[…] indica claramente uma progressão nas atitudes interiores a cultivar: A de escutar, a de amar, a de envolver todas as suas capacidades na relação de Deus e do próximo, a de harmonizar as diversidades na unidade de comunhão. Como são actuais estas atitudes!
[…] a escuta como passo indispensável para iniciar uma relação de proximidade em que desponta a verdade da obediência libertadora.
[…] Deus é a representação do amor. Então, onde quer que haja amor, compaixão, sede de justiça e desejo de reconciliação, Deus está presente, até mesmo na vida de quem não frequenta a Igreja ou não foi batizado.
[…] os jovens estão cheios de Espírito, e só precisam de ajuda para reconhecê-lo.
Jesus está em Jerusalém. Vive horas de
tensão que os adversários provocam: os sumos sacerdotes, os doutores da Lei, os
fariseus e os partidários de Herodes, a classe sacerdotal dos saduceus. Por uma
razão ou por outra contestam abertamente a sua acção e mensagem, as horas
vividas são de grande tensão. Que contraste com o diálogo sereno e construtivo
que o escriba lhe proporciona e Marcos, o narrador, nos apresenta de forma tão
bela. (Mc 12, 28b-34). Vamos segui-lo de perto na reflexão de hoje.
O escriba aproxima-se fisicamente, sinal
de sintonia com as atitudes assumidas e as respostas dadas nas situações
anteriores, de que ele possivelmente havia sido testemunha. E a pergunta
sai-lhe espontânea: “Qual é o primeiro
de todos os mandamentos?” Pergunta clara, sem rodeios nem enfeites. Sem
evocação de títulos honoríficos nem credenciais de recomendação. Simples e
sincera, a denotar uma transparência exemplar. Que fica como referência
evangélica para todos os discípulos fiéis confessantes da confiança em Jesus
Cristo: que perguntas lhe fazemos? E com que sinceridade e propósitos? Como nos
relacionamos com Ele? Vale a pena pensar nisto.
Jesus sintoniza com ele e responde com uma
clareza meridiana: “O primeiro é este: «Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o
único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua
alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças». O segundo é
este: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Não há nenhum mandamento maior do
que estes” A resposta de Jesus é composta de citações dos livros do
Deuteronómio e do Levítico. E parece estar em dissonância com o pedido feito.
Merece, por isso, uns momentos de atenção.
Jesus indica claramente uma progressão nas
atitudes interiores a cultivar: A de escutar, a de amar, a de envolver todas as
suas capacidades na relação de Deus e do próximo, a de harmonizar as
diversidades na unidade de comunhão. Como são actuais estas atitudes!
A escuta está no início do processo de
humanização. Já no seio materno, há escuta interactiva. Sem ela não há
comunicação nem compreensão. Não existe relação. Vive-se de impressões e
preconceitos. E tantos outros sentimentos que isolam e semeiam desconfiança.
Dão-se respostas a perguntas que não foram feitas e mais não são do que ecos de
um mundo interior ancorado em vibrações de um passado colhido noutras
circunstâncias. Por isso, a pedagogia do nosso Deus educa o povo de Israel: a
escutar a sua voz e a dos profetas, seus enviados, a recordar a memória dos
feitos antigos, a celebrar o que vai ocorrendo, a ser coerente com a ética da
vida, com a sabedoria narrada de pais a filhos. Jesus insere-se nesta corrente
educativa e repropõe a escuta como passo indispensável para iniciar uma relação
de proximidade em que desponta a verdade da obediência libertadora. E lembra
aos discípulos: “Quem vos escuta a Mim escuta” (Lc 10, 16).
A Igreja recebe este modo exemplar de
proceder e quer fazer dele a regra pastoral dos seus agentes missionários. Diz
o documento final do Sínodo sobre os Jovens, recentemente celebrado, entregue
ao Papa Francisco que, por sua vez, deseja fazê-lo chegar a todos os católicos,
discípulos fiéis.
“A escuta é um encontro de liberdade que
requer humildade, paciência, disponibilidade para compreender, empenho para
elaborar de modo novo as respostas. A escuta transforma o coração de quem a
vive, sobretudo quando adopta uma relação interior de sintonia e docilidade ao
Espírito. Não é só uma recolha de informações nem uma estratégia para alcançar
um objectivo, mas é a forma adoptada por Deus na relação com o seu povo. Com
efeito, Deus vê a miséria do seu povo e escuta o seu clamor, deixa-se tocar no
íntimo e decide libertá-lo. A Igreja, portanto, entra no movimento de Deus que,
no Filho, vem ao encontro do ser humano”. O texto continua lembrando que os
jovens querem ser escutados e que há na Igreja experiências consolidadas de
escuta. E afirma ser este um serviço qualificado dos cristãos, designadamente
do ministério ordenado, a que são convidados a dedicar o tempo indispensável.
(Documento final, n.os 6-9).
O saber escutar é dom do Espírito Santo e
aprendizagem humana. Baseia-se na convicção de que Deus está em quem fala,
talvez de forma muito velada, e tem algo a dizer-nos e a quem nos visita. Saber
ouvir requer serenidade interior, controle emocional, lucidez e compreensão, a
fim de ter a atenção na pessoa e nas suas expressões.
Há experiências bem-sucedidas de
comunicação e escuta: O diálogo conjugal e a conversa familiar, o clima de
muitas reuniões, o ambiente educativo nas aulas e de inter-acção com os
programas televisivos e meios virtuais, a participação em certas assembleias
litúrgicas e de aconselhamento, a partilha de pontos de vista em ordem à tomada
de decisões. Oxalá prossigam, de forma espontânea e organizada.
O prior de Taizé está convencido de que
Deus é a representação do amor. Então, onde quer que haja amor, compaixão, sede
de justiça e desejo de reconciliação, Deus está presente, até mesmo na vida de
quem não frequenta a Igreja ou não foi batizado. O Irmão Alois acredita também
que os jovens já estão cheios de Espírito, e só precisam de ajuda para
reconhecê-lo. Este tipo de escuta é radicalmente diferente, porque ensina os
jovens a ouvirem-se a si mesmos e ao Espírito que está em cada um deles. Antes
de encher a cabeça dos jovens com informações exteriores, primeiramente eles
devem estar voltados para si, afirma o prior de Taizé, a propósito do Sínodo
recentemente realizado em Roma.
A escuta está intimamente relacionada com
o amor, o único mandamento de Jesus, a atitude que sela a comunhão de Deus com
o ser humano. Expressa-se na atenção à Palavra do Senhor e nas práticas
correspondentes: Bondade e ajuda mútua, proximidade solidária e inteligente,
acompanhamento nos vários ritmos da vida, acolhimento interactivo das mensagens
que chegam e das ressonâncias que provocam. “Esta força do amor, confessa J. M.
Castillo, é o que nos une aos outros e mais nos une ao Transcendente, o sentido
último da vida”. (La religión de Jesus, Desclée de Brouwer, 2017, pág. 388).
“Muito bem, Mestre! Tens razão…”, responde
o escriba à resposta sábia de Jesus. Oxalá, as nossas atitudes de vida dêem
resposta semelhante.
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