O texto de Mateus, hoje proclamado na
liturgia, constitui um bom reflexo da sensibilidade de Jesus e dos horizontes
em que se move; da sua vontade de instaurar os valores do Reino e da
preferência por quem está aberto à boa nova que anuncia; da sintonia com o
ritmo do coração humano nas suas aspirações mais genuínas e nos pequenos passos
que vai dando. A felicidade surge como a atenção ao ser, relativizando o ter,
tantas vezes expresso na saúde, dinheiro e amor. Sendo bens importantes, estes
não são os primordiais. A felicidade está nos nossos genes. O Evangelho é o que
melhor” encaixa” na nossa condição humana.
A reacção inicial à mensagem de Jesus
manifesta várias atitudes: um povo infantil – como as crianças que se divertem
na praça pública –, uns fariseus rígidos nas suas convicções e um “resto” fiel
aberto à novidade de Deus e confiante na realização das promessas feitas.
Perante esta diversidade, Jesus faz uma oração de bênção a Deus Pai,
exclamando: “Eu Te bendigo, ó Pai…”, oração que apresenta uma leitura da
situação e abre horizontes de esperança para o futuro enraizado no presente. Mt
11, 25-30.
“Eu Te bendigo, ó Pai” porque deste a
conhecer o teu projecto de amor a todos e queres realizá-lo com a cooperação de
cada um; confirmaste esta decisão de muitos modos ao longo da história, mas
agora por meio da missão que me confiaste e, a partir de mim, por aqueles que
escolhi – os meus discípulos e seus sucessores; abençoaste a minha preferência
pelos pequeninos do reino, pelos mansos e humildes de coração.
“Eu Te bendigo, ó Pai” porque estás
sempre comigo e por meio de mim desvendas o teu rosto bondoso e amigo,
sorridente perante o agir dos seres humanos – homem e mulher - que acompanhas
com solicitude confiante, pronto para o perdão das suas negligências e recusas,
compassivo e misericordioso; por mim, queres realizar a maior prova de
humanidade, mediante a minha entrega incondicional à defesa da dignidade humana
e da verdade que liberta por amor. E fomos até à cruz do Calvário!
“Eu Te bendigo, ó Pai” porque compensas
e alivias os cansados da vida – física, afectiva, intelectual, espiritual,
moral, relacional – e os oprimidos pelo sem sentido do ram-ram da rotina, pelo
peso das normas e leis desumanizantes, pelas burocracias administrativas, pelas
tensões e conflitos desgastantes; ofereces-lhes um “espaço” novo – o meu
coração – aberto a todos para que possam respirar o alívio suave da humildade e
da mansidão e sintonizar com o seu ritmo de amor que se faz serviço ousado
constante.
“Eu Te bendigo, ó Pai” porque queres
dar-me a conhecer como sendo igual a Ti e mestre da humanidade, Teu Filho e tua
palavra que é necessário escutar. Bendigo-te pelo esforço de tantos que estudam
a nossa presença nos segredos da natureza para que sirvam melhor a humanidade; por
tantos que nos descobrem e apreciam no santuário da consciência humana para que
possam agir rectamente, recebendo o apoio da nossa luz e verdade; por tantos
que nos encontram nas situações sofridas e injustamente impostas – os meios de
comunicação trazem ao olhar, nem sempre ao coração, a “ponta” aterradora deste
mundo infame – e conscientemente se dispõem a socorrer-nos, aliviando a miséria
consentida; por tantos que saboreiam a suavidade da nossa companhia e a leveza
do nosso amor, vivendo o seu dia-a-dia com o espírito que de nós procede e nos
relaciona, reservando tempos de encontro na oração meditada, realinhando algum
desvio moral na purificação da consciência, sendo membros responsáveis da
sociedade e da comunidade cristã, dando testemunho de nós, “rumando” ao futuro
definitivo onde todos conviveremos em família.
Escutemos o Papa Francisco no seu apelo
à alegria e à paz, apelo que realça a simplicidade da vida que permite um novo
sabor das pequenas coisas.
“A espiritualidade cristã propõe uma
forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de
vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria sem estar
obcecado pelo consumo. É importante adoptar um antigo ensinamento, presente em
distintas tradições religiosas e também na Bíblia. Trata-se da convicção de que
«quanto menos, tanto mais». Com efeito, a acumulação constante de
possibilidades para consumir distrai o coração e impede de dar o devido apreço
a cada coisa e a cada momento. Pelo contrário, tornar-se serenamente presente
diante de cada realidade, por mais pequena que seja, abre-nos muitas mais
possibilidades de compreensão e realização pessoal. A espiritualidade cristã
propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco. É
um regresso à simplicidade que nos permite parar a saborear as pequenas coisas,
agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos
nem entristecermos por aquilo que não possuímos. Isto exige evitar a dinâmica
do domínio e da mera acumulação de prazeres”. Louvado Sejas, 222.
“Eu Te bendigo, ó Pai, porque assim foi
do Teu agrado”. Não nos privemos da maravilha da oração de Jesus, saboreemos a
sua mensagem e, confiadamente, deixemo-nos interpelar.
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