Conferência Liderar para Servir: Entre a Mobilização, o Exemplo e o Espírito de Sacrifício.
Ousadia tamanha esta a nossa de
RE(A)CORDAR CABRAL, um dia após a data da sua morte (46 anos), sob uma
perspetiva tão particular de liderança, como é o caso da liderança pelo
serviço.
Porém, a nossa ousadia é motivada por
aquilo que entendemos ser uma urgente necessidade de reformularmos, enquanto
sociedade e actores políticos e sociais o conceito de liderança.
Pelo que queremos então, com esta nossa
ousadia, propor-vos um caminho… um caminho de reflexão cujo destino é a
aprendizagem com a história que, pese embora não se repete, dá as gerações uma
luz sobre o seu presente, permitindo-lhes compreender, tirar ilações dos erros
e acertos do passado, para assim encontrar o alento necessário para enfrentar o
presente, na continua luta por um futuro mais prospero.
Mais do que figura de proa da nossa
história, Amílcar Cabral é hoje, por si só história – da Guiné-Bissau, de
Cabo-Verde, da África e do Mundo! História pela qual podemos muito beber e
inspirar; sob diversos prismas. E hoje, importa para nós o prisma da sua
liderança, do seu serviço prestado a todos nós.
Como todo o caminho a ser feito tem o
seu ponto de partida… comecemos então o nosso caminho pelo ponto primeiro.
PONTO
PRIMEIRO: Reflexões sobre o Eu.
"Amílcar Cabral nasceu em Bafatá em
1924, mas seguiria aos 8 anos com o pai para Santiago, para viver com a
madrasta e os irmãos (da parte do pai). A mãe o reencontraria dois anos depois
para, com muito esforço, se encarregar dos seus estudos…
…se o ambiente familiar influenciou a
sua personalidade, a dupla identidade (guineense e cabo-verdiana) e as
vivências das crises de seca e fome marcar-lhe-iam o futuro."
A liderança, enquanto processo, tem,
inevitavelmente, como ponto de partida, as nossas revoltas, motivações,
ambições pessoais. Ou seja, é absolutamente legítimo, termos os nossos
interesses pessoais – naturais em qualquer ser humano e Cabral não fugia a
regra.
Porém, na legitimidade das suas ambições
pessoais, cabe ao líder um exercício de construção pessoal que passa por se
conhecer a si mesmo, tendo consciência das suas forças e fraquezas, no sentido
de se autodisciplinar, auto-regular, para assim encaixar a si e as suas
ambições pessoais num todo colectivo. Só por meio desse encaixe, que o permite
agregar os interesses e ambições de outros a sua volta, o líder consegue
conquistar a confiança necessária para influenciar, mobilizar e inspirar quem
está ao seu redor para o alcance dos objectivos colectivos, onde todos sentem e
vêem os seus objectivos pessoais, igualmente, satisfeitos.
Aqui fazemos a nossa primeira paragem,
no que nos propõe a conferência: A MOBILIZAÇÃO.
A liderança servidora não se baseia no
poder e na autoridade conferida a uma pessoa, mas na confiança do outro, intimamente
ligada a capacidade de influenciar, mobilizar, inspirar e motivar de um líder,
para o bem do colectivo. Isto é, a capacidade de mobilização de um líder provém
da aptidão de fazer com que os outros revejam os seus interesses nos interesses
do próprio líder e do colectivo. Gerando assim uma confiança reciproca entre o
líder e os seus liderados e entre estes. Isso, por sua vez, pressupõe uma
predisposição para estar com e entre os liderados, conhecendo-os
particularmente, os seus interesses e aspirações. Um líder que se distancia dos
seus liderados, colocando-se num pedestal, perder essa capacidade de estar com
e entre os liderados, para assim os conhecer particularmente e os seus
interesses e aspirações.
E assim chegamos ao ponto segundo do
nosso caminho.
PONTO
SEGUNDO: Reflexões sobre o outro.
"Após a morte do pai, em Março de
1952, Amílcar Cabral voltou à Guiné, contratado pelo Ministério do Ultramar
como adjunto dos serviços agrícolas e florestais, iniciando os trabalhos na
Granja Experimental de Pessube, percorrendo depois a Guiné de ponta a ponta
para o recenseamento agrícola…
…é muito provável que esta tarefa de
recenseamento tenha exercido uma influência muito profunda no futuro político
que veio a ter."
Nessa constante busca do líder pela
congregação de interesses e aspirações, cabe-lhe o fundamental exercício de se
colocar no lugar do outro. Isso é, a sensibilidade para se rever no outro,
fazendo dele parte de nós e de um todo, não lhe sendo indiferente, é
catalisador de confiança, sobretudo quando esse outro compreende que tínhamos a
nossa disposição outras opções; que seguindo o nosso caminho, teríamos todas as
condições para a obtenção do sucesso individual.
E aqui fazemos a nossa segunda paragem,
no que nos propõe a conferência: O EXEMPLO.
Na liderança servidora, por ventura,
como em tudo na vida, são, em absoluto, as nossas acções e atitudes que nos dão
legitimidade para falar! Com elas ganhamos ou perdemos legitimidade. O mesmo é
dizer que as nossas ações e atitudes, que se consubstanciam em nosso exemplo,
chegam sempre em primeiro e falam muito mais alto do que aquilo que possamos
dizer por palavras. Quando as palavras não acompanham a capacidade do líder de
ser e dar o exemplo, caí, inevitavelmente, na incoerência: porta pequena de
saída de um líder. Pois a incoerência conduz a perda de credibilidade e,
consequentemente, de influência, caindo por terra toda a capacidade de
mobilização.
E é pelo exemplo que chegamos ao ponto
terceiro do nosso caminho.
PONTO
TERCEIRO: Reflexão sobre a sujeição.
"Na carta aos camaradas do PAI e da
Frente de Libertação da Guiné e Cabo-Verde, de Junho de 1960, Cabral termina
pedindo “dêem-me notícias da minha família.”
…Entre outros factos que isso revelam,
como a rejeição do trabalho com o regime colonial que lhe garantiria melhores
condições de vida, o pedido, expresso na carta, revela-nos mais uma escolha
feita por Cabral, em que monstro a capacidade de subordinar e até de abdicar
dos seus interesses e ambições pessoais em prol do interesse colectivo."
Ora se no prisma da liderança servidora,
é líder aquele que tem a capacidade de congregar interesses e por via disso
conquistar a confiança dos seus liderados, é, em grande medida, na capacidade
de subordinar os seus legítimos interesses aos interesses do colectivo que
reside a sua força. A força que lhe permite tocar e chegar aos outros.
É nessa força que fazemos a nossa
terceira paragem, no que nos propõe a conferência: O ESPRÍRITO DE SACRIFÍCIO.
O espírito de sacrifício é algo
transversal a todos os grandes lideres que, pela positiva, marcaram a
humanidade. É nele que revelam a sua resiliência transmitindo força aos que
estão ao seu redor como segurança no percurso definido. Isto é, o líder é a
reserva primordial de segurança dos liderados, é nele que vislumbram a garantia
de segurança dos seus interesses e aspirações.
Em suma, olhando para os nossos três
pontos e para as nossas três paragens ao longo do caminho, compreendemos que a
capacidade de MOBILIZAÇÃO, é, em grande medida, fruto do EXEMPLO do líder, é no
peso do seu exemplo que reside a sua força mobilizadora, e o exemplo tem, por
sua vez, como expoente máximo o ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO. É por via deste que o
líder revela toda a sua disponibilidade para o colectivo e para a causa comum.
Chegando ao nosso destino, que era a
aprendizagem com a história, a história que, por si só, o Amílcar Cabral
representa, queremos deixar como registo, para que outros aprendam, que a sua
liderança foi, absolutamente, pelo serviço porque teve como alicerces a
capacidade de congregar interesses e na vontade de todo um povo, procurar
soluções para problemas concretos; porque não se baseou na verticalidade
hierárquica ou na lógica de poder individual, mas sim na capacidade de promover
um registo relacional e interdependente, que lhe permitiu potenciar as capacidades
dos outros a sua volta em prol do bem comum.
CABRAL HOJE, AMANHÃ E SEMPRE!
Muito obrigado a todos.
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