quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

CABRAL HOJE, AMANHÃ E SEMPRE!


Conferência Liderar para Servir: Entre a Mobilização, o Exemplo e o Espírito de Sacrifício.

Por, Dr. Edson Incopté

Ousadia tamanha esta a nossa de RE(A)CORDAR CABRAL, um dia após a data da sua morte (46 anos), sob uma perspetiva tão particular de liderança, como é o caso da liderança pelo serviço.

Porém, a nossa ousadia é motivada por aquilo que entendemos ser uma urgente necessidade de reformularmos, enquanto sociedade e actores políticos e sociais o conceito de liderança.

Pelo que queremos então, com esta nossa ousadia, propor-vos um caminho… um caminho de reflexão cujo destino é a aprendizagem com a história que, pese embora não se repete, dá as gerações uma luz sobre o seu presente, permitindo-lhes compreender, tirar ilações dos erros e acertos do passado, para assim encontrar o alento necessário para enfrentar o presente, na continua luta por um futuro mais prospero.

Mais do que figura de proa da nossa história, Amílcar Cabral é hoje, por si só história – da Guiné-Bissau, de Cabo-Verde, da África e do Mundo! História pela qual podemos muito beber e inspirar; sob diversos prismas. E hoje, importa para nós o prisma da sua liderança, do seu serviço prestado a todos nós.

Como todo o caminho a ser feito tem o seu ponto de partida… comecemos então o nosso caminho pelo ponto primeiro.

PONTO PRIMEIRO: Reflexões sobre o Eu.

"Amílcar Cabral nasceu em Bafatá em 1924, mas seguiria aos 8 anos com o pai para Santiago, para viver com a madrasta e os irmãos (da parte do pai). A mãe o reencontraria dois anos depois para, com muito esforço, se encarregar dos seus estudos…
…se o ambiente familiar influenciou a sua personalidade, a dupla identidade (guineense e cabo-verdiana) e as vivências das crises de seca e fome marcar-lhe-iam o futuro."

A liderança, enquanto processo, tem, inevitavelmente, como ponto de partida, as nossas revoltas, motivações, ambições pessoais. Ou seja, é absolutamente legítimo, termos os nossos interesses pessoais – naturais em qualquer ser humano e Cabral não fugia a regra.

Porém, na legitimidade das suas ambições pessoais, cabe ao líder um exercício de construção pessoal que passa por se conhecer a si mesmo, tendo consciência das suas forças e fraquezas, no sentido de se autodisciplinar, auto-regular, para assim encaixar a si e as suas ambições pessoais num todo colectivo. Só por meio desse encaixe, que o permite agregar os interesses e ambições de outros a sua volta, o líder consegue conquistar a confiança necessária para influenciar, mobilizar e inspirar quem está ao seu redor para o alcance dos objectivos colectivos, onde todos sentem e vêem os seus objectivos pessoais, igualmente, satisfeitos.

Aqui fazemos a nossa primeira paragem, no que nos propõe a conferência: A MOBILIZAÇÃO.

A liderança servidora não se baseia no poder e na autoridade conferida a uma pessoa, mas na confiança do outro, intimamente ligada a capacidade de influenciar, mobilizar, inspirar e motivar de um líder, para o bem do colectivo. Isto é, a capacidade de mobilização de um líder provém da aptidão de fazer com que os outros revejam os seus interesses nos interesses do próprio líder e do colectivo. Gerando assim uma confiança reciproca entre o líder e os seus liderados e entre estes. Isso, por sua vez, pressupõe uma predisposição para estar com e entre os liderados, conhecendo-os particularmente, os seus interesses e aspirações. Um líder que se distancia dos seus liderados, colocando-se num pedestal, perder essa capacidade de estar com e entre os liderados, para assim os conhecer particularmente e os seus interesses e aspirações.

E assim chegamos ao ponto segundo do nosso caminho.

PONTO SEGUNDO: Reflexões sobre o outro.

"Após a morte do pai, em Março de 1952, Amílcar Cabral voltou à Guiné, contratado pelo Ministério do Ultramar como adjunto dos serviços agrícolas e florestais, iniciando os trabalhos na Granja Experimental de Pessube, percorrendo depois a Guiné de ponta a ponta para o recenseamento agrícola…
…é muito provável que esta tarefa de recenseamento tenha exercido uma influência muito profunda no futuro político que veio a ter."

Nessa constante busca do líder pela congregação de interesses e aspirações, cabe-lhe o fundamental exercício de se colocar no lugar do outro. Isso é, a sensibilidade para se rever no outro, fazendo dele parte de nós e de um todo, não lhe sendo indiferente, é catalisador de confiança, sobretudo quando esse outro compreende que tínhamos a nossa disposição outras opções; que seguindo o nosso caminho, teríamos todas as condições para a obtenção do sucesso individual.

E aqui fazemos a nossa segunda paragem, no que nos propõe a conferência: O EXEMPLO.

Na liderança servidora, por ventura, como em tudo na vida, são, em absoluto, as nossas acções e atitudes que nos dão legitimidade para falar! Com elas ganhamos ou perdemos legitimidade. O mesmo é dizer que as nossas ações e atitudes, que se consubstanciam em nosso exemplo, chegam sempre em primeiro e falam muito mais alto do que aquilo que possamos dizer por palavras. Quando as palavras não acompanham a capacidade do líder de ser e dar o exemplo, caí, inevitavelmente, na incoerência: porta pequena de saída de um líder. Pois a incoerência conduz a perda de credibilidade e, consequentemente, de influência, caindo por terra toda a capacidade de mobilização.

E é pelo exemplo que chegamos ao ponto terceiro do nosso caminho.

PONTO TERCEIRO: Reflexão sobre a sujeição.

"Na carta aos camaradas do PAI e da Frente de Libertação da Guiné e Cabo-Verde, de Junho de 1960, Cabral termina pedindo “dêem-me notícias da minha família.”
…Entre outros factos que isso revelam, como a rejeição do trabalho com o regime colonial que lhe garantiria melhores condições de vida, o pedido, expresso na carta, revela-nos mais uma escolha feita por Cabral, em que monstro a capacidade de subordinar e até de abdicar dos seus interesses e ambições pessoais em prol do interesse colectivo."

Ora se no prisma da liderança servidora, é líder aquele que tem a capacidade de congregar interesses e por via disso conquistar a confiança dos seus liderados, é, em grande medida, na capacidade de subordinar os seus legítimos interesses aos interesses do colectivo que reside a sua força. A força que lhe permite tocar e chegar aos outros.

É nessa força que fazemos a nossa terceira paragem, no que nos propõe a conferência: O ESPRÍRITO DE SACRIFÍCIO.

O espírito de sacrifício é algo transversal a todos os grandes lideres que, pela positiva, marcaram a humanidade. É nele que revelam a sua resiliência transmitindo força aos que estão ao seu redor como segurança no percurso definido. Isto é, o líder é a reserva primordial de segurança dos liderados, é nele que vislumbram a garantia de segurança dos seus interesses e aspirações.

Em suma, olhando para os nossos três pontos e para as nossas três paragens ao longo do caminho, compreendemos que a capacidade de MOBILIZAÇÃO, é, em grande medida, fruto do EXEMPLO do líder, é no peso do seu exemplo que reside a sua força mobilizadora, e o exemplo tem, por sua vez, como expoente máximo o ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO. É por via deste que o líder revela toda a sua disponibilidade para o colectivo e para a causa comum.

Chegando ao nosso destino, que era a aprendizagem com a história, a história que, por si só, o Amílcar Cabral representa, queremos deixar como registo, para que outros aprendam, que a sua liderança foi, absolutamente, pelo serviço porque teve como alicerces a capacidade de congregar interesses e na vontade de todo um povo, procurar soluções para problemas concretos; porque não se baseou na verticalidade hierárquica ou na lógica de poder individual, mas sim na capacidade de promover um registo relacional e interdependente, que lhe permitiu potenciar as capacidades dos outros a sua volta em prol do bem comum.

CABRAL HOJE, AMANHÃ E SEMPRE!
Muito obrigado a todos.

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