhido no celeiro de Deus, onde são guardadas as provisões
para a sua família. Então ecoará por toda a parte a alegre notícia: “Felizes os
que morrem no Senhor, pois as suas obras os acompanham”.
Entretanto, há que combater o mal com o
bem e anunciar o valor dos pequenos passos. A agressividade multiplica a
violência. E os novos ditadores espreitam constantemente. Os discípulos
missionários têm de aprender a arte divina da não-violência activa, o domínio
de si e não a cobardia, o diálogo e não a confrontação, a objecção de
consciência, a resistência civil, a tolerância ética. Não te deixes vencer pelo
mal, vence o mal com o bem porque Deus é assim. Diz o livro da Sabedoria na
primeira leitura de hoje: “Agindo deste modo ensinastes ao vosso povo que o
justo deve ser humano e aos vossos filhos destes a esperança feliz de que, após
o pecado, dais lugar ao arrependimento.”
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