"Nós queremos que tudo quanto conquistarmos nesta luta pertença ao nosso povo e temos que fazer o máximo para criar uma tal organização que mesmo que alguns de nós queiram desviar as conquistas da luta para os seus interesses, o nosso povo não deixe. Isso é muito importante." Amílcar Lopes Cabral
Um princípio fundamental da nossa luta é
que a nossa luta é a luta do nosso povo, e o nosso povo é que tem que a fazer,
e o seu resultado é para o nosso povo.
Os camaradas já compreenderam bem o que
é o povo. O problema que pomos agora é o seguinte: Mas o nosso povo está a
lutar contra quem?
Claro que a luta dum povo é sua, de
facto, se a razão dessa luta for baseada nas aspirações, nos sonhos, nos
desejos de justiça, de progresso do próprio povo, e não nas aspirações, sonhos
ou ambições de meia dúzia de pessoas, ou de um grupo de pessoas que tem alguma
contradição com os próprios interesses do seu povo.
Contra quem é que o nosso povo tem que
lutar? Desde o começo nós dissemos claramente. Nós, como colónias de Portugal
na Guiné e em Cabo Verde, somos dominados pelo estrangeiro, mas não são todos
os estrangeiros que nos dominam e, dentro de Portugal, não são todos os
portugueses que nos dominam.
Aquela força, aquela opressão que está a
ser exercida sobre nós, vem da classe dirigente de Portugal, da burguesia
capitalista portuguesa, que tanto explora o povo de Portugal, como explora o
nosso povo. E, como sabemos bem, a classe dirigente de Portugal a classe
colonialista de Portugal, está ligada à dominação do mundo por outras classes
doutros países, formando juntas, a dominação imperialista. Está ligada ao
conjunto das forças capitalistas do mundo que, dominando os seus próprios
países, têm necessidade vital de dominar outros povos, outros países, tanto
para terem matérias-primas para a sua indústria, como para terem mercados para
os seus produtos. Por isso, nós somos dominados pela classe capitalista
colonialista portuguesa ligada ao imperialismo mundial.
O nosso povo está, portanto, a lutar
contra a classe colonialista capitalista portuguesa e, lutando contra ela, está
a lutar necessariamente contra o imperialismo, porque ela é um pedaço, embora
pequenino e mesmo podre, do imperialismo. Assim, nós sabemos contra quem é que
lutamos. Mas nós enfrentamos o problema não só da libertação mas também do
progresso do nosso povo.
“ Cada responsável deve assumir com coragem as suas responsabilidades deve exigir dos outros respeitos e deve respeitar a actividade dos outros. ”
E, nessa base, vemos logo que a nossa
luta não pode ser só contra estrangeiros, tem que ser também contra alguma
gente dentro da nossa terra. O nosso povo tem que lutar ao mesmo tempo contra
os seus inimigos de dentro. Quem? Toda aquela camada social da nossa terra, ou
classes da nossa, terra, que não querem o progresso do nosso povo, mas querem
só o seu progresso, das suas famílias, da sua gente. É por isso que dizemos que
a luta do nosso povo é contra tudo quanto seja contrário à sua liberdade e
independência, mas também contra tudo quanto seja contrário ao seu progresso e
à sua felicidade.
A luta, na nossa terra, tem que ser
feita pelo nosso povo. Não podíamos de maneira nenhuma pensar em libertar a nossa
terra, em fazer a paz e o progresso da nossa terra, chamando gente de fora
(estrangeiros) para virem lutar por nós. Na Guiné e em Cabo Verde nós é que
temos que lutar, nós é que temos que lançar mão de todos os meios para lutar. E
assim de facto tem acontecido.
Na conversa hoje vulgar do nosso Partido
pergunta-se assim: «tu és povo?» Ele responde: «Não, eu sou exército». «Tu és
povo?» «Não, eu sou milícia». «Tu és povo?» «Não, eu sou responsável». Essa é a
nossa conversa vulgar, mas toda essa gente é povo. Basta vermos donde saíram os
nossos combatentes, os nossos responsáveis, os nossos dirigentes, para
sentirmos que todos eles são povo da nossa terra. Como é normal, na luta armada
na Guiné, a maioria das pessoas é da Guiné mesmo e, como também é normal, na
luta em Cabo Verde, a maioria das pessoas é de Cabo Verde mesmo, porque Guiné e
Cabo Verde estão separados pelo mar e não é fácil transferir grandes forças de
um lado para o outro.
Mas não há dúvida nenhuma de que é o
nosso povo que faz a nossa luta, através dos seus filhos, militantes,
dirigentes, combatentes, milicianos, etc. A força fundamental é o nosso povo,
ele mesmo. A nossa população, se querem melhor, a população ligada ao trabalho
do nosso Partido, mobilizada pelo nosso Partido, organizada pelo nosso Partido,
que desde o começo tem alimentado a nossa luta, suportado sacrifícios para a
nossa luta, tem sido a força principal da nossa luta. Não era possível fazermos
a nossa luta, na época da clandestinidade, se não fosse o nosso povo que nos tivesse
feito viver no seu seio como peixe na água.
O inimigo sabe que é o nosso próprio
povo que participa na luta, e então faz força para ver se separa aquela parte
do nosso povo que é Partido da parte do nosso povo que é população, para poder
tirar-nos essa força principal na luta de libertação, que é o apoio das massas
populares.
Podemos dizer que a nossa luta tem tanto
mais possibilidades de vitória, quanto mais soubermos conservar do nosso lado o
apoio das massas populares da nossa terra. Eles também, os tugas, sabem disso,
e por isso é que fazem toda a força para nos tirarem esse apoio.
A nossa luta é para o nosso povo, porque
o seu objectivo, o seu fim é satisfazer as aspirações, os sonhos, os desejos do
nosso povo: ter uma vida digna, decente, como todos os povos do mundo desejam,
ter a paz para construir o progresso na sua terra, para construir a felicidade
para os seus filhos. Nós queremos que tudo quanto conquistarmos nesta luta
pertença ao nosso povo e temos que fazer o máximo para criar uma tal
organização que mesmo que alguns de nós queiram desviar as conquistas da luta
para os seus interesses, o nosso povo não deixe. Isso é muito importante.
O nosso povo hoje sente bem que a luta é
sua de facto, não só porque são os seus filhos que têm as armas nas mãos, não
só porque são os seus filhos que vão estudar para se formarem como quadros,
enfermeiros, médicos, engenheiros, agentes técnicos, etc., não só porque são os
seus filhos que dirigem, mas também porque, mesmo nas tabancas, os milicianos
ou a população pegaram naquela coisa principal que simboliza a nossa luta: a
arma. Não é por acaso nem por nenhuma outra razão, que a direcção do nosso
Partido tem dado armas, cada dia mais, à nossa população. É exactamente para
que ninguém crie na sua cabeça a ideia de que só aqueles que pegaram em armas,
no exército popular ou na guerrilha, é que de facto lutam para conseguir
resultados nesta luta. Quanto mais armas nas mãos da nossa gente, mais certeza
para a nossa população e o nosso povo de que a luta é mesmo sua, e menos
ilusões na cabeça dos nossos combatentes e dirigentes de que a luta é só para
eles.
Nós estamos a lutar para o progresso da
nossa terra, temos que fazer todos os sacrifícios para conseguirmos o progresso
da nossa terra, na Guiné e em Cabo Verde. Temos que acabar com todas as
injustiças, todas as misérias, todos os sofrimentos. Temos que garantir às
crianças que nascem na nossa terra, hoje e amanhã, a certeza de que nenhum
muro, nenhuma parede será posta diante delas. Elas têm que ir para a frente,
conforme a sua capacidade, para darem o máximo, para fazerem o nosso povo e a
nossa terra cada vez melhores, servindo não só os nossos interesses mas também
os interesses da África, os interesses da humanidade inteira. Por isso mesmo,
desde o começo, o nosso Partido lançou mão do melhor caminho que há para isso,
que é a organização, baseada na mobilização do nosso povo, a mobilização da
população da nossa terra para a luta contra o colonialismo português.
O nosso Partido preparou filhos da nossa
terra para mobilizar o povo da nossa terra. Não foi nenhum trabalho de
brincadeira. Muitos que aqui estão, rapazes novos, hoje responsáveis do
Partido, não podem imaginar quanto foi difícil esse trabalho. Além disso,
organizámos, no quadro do nosso Partido, grande parte da população da nossa
terra. Essa é que foi e é a força política principal da nossa luta, que deu
possibilidades à nossa luta para avançar tanto como tem avançado. E nós temos
que preparar o nosso povo, temos que nos preparar, dirigentes e militantes do
nosso Partido, os nossos combatentes que se sacrificam hoje, para defender, custe
o que custar, as conquistas que o nosso povo está a realizar através da sua
luta.
Hoje os filhos do mato da nossa terra,
que ontem não tinham opinião nenhuma em relação à sua própria vida, ao seu
destino, podem dar a sua opinião, podem decidir, desde a questão dos Comités do
Partido, até aos tribunais populares, nos quais os filhos da nossa terra têm
mostrado capacidade de julgar os erros, os crimes, e outras faltas cometidas
por outros filhos da nossa terra.
Essa é mais uma prova clara de que esta
luta é do nosso povo, feita pelo nosso povo e para o nosso povo.
Mas vários camaradas do nosso Partido,
tanto altos responsáveis como pequenos, seja até simples combatentes, não têm
compreendido isso muito bem. Têm tentado fazer a luta um bocado no seu interesse,
eles afinal é que são o povo. A luta é do nosso povo, feita pelo nosso povo,
mas para eles. Esse é dos erros mais graves que se podem cometer numa luta como
a nossa. Não podemos permitir de maneira nenhuma que as nossas Forças Armadas,
os nossos militantes ou os nossos responsáveis, se esqueçam, por um momento que
seja, que a maior consideração, o maior respeito, a maior dedicação, devem ser
para o povo da nossa terra, para as nossas populações, sobretudo nas áreas
libertadas da nossa terra. Quem está disposto a morrer com um tiro qualquer,
nesta guerra, mas que é capaz de faltar ao respeito aos filhos do nosso povo,
às gentes das tabancas, à população, morre sem saber porque é que está a morrer
ou então morre enganado.
Tudo quanto nós possamos fazer na nossa
terra para levantar o moral do nosso povo, para dar-lhe mais coragem, mais
entusiasmo pelo Partido, isso serve o presente e o futuro do nosso povo, serve
o nosso Partido. Tudo quanto se possa fazer para tirar a confiança da população
em nós, para castigar a população, para mostrar falta de consideração pela
nossa população, para roubar os bens da população, para abusar nos filhos da
população, seja homem ou mulher, é o maior crime que um camarada combatente ou
responsável pode fazer, prejudicando o nosso Partido, prejudicando o futuro e o
presente da nossa terra.
É melhor sermos poucos, mas incapazes de
fazer qualquer mal que seja à população da nossa terra, do que sermos muitos,
mas com gente capaz de fazer mal. Porque quem, no nosso meio, faz a nossa
população virar-se contra o nosso Partido, por exemplo, desconfiar do Partido,
perder confiança no Partido, esse é o melhor servidor dos tugas. Talvez ele não
entenda, mas ele é o melhor servidor dos tugas que pode haver. E os camaradas
sabem —e o que eu estou a dizer não é imaginação —que há camaradas nossos que
agiram mal em relação à nossa população.
Felizmente, as coisas têm melhorado
muito, porque o Partido tem estado vigilante em relação a isso.
Devemos fixar, portanto, em cada momento
desta grande luta que estamos a fazer, duas Mapas:
Uma, contra as classes dirigentes
capitalistas colonialistas de Portugal e o imperialismo que querem dominar a
nossa terra, económica e politicamente; outra, contra todas as forças, dentro
da nossa terra, forças materiais ou de espírito (quer dizer: de cabeça e de
ideias), que possam levantar-se contra o progresso do nosso povo no caminho da
liberdade, da independência e da justiça. E, para isso, luta corajosa contra os
criminosos colonialistas portugueses e vigilância rigorosa contra os agentes
imperialistas. Mas também luta permanente e decidida contra aqueles que, mesmo
sendo militantes, responsáveis ou dirigentes do Partido, fazem qualquer coisa
que possa prejudicar a marcha do nosso povo para a conquista completa da sua
dignidade, da sua liberdade e do seu progresso.
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