Como vais reparar, evito deliberadamente
expressões do tipo “refundação do Estado” e outras que costumamos ouvir,
sonantes, geralmente de conteúdo muito impreciso.
O que defendo é muito simples. É um
“programa mínimo” que contém o que designei de “quatro passos”. Que é chamado
de “mínimo” precisamente para ser tomado como desafio que “não permite”
diferimentos.
Claro que é sempre possível tentar fazer
muito mais coisas, sendo certo que uma imaginação fértil não conhece limites.
Mas quem quiser fazer “tudo” de uma só vez, o mais provável é acabar por não
fazer nada, o que, aliás, frequentemente acontece.
Daí a importância de escolher, entre
tantas questões provavelmente “muito importantes”, apenas aquelas para as quais
a sociedade parece estar mais amadurecida para enfrentar e resolver, e, por
conseguinte, sobre as quais vale a pena concentrar esforços na expetativa de
obter resultados políticos gratificantes. E isso implica conter metodicamente a
tentação de se dispersar por vários temas, sem prioridades. Numa frase: é
preciso fazer tudo para não perder nem rumo, nem tempo. A isto costuma
chamar-se realismo.
É por tentar ser realista que me limitei
apenas a uma agenda mínima, como disse, de “quatro passos”. São poucos
“passos”, é certo. Mas são passos críticos que, se forem concretizados,
traduzirão um avanço significativo na reforma política do Estado.
Espero bem que os protagonistas políticos,
principalmente, os dois grandes partidos parlamentares que, juntos, detêm o
poder legislativo (isto é, a capacidade de reformar o sistema político),
aceitem este “programa mínimo” inteiro, sem deixar para trás - passe a
redundância - nenhum dos seus “quatro passos”. Que o aceitem por uma questão de
princípio, não de estratégia. Por um princípio de construção de uma ordem estatal
e democrática melhor; não por estratégia, por conseguinte, livre de calculismos
políticos próprios das lutas de poder.
Dito isto, passo já a expor os conteúdos,
tarefa que, seguramente, mais nos interessa. Mas, primeiro, vou abrir um
parêntese para inserir um comentário breve, preliminar, sobre o papel
edificante que a Assembleia Nacional Popular (ANP) pôde, talvez
inesperadamente, vir a assumir neste momento crucial da nossa vida política
nacional.
Como se percebe, estou a fazer, neste
ponto, um exercício de prospetiva. Que também se guia - não o escondo - por uma
lógica incitativa. O ponto é este: considero não ser improvável que esta IX
Legislatura (2014-2018), que se revelou algo turbulenta e aquém da
produtividade desejada, possa ainda vir a ter o mérito de assegurar um bom
final de mandato e, por consequência, inscrever um ponto de honra na nossa
história parlamentar. Se, por um sobressalto reformador, os Deputados
conseguirem “terminar de pé” este seu mandato, então, todos ganharíamos muito
com isso.
Já sei que me vais perguntar: mas como?
Passando logo aos conteúdos que prometi expor - respondo-te assim: a Nona
Legislatura vai poder terminar bem se os Deputados forem capazes de impulsionar
uma transformação positiva na organização política do do Estado. Para ser mais
preciso:
(i) se, por via da revisão constitucional
- ao abrigo do ponto 6.b do Acordo de Conacri -, a ANP conseguir criar um novo
regime de governo, muito mais resiliente aos riscos e as ameaças de uma crise
institucional disruptiva. Um novo regime de governo consistente com o princípio
da separação dos poderes bem entendido.
Se um tal êxito político se consumar,
então, ter-se-á configurado, sem dúvida, um importante progresso na organização
política do Estado guineense. E eu nem ficaria surpreendido se, diante de uma
reforma política tão auspiciosa, viesse alguém proclamar - e bem - que os
Deputados da Nona Legislatura conseguiram fazer nascer em 2018 a “terceira
república”!
Recordemos. Encerrada a “primeira
república” (1973-1993), período qualificado de democracia nacional
revolucionária (vulgo, regime de partido único); e depois da “segunda
república” (1994-2018), batizada como uma democracia liberal, multipartidária,
mas que - como tudo parece indicar -, não nos vai deixar muitas saudades -, eis
que entraríamos agora num período novo, que se quer diferente para melhor - a
“terceira república”. Que seria, aliás, a melhor prova de que soubemos retirar
lições pertinentes e úteis da nossa experiência política das últimas décadas,
cheia de vicissitudes.
Ter conseguido fazer isso - criar um novo
regime constitucional de governo - constitui realmente o ponto crítico do
“programa mínimo”. Mas faltaria ainda dar mais três “passos” para completar a
agenda política reformista de 2018.
O passo seguinte é fazer a revisão da lei
eleitoral - ao abrigo do ponto 6c do Acordo de Conacri -, no sentido de
aprofundar duplamente a democraticidade do nosso sistema político. É nisso que
consiste o “Passo 2” e o “Passo 3”.
Para já, o “Passo 2”:
(ii) PROMOVER a igualdade de género. Mas
como? Respondo assim: instituindo uma paridade mínima de 30% para cada género
(homens e mulheres) entre os deputados que vão ser eleitos à Décima
Legislatura. Em síntese, isto significaria o seguinte: nem menos de 30 % de
deputadas (mulheres) e nem menos de 30 % de deputados (homens).
Traduzido para a linguagem do género
feminino, tal passo significaria que os Grupos Parlamentares da X Legislatura
passariam a contar com, pelo menos, trinta e uma mulheres-deputadas “contra”
apenas quinze mulheres eleitas à IX Legislatura (2014-2018). Ora, multiplicar
por dois a atual “bancada” feminina representaria um avanço considerável na
democracia guineense, na verdade, seria um marco importante de progresso
político, digno deste século XXI que não parece querer ser mais um século
patriarcal.
Trata-se aqui de restaurar o princípio de
igualdade, da igualdade de género como valor político - um dos Direitos Humanos
fundamentais -, e que já é uma importante “bandeira” da comunidade
internacional de que a Guiné-Bissau é parte.
Aliás, é uma bandeira emancipadora que
Amílcar Cabral soube erguer alto, desde muito cedo. Quando ainda muito pouco se
falava da “política de género”, já o nosso Amílcar denunciava a dupla dominação
da mulher guineense nos seguintes termos: a mulher guineense sofre com a
dominação colonialista (que é geral) e sofre também com a dominação patriarcal
(que é de género). Daí, o líder não tardou a decretar - em plena luta armada de
libertação nacional - que, em cada Comité do Partido, de cinco membros, dois
dos seus membros teriam de ser mulheres, sendo que a uma delas estaria
reservado o posto de vice-presidente.
Foi, assim, que se construiu o primeiro
elevador político da mulher guineense - combatente anticolonialista (de
libertação nacional) e, ao mesmo tempo, combatente pela sua própria emancipação
(de género). Esta mobilidade política ascendente da mulher guineense, note-se,
teve o seu motor a funcionar ainda nos meados da década de 1960, há mais de 50
anos! Com Amílcar Cabral.
Agora, o “Passo 3”:
(iii) INSCREVER na Lei Eleitoral o
princípio de justiça distributiva, instituindo, para esse efeito, a
obrigatoriedade de ajustar periodicamente - por exemplo, de quatro em quatro
anos - o número de deputados a atribuir a cada círculo eleitoral. É uma redistribuição
necessária e muito fácil de se fazer, bastando extrair o coeficiente nacional e
aplicá-lo à escala local (isto é, a nível de cada colégio eleitoral), tomando
como base de dados o recenseamento eleitoral - ou a atualização dos cadernos
eleitorais - mais recente.
Em 1993, o legislador guineense da Lei
Eleitoral cometeu o erro, por omissão, que foi ter considerado como uma
constante o que não passava de uma variável, por conseguinte, uma grandeza (no
caso: o número de deputados distribuídos a cada círculo eleitoral) que dependia
da demografia eleitoral, não estática, dinâmica sem ser uniforme no seu
dinamismo.
Desse erro cometido pelo legislador de
1993, resultou, como era de esperar, uma errada cristalização da primeira
distribuição de mandatos feita há vinte e quatro anos, e que se tornou
claramente anacrónica. Tal facto fez divergir, nalguns casos, de maneira muito
acentuada, a relação entre o número de eleitores e o número de deputados
atribuídos aos círculos eleitorais, distorcendo, assim, a representação
política.
E agora, que fazer? Resposta: basta
suprimir uma única frase, descritiva, na atual lei eleitoral (que é a frase que
constitui o artigo 113º) e, no mesmo artigo, apor uma outra frase, normativa,
para logo ficar salvaguardado o princípio democrático de justiça distributiva.
Depois, restaria apenas “matematizar” em poucas alíneas a maneira de,
periodicamente, ajustar o número de assentos parlamentares que são devidos aos
círculos eleitorais, e, assim, ficaria o sistema formatado para produzir
justiça eleitoral.
Trata-se, aqui, de salvaguardar o
princípio de equidade, de considerar a equidade na representação dos Círculos
Eleitorais como um valor político. Um valor que se operacionaliza mediante a
igualização do peso do voto dos cidadãos eleitores na balança eleitoral, e que
se projeta numa representação política equilibrada, não distorcida, de todos os
colégios eleitorais na Assembleia Nacional Popular.
Uma vez dados os Passos 1, 2 e 3 do
“programa mínimo”, segue-se o Passo 4, que não pede propriamente uma reforma
legislativa. Exige, sim, um compromisso político forte, de
(iiii) DEMOCRATIZAR o poder local, vinte e
cinco anos depois de a Constituição da República de 1993 o exigir, em vão!
Trata-se de assumir o compromisso de realizar a primeira eleição dos órgãos das
Autarquias Locais na mesma data em que se realizar a próxima (que será a sexta)
Eleição Legislativa, de 2018.
Seriam instalados, para começar, nove
municípios (Assembleias Municipais e Câmaras Municipais), um município em cada
capital regional, aqui incluído, claro, a Câmara Municipal de Bissau - Setor
Autónomo.
É certo que, com o tempo, vai-se
densificar muito mais a malha municipal guineense com a criação de muito mais
municípios. Precisamos de uma rede suficiente de municípios, que é uma evolução
institucional indispensável para se encarar a sério a questão da valorização e
coesão do território nacional no seu conjunto; da redução das assimetrias
regionais; do desenvolvimento harmonioso da Guiné-Bissau, que são objetivos muito
importantes para reforçar a unidade nacional do povo guineense. Mas, para
começar, avancemos ainda com estes primeiros nove municípios em 2018, o que já
seria, sem dúvida, um bom arranque inicial, um marco diferenciador dos tempos
novos - da “terceira república”.
Dado assim o “Passo 4” em 2018,
remetia-se, assim, para o “museu” da nossa história política o falhanço de, em
vinte e quatro anos da “segunda república” (de 1994 a 2018), não termos
conseguido implantar na Guiné-Bissau o poder local democrático - uma “nódoa”
que nos envergonha a todos.
Deste falhanço histórico - de se ter
negligenciado o princípio da autonomia local - resultou o facto de as Regiões
terem ficado entregues a órgãos administrativos sem legitimidade democrática,
por conseguinte, à margem do escrutínio democrático, marginalizadas e, nas
últimas décadas, severamente empobrecidas económica e socialmente.
Tal deriva negativa traduziu-se não apenas
na interrupção do desenvolvimento institucional definido nos termos da
Constituição da República. É uma interrupção que representou um grande
retrocesso institucional em relação ao memorável regime instaurado ainda pela
Constituição de 1973. O sistema político criado em 1973 incorporava o Conselho
Regional (órgão eleito, deliberativo e de fiscalização) e o governo regional
(órgão executivo), o então denominado Comité de Estado de Região.
Uma vez que muita gente provavelmente já
se esqueceu, creio que vale a pena lembrar o seguinte: numa perspetiva
histórica de construção institucional, o Estado Guineense nasceu a partir dos
Conselhos Regionais, instituições diretamente eleitas pelo povo combatente. E
foi no seio dos Conselhos Regionais (isto é, entre os Conselheiros Regionais
eleitos) que, por sua vez, seriam eleitos os Deputados constituintes que, a 23
e 24 de setembro de 1973, aprovaram a primeira Constituição (Lei Fundamental)
do nosso Estado e - num registo de elevação política nunca mais atingido -
proclamaram ao mundo a República da Guiné-Bissau, a nossa independência
nacional.
Efetivamente, para Amílcar Cabral era
impensável que se constituísse a Assembleia Nacional Popular (parlamento
nacional) e, dela dependente, um Executivo Nacional (o Governo, então
denominado, Conselho de Comissários de Estado) sem dotar, primeiro, a
infraestruturação institucional do Estado do seu equivalente à escala regional:
o Conselho Regional (órgão deliberativo) e o Comité de Estado de Região (órgão
executivo). Foi esse, então, o conceito de estruturação dos poderes do novo
Estado.
Depois, foi o trabalho dos juristas do
Partido, trabalho que seria apresentado pelo camarada Fidélis Cabral d’Almada,
Responsável dos Serviços de Justiça e da População, para discussão e aprovação
em sede própria (na direção superior do Partido) - as “Bases para a criação da
Assembleia Nacional Popular na Guiné” -, e que o Secretário Geral Amílcar
Cabral promulgou com a sua assinatura, a 3 de dezembro de 1971. Quarenta e
cinco anos depois, nem Conselhos Regionais, nem Assembleias Municipais!
Enfim, já se passaram vinte e quatro anos
da “segunda república”, multipartidária (1994-2018) sem que os seus
protagonistas se mostrassem suficientemente incomodados com
tão grave défice politico-institucional.
Chegados aqui, espero bem que ninguém se
vai lembrar de “reapresentar” argumentos de natureza técnica e/ou política - os
já conhecidos, e todos eles falaciosos - para novamente adiar a democratização
do poder local agora em 2018.
Adenda ao “Passo 1” - Regime de governo
Temos de resolver o seguinte trilema:
a) queremos um Presidente da República que
além de Chefe de Estado também é Chefe de Governo - um modelo compatível com a
quase generalidade das constituições dos países da CEDEAO?
b) queremos um Presidente da República que
sendo Chefe de Estado, porém, não é Chefe de Governo - um modelo compatível com
os constitucionalismos, por exemplo, português e cabo-verdiano?
c) ou pretendemos continuar encravados na
armadilha da atual Constituição (de 1993) que não é nem do tipo referido no
ponto a), nem sequer é consistente com o modelo referido na alínea b)? Que, na
verdade, é uma caricatura de semipresidencialismo, um “arranjo” disfuncional,
potencialmente disruptivo como, aliás, ficou largamente demonstrado nos últimos
vinte e quatro anos?
[Nota bene: pelo regime de governo criado
pela atual Constituição da República já passaram, desde 1994, nada menos do que
vinte primeiros-ministros - uma instabilidade política alarmante.]
Ora, o intento de afastar o espetro de o
Estado se manter “preso” a um regime de semipresidencialismo desvirtuado que o
legislador de 1993 criou, só terá sucesso se o legislador de 2018 for capaz de
tornar imune a qualquer disputa de competências constitucionais a área própria
de governação.
Resumindo. Se o modelo institucional de
Presidente da República definido como Chefe de Estado e de Governo colher a
preferência do legislador de 2018, então, a atrição politico-institucional
entre o Chefe de Estado e o Chefe de Governo deixaria simplesmente de poder
acontecer. Mas se, pelo contrário, prevalecer o modelo de Primeiro-ministro
definido como Chefe de Governo então ao legislador de 2018 caberia a tarefa de
prevenir a “armadilha” que minou completamente a “segunda república”, a saber:
a atribuição ao Presidente da República de algumas competências constitucionais
invasivas da área propriamente governativa, e, por conseguinte, inconsistentes
com o princípio da separação dos poderes bem entendido.
Ora, uma vez que já foram escritos todos
os tratados sobre regimes democráticos de governo, penso que não precisaremos
de perder muito mais tempo do que o que já perdemos -, a tentar agora inventar
algo que seja constitucionalmente inédito.
Dito isto, só precisamos, a meu ver, de
mais um bocadinho de ambição política e de discernimento intelectual para, sem
mais demoras, dar o “Passo 1”, isto é, dotar o Estado guineense de uma
constituição politica institucionalmente funcional, estabilizadora, virtudes
que a atual Constituição guineense intrinsecamente não tem.
Considerações finais
(i) Timing
Tenho para mim que, esperar até julho de
2018 para desencadear a execução deste “programa mínimo” já começaria a ficar
um bocado tarde. Considero que dar o “Passo 1” com êxito, implica assumir a
urgência de uma tarefa que deve ser “agarrada” e resolvida tão cedo quanto
possível. Em todo o caso, é trabalho para ser concluído bem antes de a
“pré-tensão” eleitoral desaguar na campanha eleitoral propriamente dita -,
altura, talvez, já tardia para os protagonistas se sentarem à mesma mesa e,
serenamente, discutirem os termos da revisão constitucional bem como os termos
da revisão da lei eleitoral.
Pelo que ficou dito, conclui-se que
deveria estar constituída e em plena atividade (o mais tardar no início do mês
de julho de 2018) a “mesa de diálogo nacional”, com suporte no ponto 6. do
Acordo de Conacri. É uma instituição ad hoc que trataria, como é óbvio, de ver
estabelecido um modo de sua articulação - uma ponte - com a Assembleia Nacional
Popular (ANP) nomeadamente para poder fazer chegar à sede parlamentar propostas
com vista à sua apreciação e competente resolução legislativa.
A prometida “mesa de diálogo nacional” -
que integraria todas as forças políticas legalmente constituídas bem como pelas
mais representativas organizações da sociedade civil -, e a Assembleia Nacional
Popular, são veículos democráticos mais do que suficientes pela sua
representatividade (por alguma razão somos uma democracia representativa) para
formatar a vontade política nacional que será auscultada a pronunciar-se sobre
a questão de saber qual o regime de governo a consagrar na próxima revisão
constitucional, de 2018.
Resolver esta questão - insisto -, ainda
antes das próximas eleições, parece ser crucial para, desde já, proteger a
ordem estatal guineense contra crises políticas paralisantes, e, assim,
encerrar o ciclo de instabilidade política crónica do Estado guineense.
(ii) Riscos
Encontro pelo menos dois riscos: (a) a
nossa proverbial morosidade ou, pior ainda, (b) a preferência pelo statu quo,
pelo imobilismo. A falta de vontade política para mudar o que deve ser mudado
em tempo oportuno, e não deixar as coisas a “apodrecer”.
[Nota bene: Haverá maior prova de
imobilismo, de inclinação fatal para o statu quo do que o facto de, durante
duas décadas, os políticos guineenses perseverarem no cumprimento de uma
Constituição manifestamente incongruente - repare-se - em vez de, a reformarem
quanto antes?!]
(iii) Incentivo
Não passa pela minha cabeça admitir que
quadros partidários e alguns compatriotas vão - dentro de muito poucos meses -,
lançar-se na “corrida” para o parlamento (como candidatos a deputado) e
lançar-se na “corrida” para a Presidência da República (como candidatos a
Presidente) antes de, primeiro, se resolver a anunciada “questão de regime”:
(a) a escolha de um novo regime de governo ou (b) a manutenção do statu quo
constitucional, que significaria preservar a própria fonte - ou seja, manter
ativada a armadilha constitucional - da degradação institucional do Estado
guineense.
Posto isto, o maior incentivo para não
adiar a reforma do sistema político advém, precisamente, da consciência de que
- se não o fizermos agora -, estaríamos muito provavelmente a semear a próxima
crise política. Ora, para evitar tal recaída, é preferível, ainda antes de se
iniciar a campanha eleitoral, parar um bocadinho para pensar um pouco mais e,
por conseguinte, assumir a urgência de reformar o sistema político no seu
próprio âmago, que é o regime constitucional de governo.
Porventura o que reforça mais ainda este
incentivo é a hipótese de vir a gerar-se, num dado momento da evolução da
conjuntura política, uma situação atípica, porém, evitável.
Por exemplo, se a opçāo do legislador
constituinte determinar que o próximo Presidente da República será Chefe de
Estado e de Governo - pergunta-se - que implicação teria isso no calendário
eleitoral já aprovado? Ou, para ser mais preciso, que sentido faria num tal
cenário - de Presidente da República-Chefe de Estado e de Governo -, eleger os
Deputados cinco meses antes, em novembro de 2018? Note-se que o novo Parlamento
eleito nestas condições (o parlamento da X Legislatura) teria de aguardar pela
eleição (em junho de 2019) do Chefe Estado e de Governo, para só depois disso,
poder apreciar e aprovar o Orçamento Geral de Estado e o Programa do novo Executivo.
Ora, numa tal perspetiva, torna-se pertinente perguntar se não seria preferível
fazer coincidir na mesma data as duas eleições - a dos Deputados e a do
Presidente da República-Chefe de Governo?
Bem, se, ao contrário, prevalecer o regime
constitucional de Primeiro-ministro-Chefe de Governo, e, por conseguinte, o seu
titular resultar da eleição legislativa de novembro de 2018 - com o próximo
Chefe de Estado (não sendo Chefe de Governo) a ser sufragado mais tarde, isto
é, só em maio-junho de 2019 -, é claro que um tal desfasamento eleitoral não
acarretaria nenhuma inconsistência temporal entre os funcionamentos do
Parlamento e do Governo.
Enfim, como facilmente se percebe,
responder a estas questões é um ponto decisivo para a formulação de estratégias
partidárias e agendas pessoais dos atores políticos em vésperas de abertura da
campanha eleitoral. E é, se assim se pode dizer, ainda mais importante para o
ambiente político na Guiné-Bissau.
(IIII) Duração
Havendo vontade política e discernimento
intelectual - numa palavra: se tivermos a sorte de contar com uma liderança
competente quer da Mesa de Diálogo Nacional quer da Assembleia Nacional
Popular, e se também pudermos contar com o respaldo de uma equipa de dois ou
três constitucionalistas de reconhecida competência e idoneidade -, as três
reformas legislativas críticas (Passo 1, Passo 2 e Passo 3) fazem-se em menos
de um mês de trabalho empenhado e profícuo.
[Nota bene: Meter demasiados doutores e
demasiados diletantes neste processo criativo de reforma política do Estado é
garantir ineficiência e, por conseguinte, um enorme desperdício de tempo que,
hoje em dia, é um tempo precioso.]
(V) Expetativa
A minha expetativa é baixa, infelizmente
para a minha saúde. Tenho esperança, é certo, mas já não consigo ser otimista.
Sinto que é muito mais fácil voltarmos a fracassar por inércia; que
provavelmente vamos desperdiçar mais esta oportunidade de operar uma
transformação político-institucional no bom sentido; que, talvez, vamos
defraudar as melhores expetativas de muita gente, entre os nossos compatriotas
e muitos estrangeiros amigos, que, neste momento, estão a olhar para nós.
Enfim, surpreende-me ver como as pessoas
estão a fazer cálculos de poder muito mais do que a cuidar do nosso bem comum,
neste caso, a cuidar do bem político comum dos guineenses que é o Estado
guineense bem entendido e bem ordenado.
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