Natal é o aniversário natalício de Jesus Cristo. Jesus agiu como um homem "pura e simplesmente bom, algo que ainda não tinha acontecido". Anunciou o Deus próximo, de amor, o Deus da misericórdia, um Deus amoroso e amável, e o seu Reino: o Reino de Deus, reino da liberdade - "onde está o espírito de Cristo aí está a liberdade", proclamou São Paulo -, reino da justiça, do amor, da fraternidade, da paz, da igualdade radical de todos perante Deus e perante os outros seres humanos, o reino da realização plena de toda a esperança.
Maria, a noiva de José, engravida após
consentimento informado e decisão livre. O recém-gerado “apodera-se” do seu
corpo e marca o ritmo da sua vida: a nível da fisiologia, das emoções e
afectos, da movimentação e das relações, dos incómodos e satisfações. Tudo por
amor à boa gestação em curso. Com que intensidade viveria a jovem mãe a fase
germinal do seu bebé! Ele, tudo recebia dela, humanamente. Ela, realizava nele
o sonho da maternidade.
Lucas, no chamado Evangelho da Infância,
faz uma bela narração da anunciação e anota que Maria, após ficar entregue à
liberdade da sua decisão, parte “imediatamente”. Toma o rumo da casa de
Zacarias, que fica a uns 150 Km de distância, e vai pelas regiões montanhosas
da Judeia. Encontra Isabel, a prima, em fase avançada de gravidez daquele que
virá a ser João Baptista. E tem um encontro memorável que a liturgia nos faz
recordar, hoje. Para nos aproximarmos do significado profundo do que está a
acontecer no ventre destas mulheres. Por graça de Deus, com a generosa
colaboração delas. Vamos deter-nos em alguns pormenores desta maravilha que
ecoa na voz de Isabel. (Lc 1, 39-45).
Ao chegar, Maria faz a saudação
tradicional dos judeus: Shalom! Isto é, as bênçãos de Deus estejam contigo. Ou
seja, que te sintas realizada na tua gravidez, que aprecies a vida que estás a
gerar, que à tua volta haja harmonia e paz, que o teu coração agradecido
alimente a sintonia com Deus e o seu desejo de libertar o nosso povo de todos
os que nos querem mal, e de guiar os seus passos no caminho da paz, como rezará
mais tarde Zacarias, após ter retomado a fala de que, provisoriamente, fora privado.
Isabel ao receber a saudação de Maria,
sente que o seu bèbé se agita, estremece, rejubila. E vive esta experiência
singular como uma graça especial. Diz o texto: “Ao ouvir a saudação de Maria, o
menino exultou-lhe no seio, Isabel ficou cheia do Espírito Santo”. Que
maravilha! O que faz uma saudação oportuna de paz! E que interpelação nos
deixa: Saudamo-nos uns outros com normalidade? São de alegria e paz as nossas
saudações? Temos em conta a situação emocional de quem nos ouve de modo a
sintonizarmos e, sendo possível, ajudarmos a elevar o seu ânimo? Ficamos só o
tempo necessário?
O ventre de Isabel é o espaço onde Deus
actua. Tal como o de Maria. No comentário que faz aos textos deste domingo,
Manicardi destaca a relação que existe entre eles e diz: “As referências ao
corpo da parturiente (Miqueias, na primeira leitura), aos corpos das duas
mulheres grávidas que se encontram (Lucas no evangelho), ao corpo que Deus
prepara para Cristo (Hebreus, na segunda leitura), oferecem a possibilidade de
uma reflexão, inteiramente enquadrada com a encarnação, sobre o corpo como
lugar espiritual, como sacramento da presença de Deus entre os homens”.
Em contraste fica o modo como se encara
o corpo humano e o cuidado que se lhe dispensa na actual cultural consumista.
Cuidado levado ao requinte, ao serviço do qual se organizam empresas
publicitárias de produtos e de terapias, de beleza estética e de plásticas
cosméticas. E muito mais, a fazer-nos sentir a urgência de anunciar a dignidade
do corpo humano, da sua integridade, das suas funções vitais, da sua beleza
espiritual, da sua vocação transcendente.
“A sociedade actual e a cultura do nosso
tempo dedicam uma escassa atenção à maternidade enquanto potencial de
construção imaginativa e elaboradora. Porque se se valora apenas a biologia e o
social, e a liberdade sexual e a igualdade, seremos «a primeira civilização que
carece de um discurso sobre a complexidade da vocação maternal». Esse discurso
não pode perder-se porque tem a capacidade de proporcionar às pessoas uma maturidade
capaz de enfrentar qualquer situação porque se fundamenta num amor maior do que
qualquer outra força”. E a autora abre o leque ao amor que acolhe, que recebe,
que hospeda, não sobre uma prótese fálica ou narcisista, mas por doação e
sublimação, que torna possível a vida do outro, e também a sua criatividade num
mundo de singularidades plurais”. (Maria Clara Bingemer, Transformar la Iglesia
y la Sociedade en femenino, Cuadernos CJ, 211, Barcelona 2018, p 18).
Cheia do Espírito Santo, Isabel faz uma
leitura orante do que acontece em Maria e exclama em alta voz: “Bendita és tu
entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que venha
ter comigo a Mãe do meu Senhor? Feliz aquela que acreditou no cumprimento de
tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor”. Isabel professa a sua fé no
abençoado recém-gerado e proclama a 1ª bem-aventurança de Maria, sua mãe. A
piedade popular, ao rezar a Avé Maria, faz sempre esta saudação; e a fé cristã
reconhece Jesus como Senhor, após a ressurreição pascal. E aprende as lições do
Evangelho de hoje: Levar Jesus no coração, saber ir ao encontro dos amigos e
estar sempre ao serviço da caridade.
“O mundo precisa de «muitas Marias» para
poder dar à luz projectos de Esperança, aspirações de justiça, desejos de
bondade e testemunhos de compromisso. Todos e todas, somos Marias que estamos
cheios de Esperança no menino Deus que nos vem. Somos parteiros e parteiras da
vida que vem pequena, humilde, pobre e frágil. Só cumprindo a sua vontade, a
vida que geramos será em plenitude e dirão de nós: «Felizes porque haveis
acreditado» dando Vida, construindo a Vida e celebrando a Vida»”. (Sebastián
Rosado, Homilética 2018/6, p. 766).
Saboreemos esta bem-aventurança. Porque
do corpo de Maria, nasce Jesus o Salvador. E é Natal cristão.
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