Dá a impressão que o mundo estava/á empestado, que as forças do mal vão campeando, que a imundície tende a abafar a beleza original da criação e a bondade das criaturas, sobretudo humanas, que a corrupção desintegra a coesão e a sanidade da sociedade, que a indiferença se agiganta, que a confusão se apoderou da nossa geração rica de meios e pobre de sentido existencial
Após o “fracasso” da visita a Nazaré,
terra onde cresceu e aprendeu a arte de ganhar a vida e de se relacionar, Jesus
empreende nova iniciativa apostólica. Quer partilhar a missão. Parece que a
experiência o aconselha. Chama os discípulos e confia-lhes a sua autoridade.
Define, com precisão, as regras a observar e envia-os dois a dois. Primeiro ao
povo de Israel, depois a todos os povos. E a história converte-se em livro aberto
da missão universal realizada localmente por homens e mulheres, conforme as
tradições culturais.
Jesus com este proceder prolonga o modo
de agir de Deus que sempre associa o ser humano à realização da sua obra
salvadora. Ao primeiro casal, confia o dom da vida, o cuidado da criação e o
desenvolvimento integral; a Noé, a Abraão, a José, a Moisés e a tantos outros
que escolhe para interlocutores, dá-lhes o encargo de alimentar a esperança e
de serem rosto da sua paciência e do seu acompanhamento à humanidade com quem
partilha esta aventura histórica. O José e a Maria, de Nazaré, entrega-lhes o
delicado serviço de acolher Jesus e de o educar, de modo que prepare a vida
pública e mostre muito do que viveu em família, no silêncio, na oração e na
convivência de vizinhança. À Igreja em comunidade e a cada um de nós
pessoalmente, deixa a missão de celebrar a sua memória e ser missionários em
todos os ambientes. É esta a fase que vivemos. Com alegria e esperança.
Jesus traça um quadro preciso da missão
a realizar: ir em equipa; levar o imprescindível; anunciar o Evangelho que
suscita o arrependimento; expulsar os espíritos impuros, os demónios; ungir com
óleo e curar com oração e desvelo os doentes; confiar sem limites porque são
enviados, a missão é de Deus Pai, é Minha, diz Jesus. E eles lá foram “por
trancos e barrancos”, agiram de acordo com as regras definidas e com indícios
de resultados promissores. Diz o texto: “Os Apóstolos partiram e pregaram o
arrependimento, expulsaram muitos demónios, ungiram com óleo muitos doentes e
curaram-nos”. O medo esterilizante de deixar comodidades é vencido e cede a vez
à fecundidade sanante. Que alegria devem ter vivido com a experiência feita. A
confiança “virou” a êxito reconhecido.
Vamos deter-nos em algumas destas
indicações pela sua riqueza simbólica e alcance actual, pelo realismo e
horizonte de perspectivas, embora em cada época se devam configurar, sempre.
Com critérios do Evangelho, claro.
A missão não é de aventureiros nem
oportunistas ou agentes isolados. Antes, exige boa preparação, comunhão de
sentimentos com quem envia, companheirismo, reconhecimento de que a roupagem
humana não pode encubrir a simplicidade da presença testemunhante nem da
mensagem anúnciada. Se não, como nas videiras tem de se esparrar as folhas para
que as uvas beneficiem do sol e possam amadurecer. A missão deve despir-se de
tudo o que oculta a simplicidade do anúncio e a beleza do amor que Deus nos
tem. “A mochila”tem pouco espaço e precisa de boa arrumação. Só o
imprescindível. Nem supérfluo, nem necessário. Apenas cajado e sandálias. E ter
clara a noção do tempo. Para ficar ou partir, para não reter nada e sacudir o
pó dos caminhos e andar com ligeireza. Com esperança de chegar mais longe. Uma
terra nova aguarda os enviados. Que gratas memórias de quem os acolhe levarão
consigo os mensageiros!
“O Evangelho não apresenta uma forma
extrema e extravagante de viver, afirma J. M. Castillo, La Religión de Jesús,
ciclo b, p. 261. O que o Evangelho oferece é uma forma de viver, que não está
determinada nem condicionada pelo dinheiro e o bem-estar, mas pelo projecto de
aliviar o sofrimento, pela luta contra os agentes de violência, pelo respeito à
dignidade e aos direitos de todos, pelo empenho em fazer feliz a quem nos
rodeia. Isto é o que Jesus quer dizer com as proibições que impõe aos seus
discípulos. Jesus não apresenta um projecto extravagante, mas um projecto de
humanidade”.
No encargo da missão, Jesus destaca o
poder sobre os espíritos impuros. E ordena aos discípulos que expulsem os
demónios. Dá a impressão que o mundo estava/á empestado, que as forças do mal
vão campeando, que a imundície tende a abafar a beleza original da criação e a
bondade das criaturas, sobretudo humanas, que a corrupção desintegra a coesão e
a sanidade da sociedade, que a indiferença se agiganta, que a confusão se
apoderou da nossa geração rica de meios e pobre de sentido existencial. O
realismo aconselharia a continuar a ver o terreno a evangelizar. É a saúde
integral no tempo aberto à eternidade que nos envolve. Mas as indicações dadas
abrem caminho aos discípulos missionários, a nós cristãos fiéis e seguidores de
Quem nos envia.
“O envio em missão, afirma Manicardi,
Comentário à Liturgia, p. 118, cria testemunhas: os próprios enviados devem
fazer reinar sobre si as exigências do Evangelho. A sua presença deverá ser
anúncio e transparência daquele que os enviou. … o enviado do Senhor não é
tanto aquele que diz palavras inspiradas, mas, como lembra a Didaké XI, 8),
aquele que tem os «modos do Senhor»”.
O método de Jesus readquire novo vigor
na sociedade secular. O envio é feito dois a dois. “A presença de pequenos
grupos de discípulos de Jesus na nossa sociedade, tão necessitada de encontro
real e de amizade, é a ferramenta mais valiosa que pode fazer presente a Boa
Notícia”, garante o comentador da Homilética, Miguel Vicente. Belo ensinamento
a ser prosseguido pela nossa prática diária.
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