domingo, 9 de dezembro de 2018

João, a Voz da Palavra do Senhor. Aprecia!

“Olha o profundo do teu coração, vê o íntimo de ti mesmo e faz a pergunta: tens um coração adormecido ou desejas grandes coisas? O teu coração conserva a inquietude da busca ou está sufocado pelos bens que acabam por o atrofiar?

“Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor”; Endireitar veredas e caminhos tortos, altear vales e abater montes e colinas, aplanar arestas, reparar fissuras. Será muito benéfica uma visita ao livro da minha vida e uma leitura à luz da Palavra do Senhor que João anuncia

João era a voz, passageira; Cristo, a Palavra eterna desde o princípio” - Santo Agostinho

“As pessoas mais pobres e marginalizadas nas nossas sociedades trazem-nos verdadeiras mensagens de esperança”. Pois, “É nos lugares pequenos e imundos que nascem os nossos reis, não em palácios”

João surge na vida pública como um profeta itinerante nas margens do rio Jordão, após uma experiência significativa no deserto. Aqui recebe a palavra de Deus que lhe é dirigida. Aqui faz o contraste da vida sóbria e austera com a da Jerusalém, onde o pai Zacarias oficiava no Templo, e a da aldeia onde nascera, a poucos quilómetros da cidade. Aqui encontra o silêncio indispensável ao coração para amadurecer os apelos que ia sentindo e as convicções que ia gerando. Aqui toma a decisão de dar voz à experiência feita e parte em missão.

Lucas faz o relato do sucedido, situando o episódio num contexto político e religioso de grande envergadura. Indica assim o alcance histórico da novidade que desponta. Refere nomes e datas, menciona o imperador de Roma, o governador da Judeia, e outras figuras gradas nas regiões próximas, bem como na área religiosa. (Lc 3-1-6). As credenciais do registo ficam apresentadas, a solicitar a abertura à verdade que se anuncia. E o protagonista sente-se mandatado para realizar a missão recebida. “Foi dirigida a palavra de Deus a João, filho de Zacarias, no deserto. E ele percorria toda a região do Jordão” refere o evangelista narrador.

“As pessoas mais pobres e marginalizadas nas nossas sociedades trazem-nos verdadeiras mensagens de esperança”, afirma o arcebispo de Manila, nas Filipinas. “É nos lugares pequenos e imundos que nascem os nossos reis, não em palácios”. Esta forte imagem foi apresentada pelo cardeal Luis Antonio Tagle, presidente da Cáritas Internacional em mensagem recente sobre a preparação do Natal cristão. A verdade da afirmação contrasta fortemente com o que vemos e, se calhar, alimentamos.

A palavra de Deus emerge situada na história, é dirigida a pessoas concretas, é portadora de salvação, faz-se caminho com todos os humanos, torna-se fonte de energias revigorantes, faz ver a salvação de Deus a todas as criaturas (Lc 3, 6). A palavra de Deus é confiada a João. Não é sua, mas do Senhor que já havia inspirado outros homens e mulheres, designadamente Isaías, explicitamente citado no texto que lemos hoje: “Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor”. E o profeta indica alguns pontos concretos desta preparação, servindo-se de elementos telúricos: Endireitar veredas e caminhos tortos, altear vales e abater montes e colinas, aplanar arestas, reparar fissuras.

E da terra mãe somos convidados a visitar o coração, sede do nosso eu. Que há na minha vida que precise de ver realinhado pelos caminhos do Senhor? Que baixios no meu ram-ram devem ser atendidos e elevados com uma consciência desperta e responsável? Que aresta do meu feitio, que se repercute no relacionamento com os outros, é necessário limar? E que fissuras na coerência do que digo acreditar com o que vivo e testemunho? Será muito benéfica uma visita ao livro da minha vida e uma leitura à luz da Palavra do Senhor que João anuncia.

Passando do meu eu à sociedade de que faço parte e à Igreja de que sou membro, que encontro a realinhar ou a transformar e em que posso/devo ajudar? O primeiro passo é sempre indispensável para a grande caminhada. Pode ser orar pelos que se arrastam na vida sem sentido motivador, aproximar-me de familiares, lembrar os esquecidos e abandonados, visitar idosos e doentes, partilhar bens com pobres e necessitados, aconselhar hesitantes e transmitir-lhes a sabedoria da vida, denunciar injustiças e solidarizar-me com quem faz reivindicações justas, cuidar do equilíbrio do ambiente, anunciar a novidade de Deus que brilha nas aspirações profundas do coração humano e faz erguer a sua voz discreta nos gemidos da humanidade, professar a fé católica, sem inibições nem arrogâncias.

Santo Agostinho, numa das suas catequeses sobre o Advento, afirma que João era a voz, mas o Senhor, no princípio, era a Palavra. João era a voz, passageira; Cristo, a Palavra eterna desde o princípio”.Suprimi a palavra e em que se torna a voz? Esvaziada de sentido, é apenas um ruído. A voz sem palavras ressoa ao ouvido, mas não alimenta o coração”.

E o Papa Francisco faz-nos um convite singular: “Olha o profundo do teu coração, vê o íntimo de ti mesmo e faz a pergunta: tens um coração adormecido ou desejas grandes coisas? O teu coração conserva a inquietude da busca ou está sufocado pelos bens que acabam por o atrofiar? E continua a perguntar: Necessito de Jesus, para quê? Que me oferece ele com a sua vinda? É a sua oferta que eu, sinceramente, quero receber?”

São Paulo, na carta aos cristãos de Filipos, lida hoje, dá graças a Deus pelo bem que eles realizam e declara: “ Por isso, lhe peço que a vossa caridade cresça cada vez mais em ciência e discernimento para que possais distinguir o que é melhor e vos torneis puros e irrepreensíveis para o dia de Cristo, na plenitude dos frutos da justiça que se obtém por Jesus Cristo, para louvor da glória de Deus”. Bela oração que é testemunho a acolher e exemplo a imitar. Bom advento de Natal!

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