sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Guiné-Bissau: A Libertação Nacional (reconquista da história africana)

Por: Filósofo Guineense, Dr. Quintino Na N´duk

Introdução.

Os objectivos deste trabalho dividem-se em quadro pontos principais, a saber: em primeiro lugar, a dominação imperialista. Observaremos que para Amílcar Cabral, ela é a última fase da evolução do capitalismo. Constataremos que a dominação consiste em duas fases: a dominação directa (clássica) e a dominação indirecta (neocolonialismo), ambas visando o mesmo objectivo. Veremos que ambas as formas de dominação não podem ser combatidas da mesma maneira

Em segundo lugar, ver-se-á que para Cabral, a cultura e libertação nacional têm uma relação mútua na luta contra a dominação estrangeira. Neste sentido, iremos observar que a cultura se afigurava para ele «como factor da resistência» contra a dominação imperialista. Por outro lado, abordaremos a questão da política da assimilação, e contemplaremos que o papel do imperialismo consiste em negar a cultura do povo dominado, por ser o elemento principal da sua história. Não obstante, dar-se-á a ver que um povo sem cultura é um povo sem «forças produtivas», ou seja, sem «modo de produção» próprio, consequentemente, será um povo sem história.

Em terceiro lugar, faremos a questão de demonstrar o papel que a cultura desempenha na preservação da identidade dos povos dominados. Tomaremos como exemplo, a Guiné e observaremos que é nas sociedades de estrutura horizontal que havia a tendência para a preservação da identidade cultural e também a resistência contra o domínio colonialista na Guiné.

Por fim, veremos que para Cabral «a força motora da história» não é «a luta de classes» como os marxistas diziam. Segundo ele, isso significa deixar fora da história vários agrupamentos humanos. Portanto, veremos que para Amílcar Cabral, a força motora da história é «o modo de produção», ou seja, o nível das «forças produtivas» de cada povo.

Portanto, o objectivo principal deste trabalho consiste em dar a ver que para Cabral, existe a história antes da luta de classes e existirá depois dela. Para estes efeitos, iremos a abordar esses temas a partir da seguinte obra: «a arma da teoria» de Amílcar Cabral.

1. A dominação Imperialista

Ao longo da história da humanidade, vários povos foram dominados por outros povos de culturas diferentes das deles. Por isso, a dominação por si mesma, é um acontecimento histórico que marcou a vida de vários povos e os seus efeitos persistem ainda hoje, na vida desses povos que foram outrora dominados. Ora, Amílcar Cabral, sendo um pensador africano como muitos outros pensadores africanos, não poderia ficar alheio a esse fenómeno. Como é de nosso conhecimento, a Etiópia é o único país do continente africano que não foi colonizado. E todos os restantes países foram submetidos a dominação estrangeira. A Guiné-Bissau, a terra natal de Amílcar Cabral, foi um dos países africanos que sofreu de sobremaneira com esse fenómeno histórico.

Cremos que foi essa a razão, que levou Amílcar Cabral, no decurso do seu pensamento revolucionário, a reflectir sobre a história a partir do conceito do imperialismo. Segundo ele, o imperialismo “pode ser definido como a expressão mundial da procura gananciosa e da obtenção cada vez maiores de mais-valias pelo capital monopolista e financeiro, acumulado…”. É essa procura incessante de maisvalias, que fez com que vários povos fossem dominados aos longos de vários os séculos. Na opinião do Prof. Julião Sousa, para Amílcar Cabral, “o uso da violência contra o imperialismo, na sua fase do colonialismo clássico, era considerado imprescindível com intuito de travar a violência colonial” que se exercia sobre os povos colonizados. Não obstante, poderíamos dizer que esse uso da violência é justo da parte destes últimos contra o seu agressor.

Para Prof. Julião Sousa, a adopção do uso da violência contra o imperialismo, “não devia ser um exercício cego: exigia um conhecimento profundo acerca da natureza do inimigo e das formas em que tentava perpetuar a sua dominação política, económica e cultural sobres os povos dominados”. Esse conhecimento permitiria com que o movimento da luta de libertação nacional soubesse como o inimigo actuava. Segundo este autor, isso “afigurava-se extremamente importante para o movimento de libertação nacional e a sua liderança”. Portanto, tornava-se urgente no caso da Guiné e Cabo Verde, pôr fim a esta prática que podemos classificar de diabólica contra os povos dominados com um movimento como o PAIGC liderado por um homem como o próprio Cabral.

Por outro lado, Cabral reconhece que a dominação imperialista “mostra ser na realidade a fase última da evolução do capitalismo…”. Segundo ele, essa evolução “foi uma necessidade da história, uma consequência do desenvolvimento das forças produtivas e das transformações do modo de produção” da humanidade. No entanto, temos de reconhecer que o imperialismo não é a única necessidade da história, porque na opinião de Amílcar Cabral, também “o são no presente a libertação nacional dos povos, a destruição do capitalismo e o advento do socialismo”. E todos eles são necessidades da história como o é o imperialismo. Não obstante, afirmava que a dominação imperialista surtiu efeitos negativos “sobre a estrutura social e o processo histórico” dos povos dominados.

Segundo Prof. Julião Sousa, Cabral pensava que a dominação imperialista se processava através das seguintes formas: como dominação directa (isto é, colonialismo clássico) e como dominação indirecta (neocolonialismo). No primeiro caso, Amílcar Cabral referia-se à dominação como aquela das colonias portuguesas em África, e, no segundo, aos Estados africanos que já eram independentes, mas que não eram totalmente independentes . Para este autor:
“Nesta fase da dominação indirecta, a acção do imperialismo orienta-se, sobretudo, para o aprazamento da marcha da Revolução e, por conseguinte, para a manutenção da exploração do homem pelo homem, um dos maiores obstáculos, na opinião do líder do PAIGC, ao desenvolvimento e progresso do povo, para além da libertação nacional”. 

Por conseguinte, esta observação que acabámos de ver mostra-nos quão preocupado Amílcar Cabral estava com a questão do neocolonialismo. Porque sabia que não bastava aos povos dominados acabarem com a dominação directa, também era necessário que não deixassem o seu prolongamento através “de uma pseudo-burguesia nativa”. Por outro lado, diz-nos ainda o Prof. Julião, que “o neocolonialismo não consentia, por exemplo, que essa pseudo-burguesia assumisse a sua função nacionalista e orienta-se livremente desenvolvimento das forças produtivas de modo a estimular o aumento de contradições e a necessária transformação do modo de produção” dos povos recém-liberto da dominação imperialista

Na sua opinião, Cabral “reconhecia que o imperialismo não fora capaz de fazer emergir, nos territórios que dominava, uma burguesia local ou de favorecer a acumulação do capital”. Pelo contrário, acontecera o inverso do que se podia esperar. Isto porque através da dominação directa e indirecta, o imperialismo “tivera um efeito catastrófico sobre a estrutura social” dos povos que outrora dominava, e impedindo-os de serem independentes politicamente e financeiramente. De facto, o próprio Cabral reconheceu isso, daí a sua afirmação de que:
«tanto no colonialismo como no neocolonialismo, permanece a característica essencial de dominação imperialista – a negação do processo histórico do povo dominado, por meio da usurpação violenta da liberdade do processo de desenvolvimento das forças produtivas nacionais». 

Para Cabral, perceber que essas duas formas da dominação imperialista são duas faces da mesma moeda, afigura-se “ser de importância primordial para o pensamento e a acção dos movimentos de libertação nacional, tanto no decorrer da luta como após a conquista da independência”  por parte dos povos que tinham sidos dominados. Com efeito, a libertação nacional por ser uma necessidade da história como ficou demonstrado a pouco, podemos dizer de acordo com Amílcar Cabral, que “é o fenómeno que consiste em um conjunto socioeconómico negar a negação do seu processo histórico. Em outros termos, a libertação dum povo é a reconquista da personalidade histórica desse povo, é o seu regresso à história, pela destruição da dominação imperialista a que esteve sujeito”. A negação do imperialismo neste sentido seria pertinente, para que a libertação nacional pudesse afigurar como a reconquista do carácter histórica desse povo.

Se olharmos para o discurso que Amílcar Cabral proferiu num seminário organizado pelo Centro Franz Fanon de Milão, em 1964, poderemos concluir que no seu entender, o neocolonialismo não passava de um simples meio do imperialismo:
“Com a finalidade de se perpetuar, utilizará o instrumento neocolonialista para fazer é desfazer Estados, em seguida, matará os fantoches quando estes se tiverem tornado inúteis e criará, se for necessário, um socialismo que alguns se apressarão a chamar neosocialismo»”. 

Naquela época, este discurso de Cabral podia não fazer sentido, mas hoje diríamos que é um discurso profético. Porque tinha previsto o que viria a acontecer com os líderes dos Estados neocolonialistas. A pergunta que se faz é a seguinte: quantos deles foram mortos (isto é, os fantoches) e quantos morrerão ainda? Ninguém sabe quantos. Talvez o imperialismo venha, um dia, a ser considerado como a arma mais mortífera contra a humanidade. Porque não se limita apenas a matar os seus “fantoches”, isto é, “pseudoburguesia nativa”, mas também mata os líderes que representam a esperança e o sonho de uma vida melhor para os seus povos. Como foi o próprio caso de Amílcar Cabral, de Patrice Lumumba e de Thomas Sankara ex-presidente de Burquina Faso etc.

Para Amílcar Cabral, só se pode afirmar que “há libertação nacional quando e só quando as forças produtivas nacionais são completamente libertadas de toda e de qualquer espécie de dominação estrangeira”. Essa ideia era partilhada por vários líderes africanos, o exemplo concreto disso, foi o caso de Zimbabwe. Todavia, para Cabral mesmo que a situação colonial e a neocolonial sejam idênticas na sua essência, a forma de combater contra o imperialismo seja o neocolonialista, afigurar-se na prática ser distinta. Contra o primeiro, a estrutura horizontal da sociedade nativa (por exemplo, a sociedade Balanta na Guiné), sem um poder político integrado por elementos nacionais, possibilitam segundo ele, a criação de uma ampla frente de unidade e luta contra o colonialista. Já na segunda situação, isto é, neocolonial, com a estruturação da sociedade nativa na vertical, e com a existência dum poder político integrado por elementos nativos, tornar-se difícil a criação de uma unidade que pudesse lutar contra o poder imperialista.

Na situação colonial, Cabral afirma que é possível que seja resolvida através da revolução nacional, portanto, após a conquista da independência, a nação independente poderá adoptar, em hipótese, a estrutura económica que lhe convém. Enquanto a situação neocolonial, segundo ele, não pode ser resolvida através de uma solução nacionalista exige a destruição capitalista implantada pelo imperialismo no solo nacional e aponta socialismo como a única solução, depois da luta de libertação nacional.

2. Cultura e Libertação Nacional

Para Cabral, a luta de libertação nacional e a cultura têm uma relação recíproca. A cultura desempenha um grande papel no decurso de libertação nacional da dominação estrangeira. A cultura era vista pelo fundador do PAIGC, como factor da resistência ao domínio estrangeiro. É evidente que Amílcar Cabral sabia que o domínio colonial na Guiné não atingiu a maioria das tribos da Guiné. Mas olhando para aquelas tribos que se encontrava sob o domínio colonial, diz que a dominação consistia em:
“pegar em armas para dominar um povo é, acima de tudo, pegar em armas para destruir ou, pelo menos, para neutralizar e paralisar a sua vida cultural. Mas que, enquanto existir uma parte desse povo que possa ter uma vida cultural, o domínio estrangeiro não poderá estar seguro da sua perpetuação”. 

Na Guiné como noutros países africanos que se encontravam sob o domínio estrangeiro, não havia como poder perpetuar a dominação. Porque uma parte considerável desse povo tinha ainda a sua vida cultural presente no seu dia-a-dia. O caso da luta de libertação nacional da Guiné e Cabo-Verde é um exemplo da resistência cultural de algumas das tribos da Guiné. Na Guiné como noutros países africanos, os Estados colonizadores adoptaram a política de assimilação. Digamos que é uma prática nefasta contra a humanidade. Porém, Cabral ao vivenciar essa realidade a quando do seu regresso à Guiné já como um homem formado, afirma que: «o caso da pretensa teoria da assimilação das populações nativas, que não passa de uma tentativa, mais ou menos violenta, de negar a cultura do povo em questão». Segundo ele, qualquer tentativa de pôr esta teoria em prática saiu sempre fracassada, nos territórios da dominação portuguesa.

A posição de Amílcar Cabral contra a teoria da assimilação era conhecida mundialmente. Ele não se limitava a repudiá-la apenas em África, mas também em todas as partes onde andava. Um exemplo disso, segundo Prof. Julião Sousa, foi o “manifesto do MAC, divulgado em Londres, com a data de 1 de janeiro de 1960, dizia-se que a política de assimilação dos povos africanos, além de falsa do ponto de vista científico, era desumana, oportunista e imoral”. Para este autor, esta “teoria da assimilação (…) era sustentada pela ideia da inferioridade da cultura africana”. Pelo que poderemos concluir segundo Dorling Kindersley, que Frantz Fanon tinha razão, quando escreveu que “a alma do homem negro (isto é, o homem africano) é um produto fabricado pelo homem branco (…) a ideia do que significa ser negro é uma criação a partir dos padrões de um pensamento europeu fundamentalmente racista”. Ora, Amílcar Cabral sabia de antemão que não havia nenhum estudo científico que pudesse justificar essa teoria da assimilação dos povos africanos. Não obstante, podemos afirmar por causa dessa ideia da inferioridade incutida nas mentes dos povos africanos, que não basta a expulsão dos colonialistas de África, é também “necessário descolonizar o pensamento e a mentalidade dos povos africanos”.

Em suma, é por isso que o antigo líder do PAIGC se interrogava acerca de como é que um país como Portugal, que era incapaz de solucionar os seus próprios problemas internos, poderia ter ambição de pretender solucionar os problemas das suas colonias. Isto porque no seu entender:
“Portugal é um país subdesenvolvido com 40% de analfabetos e o seu nível de vida é o mais baixo da Europa. Se conseguisse ter uma influência civilizadora sobre qualquer povo seria uma espécie de milagre. O colonialismo clássico, fenómeno histórico em vias de desaparecimento, nunca se contou com milagres para se manter vivo. Portugal exerce a única influência civilizadora de que é capaz, a que corresponde ao de tipo colonialismo que adoptou e à sua posição de potência colonial cuja economia, cultura e civilização são atrasadas”. 

Esse ataque de Amílcar Cabral a Portugal faz todo sentido, visto que nos descreve uma situação real de Portugal dos meados de anos 60. Assim sendo, poderemos concluir que, se os portugueses fossem obrigados a preencher as condições dos assimilados como foi o caso dos povos das suas colonias, de acordo com Cabral, “mais de 50% da população não teria direito ao estatuto de civilizado ou de assimilado”. É bom salientarmos que só havia nas colonias portuguesas «0,3%» dos assimilados. Segundo antigo líder do PAIGC, essa minoria de africanos tidos como civilizados, não goza dos privilégios reservados aos europeus. Por este motivo, a comunidade multiracial portuguesa era um mito. Ou seja, era uma comunidade que não existia na realidade como se fazia acreditar. Era um mito para poder encobrir a “segregação racial” nas colonias portuguesas. Todavia, é perante esse mito que podemos ver, segundo Amílcar Cabral, qual é o valor da cultura de um povo, isto é:
“O valor da cultura como elemento de resistência ao domínio estrangeiro reside no facto de ela ser a manifestação vigorosa, no plano ideológico ou idealista, da realidade material e histórica da sociedade humana dominada ou a dominar. Fruto da história de um povo, a cultura determina simultaneamente a história pela influência positiva ou negativa que exerce sobre a evolução das relações entre o homem e o seu meio e entre os homens ou entre grupos humanos (neste caso, as tribos da Guiné) no seio de uma sociedade, assim como entre sociedades diferentes”. 

Segundo isto, é esse valor cultural que o imperialismo queria neutralizar a fim de poder exercer o seu domínio tanto a nível político como económico, sobre os povos colonizados ou a colonizar. Por ser “fruto da história de um povo”, a cultura não pode ser imposta a um outro povo como se pretendia nas colonias portuguesas. Para o líder histórico do PAIGC, a dominação imperialista:
“é a negação do processo histórico do povo dominado por meio da usurpação violenta da liberdade do processo de desenvolvimento das forças produtivas… o modelo de produção, é o factor principal da história de cada conjunto humano, sendo o nível de forças produtivas a verdadeira e permanente força motriz da história”. 

Como se viu, essa usurpação das forças produtivas de um povo é a negação do seu processo histórico. Porque é a cultura de cada povo que determina o seu modelo de produção, que é por sua vez, o alicerce principal da sua história. Deste modo, poderemos concluir que essa negação parece ser na opinião de Cabral, a “característica principal” de qualquer domínio imperialista. É por isso que a cultura dos povos africanos “fora negada ou desprezada pelas potências colonialistas”. Portanto, tornavase pertinente lutar contra essa prática. Porque é uma luta contra as pretensões culturais universalistas do euro-centrismo. A cultura afigurava-se deste modo no entender de Amílcar Cabral como:
“elemento essencial da história de um povo (…) a cultura tem como base material o nível das forças produtivas e o modo de produção (…) a cultura permite saber quais foram as sínteses dinâmicas, elaboradas e fixadas pela consciência social para a solução desses conflitos, em cada etapa da evolução dessa mesma sociedade, em busca de sobrevivência e progresso”. 

Isto quer dizer que um povo sem as forças produtivas e modos próprios de produção é um povo sem cultura e, consequentemente, sem história. Porque a cultura é o elemento fundamental da história. Portanto, um povo nessa condição seria simplesmente um povo sem história e sem uma consciência social. Ora Cabral não acreditava na existência de um povo sem uma cultura, como se fazia crer nos Estados colonialistas dos países africanos. Sobre isso, afirma num discurso proferido por ele em Dar-Es-Salaam, em 1965, no qual dizia segundo Prof. Julião Sousa: «que a prova mais brilhante de manifestação cultural e de civilização era a de um povo que era capaz de pegar em armas para defender a sua terra, o direito à vida, ao trabalho e à felicidade». A prova dessa manifestação cultural ficou registada como um facto histórico, através das lutas que os povos africanos souberam levar a cabo contra a presença colonialista em África. Portanto, se um historiador menosprezar isso como não sendo uma manifestação cultural, não diríamos que é um historiador, mas sim um historicista parcial. Em conformidade com o que acabámos dizer, dizia Cabral que:
“O estudo da história das lutas de libertação demonstra que são em geral precedidas por uma intensificação das manifestações culturais, (…) da afirmação da personalidade cultural do povo dominado como acto da negação da cultura do opressor (…) é em geral no facto cultural que se situa o germe da contestação, levando à estruturação e ao desenvolvimento do movimento de libertação”. 

O antigo líder do PAIGC sabia que a luta de libertação foi possível na Guiné graças a manifestação cultural. Porque antes de sequer se imaginar a luta de libertação na Guiné, o povo guineense, na sua maioria, já negava a cultura portuguesa. É sabido por nós que, a presença imperialista em África interrompeu a história dos povos africanos. Ora, na opinião do Prof. Julião Sousa, Cabral acreditava que a cultura se afigurava, igualmente, como a única salvação do povo dominado, porque através dela, garantia a continuidade da sua história. É por isso que o papel do imperialismo consiste em negar a cultura do povo colonizado, consequentemente, o seu processo histórico como povo.

Segundo este autor, para Amílcar Cabral, “a libertação nacional visava, acima de tudo, a reconquista do direito de ter a própria história, usurpada pela dominação imperialista”. Com efeito, podemos salientar que esta afirmação é uma prova da rejeição por parte de Cabral das teses que defendiam a ideia de que os povos africanos não tinham a história. Ele não falava em começar uma nova história, mas sim em reconquista do direito de ter a própria história, que o imperialismo negara. Todavia, digamos que esta reconquista implicava a libertação das forças produtivas e a escolha de um modo de produção, favorável e apropriado à evolução dos povos dominados. Só deste modo é que os povos dominados poderiam “retomar o seu próprio caminho” como povos. Muitos ideólogos africanos como Cabral “pretendiam, assim, reinserir a África contemporânea no período anterior à era colonial, a fim de acabarem com a imposição da cultura ocidental” sobre os povos africanos.

Assim sendo, poderemos concluir que se o domínio imperialista visava a opressão cultural dos povos dominados, a libertação nacional é, segundo o líder histórico do PAIGC, um acto da cultura, ou seja, é a libertação de cultura. Com a libertação nacional, a cultura do povo, que era ignorada ou repelida, deveria ser recuperada, segundo Amílcar Cabral, porque isso seria um retorno as fontes das culturas africanas que as potências coloniais tinham outrora abafado.

3. Cultura e Identidade

Tínhamos visto que a luta de libertação nacional e a cultura tinham no entender de Cabral uma relação mútua. Agora constataremos que a cultura desempenha um grande papel na preservação da identidade dos povos dominados. Portanto, para que a cultura possa finalizar o seu papel no decurso da luta de libertação nacional contra a dominação estrangeira, segundo Prof. Julião Sousa:
“o movimento de libertação deveria ser capaz de jogar, na opinião de Cabral, um duplo papel: 1) preservar e tentar harmonizar os valores culturais positivos de cada grupo social; 2) desenvolver esses valores no quadro da luta, mas conferindo-lhes uma dimensão nacional”. 

A unidade nacional afigurava-se deste modo como o que é de mais importante que deveria ser assegurada após a luta de libertação. Mas, isso só seria possível se fossem aproveitados o que é de bom de cada grupo social existente na Guiné, e que só assim é que o movimento de libertação nacional poderá criar uma única cultura à dimensão nacional. Em suma, Cabral sabia que não seria benévolo à sociedade a congregação de todos os valores culturais de cada grupo social. É por isso que dizia, que:
“A unidade política e moral do movimento de libertação e do povo que ele representa e dirige implica a realização da unidade cultural das categorias sociais fundamentais para a luta. Essa unidade traduz-se, por um lado, por uma identificação total do movimento com a realidade do meio e com os problemas e as aspirações fundamentais do povo e, por outro, por uma identificação cultural progressiva das diversas categorias sociais que participam na luta”. 
De facto, não havia outra forma pela qual o movimento pudesse criar uma unidade política, senão através da unidade cultural do povo Guineense. Ora, isso implicava a identificação do movimento com o povo e com a cultura de todos os grupos sociais que compunham o quadro da luta. O objectivo desta unidade visava nada mais e nada menos que a harmonização dos “interesses divergentes, resolver as contradições e definir os objectivos comuns, procurando a liberdade e o progresso” de todos os grupos sociais. Fazer esses grupos tomar consciência desses objectivos, na opinião de Cabral, seria “uma grande vitória política e moral” contra o colonialismo. Porque do seu ponto de vista, “Quanto maiores são as diferenças entre a cultura do povo dominado e a do opressor, mais possível se torna essa vitória”. Em 1972 já se cheirava essa vitória, que segundo o próprio Amílcar Cabral, já se afigurava como sendo uma “derrota cultural do colonialismo”.

Para Prof. Julião Sousa, “Um dos erros cometidos pelo colonialismo em África fora, na opinião de Cabral, a subestimação da cultura dos povos dominados, o que, à partida, permitira a sobrevivência da cultura africana…”. Pois, esse erro viria permitir mais tarde que os movimentos de libertação dos povos africanos conseguissem os apoios junto das populações na sua luta contra a dominação colonialista. Segundo este autor, a identidade “Enquanto qualidade bio-sociológica, dizia Cabral, a identidade possuía uma natureza dialéctica que lhe permitiria distinguir e identificar um indivíduo de qualquer outro”. Portanto, essa qualidade só podia ser preservada libertando os povos africanos da dominação colonial.

Assim sendo, podemos afirmar de acordo com o líder histórico do PAIGC, que mesmo que a identidade seja individual ou colectiva, ela consiste para além da realidade económica de um povo, ou seja, é também a sua expressão cultural . A valorização e a preservação da identidade cultural por parte dos povos dominados afiguram-se na sua opinião “como principal efeito do bloqueamento do seu processo histórico pelo domínio imperialista”. No caso da Guiné, Amílcar Cabral identificava dois níveis de cultura que considerava como sendo complexa: horizontal e cultural. Segundo Prof. Julião Sousa:
 “Entre os balantas, que, na sua opinião, eram uma sociedade horizontal por não terem classes, havia uma certa uniformidade dos níveis culturais, variável apenas nas características individuais e nos grupos etários. Era no seio destas sociedades de estrutura horizontal que se verificava a tendência para a preservação, não só da cultura e da identidade, mas também a propensão para uma maior resistência contra o domínio estrangeiro”. 

Como se viu, o colonialismo deparou-se com várias resistências no seio de algumas sociedades tribais da Guiné. Por isso, segundo Amílcar Cabral, a dominação colonia, “para tentar garantir a perpetuação do seu domínio na Guiné, precisava de destruir a estrutura social desses grupos, a sua cultura e, portanto, a sua identidade como povo”. A dominação colonial teve sucesso na sua fase inicial sobre uma pequena parte do povo da Guiné, porque soube criar a divisão no seio das tribos guineenses e manter essa divisão durante 5 séculos para poder reinar. No entanto, é no seio de uma pequena minoria, isto é, da pequena burguesia nativa da Guiné é que surgiu a “necessidade de uma identificação cultural, a reafirmação de uma identidade distinta da da potência colonial…”. Com efeito, essa necessidade dizia respeito apenas a uma minoria da população da Guiné, visto que o grosso número dessa população não necessitava dessa reafirmação. A ideia de reafirmação é por si mesma é uma prova de que os povos colonizados tinham a sua cultura e a sua história, como veremos em diante.

4. A Luta de Classes e a História

Cabral não escondia o seu desagrado contra os marxistas que defendiam que “a força motora da história é a luta de classes”. Por isso, alegava que esta afirmação deveria ser revista, tendo em conta a sua gravidade em induzir as pessoas em erro no que diz respeito ao conhecimento da história. A tal revisão querida por ele se baseia nas características e na história dos povos colonizados que aquela mesma afirmação excluía do processo histórico. De acordo com Cabral, poderemos fazer a seguinte pergunta: será que a história só começa a partir do momento em que se desencadeia o fenómeno classe e, consequentemente, a luta de classes? Em nosso entender, não há nenhuma resposta satisfatória para esta pergunta que não seja uma resposta negativa. Porque para o líder histórico do PAIGC:
“Responder pela afirmativa seria situar fora da história todo o período da vida dos agrupamentos humanos, que vai da descoberta da caça e, posteriormente, da agricultura nómada e sedentária à criação do gado e à apropriação da terra. Mas seria também - o que nos recusamos a aceitar – considerar que vários agrupamentos humanos da África, Ásia e América Latina viviam sem história ou fora da história no momento em que foram submetidos ao jugo do imperialismo. Seria considerar que populações dos nossos países, como os balantas da Guiné, os Cuanhamas de Angola e os Macondes de Moçambique, vivem ainda hoje, se nos abstrairmos das ligeiras influências do colonialismo a que foram submetidas, fora da história ou não têm história”. 

Esta recusa de Cabral, em admitir que a luta de classes é o principal agente da história se baseava “no conhecimento concreto da realidade socioeconómico” desses três países africanos que ele se referia. É sabido que os povos africanos não foram submetidos ao jugo do imperialismo na sua maioria. Aliás, mesmo que fossem, isso não quer dizer que se encontravam fora da história ou que não tinham a história. Na opinião do Prof. Julião Sousa, para Cabral:
“a história pelo menos a africana e a dos povos dominados do seu tempo não começou apenas no momento em que surgiu o fenómeno classe ou em que teve o início a dominação imperialista. Admiti-lo seria, na sua óptica, situar fora da história muitos grupamentos humanos, o que, do seu ponto de vista, não fazia qualquer sentido”. 

Isso quer significar que não é a classe que determina a história, pelo contrário, é esta que determina aquela. Com efeito, a luta de classes é simplesmente um dos acontecimentos que possa marcar a história de um determinado povo. Deste modo, poderemos concluir de acordo com o Prof. Julião Sousa, que “tal não aconteceu sempre, mas, apenas durante um certo período da história. Para o líder revolucionário, o processo histórico tinha um antes e um depois”. Como é sabido, a existência de um povo é por si mesma é um sinal da existência de uma história. Pelo que a luta de classes é não poderia ser “a força motora da história”, visto que é um simplesmente acontecimento temporário num certo período da história. É por isso que para Cabral:
“A definição das classes no seio dum agrupamento ou de agrupamentos humanos resulta fundamentalmente do desenvolvimento progressivo das forças produtivas e das características da distribuição das riquezas produzidas por esse agrupamento ou usurpadas a outros agrupamentos”. 

Como se viu, as classes só podem ser definidas no seio de agrupamentos humanos, graças as forças produtivas que esses agrupamentos possuem. Portanto, se no seio dum agrupamento que as classes se definem como acabámos de ver, então, poderemos concluir que a luta de classes não é a força motora da história como nos faziam crer. Isso quer significar que para o fundador do PAIGC:
“o fenómeno socioeconómico classe surge e desenvolve-se em função de pelo menos duas variáveis essenciais e interdependentes: o nível das forças produtivas e o regime da propriedade dos meios de produção. Esse desenvolvimento opera-se lento, desigual e gradualmente, acréscimos quantitativos, em geral imperceptíveis, das variáveis essenciais, os quais conduzem, a partir de certo momento da acumulação, a transformações qualitativas que se traduzem no aparecimento da classe, das classes e do conflito entre classes”. 

Pelo visto, sem as forças produtivas e sem o regime de propriedade privada dos meios de produção, o conceito de classe não teria surgido. Daí que a luta de classes só poderá aparecer numa sociedade, a partir do momento em que alguns membros dessa sociedade começarem a apropriar a terra e a acumular os bens. Na verdade, aos longos de vários séculos, a humanidade tem existido as lutas de classes por causa de acumulação indevida dos bens. Ora esses tipos de lutas foram sempre temporários ao longo desse tempo todo. Daí que a luta de classes nunca poderá ser a força motora da história, mas sim um “estádio em que se encontrava a sociedade (qualquer sociedade), bem como cada uma das suas componentes”. Deste modo, segundo Amílcar Cabral, já “Não nos repugna admitir que esse factor da história de cada agrupamento humano é o modo de produção o nível das forças produtivas e o regime de propriedade que caracteriza esse agrupamento”.

Aliás, é bom salientarmos que tudo o que temos vindo a dizer até agora, consiste em demonstrar, de acordo com o nosso autor, que “a definição da classe e a luta de classes são, elas mesmas um efeito do desenvolvimento das forças produtivas conjugado com o regime da propriedade dos meios de produção”. Portanto, se são elas mesmas um efeito como acabámos de ver, então, podemos concluir na opinião de Cabral:
“que o nível das forças produtivas, determinante essencial do conteúdo e da forma de classes, é a verdadeira e a permanente força motora da história”. 

Demonstra-se assim, de facto, que são as forças produtivas que determinam a forma de classes duma sociedade, e, consequentemente, o conflito entre as classes. Segundo Amílcar Cabral:
“Se aceitarmos essa conclusão, então ficam eliminadas as dúvidas que perturbam o nosso espírito (isto é, o espírito dos povos africanos). Porque, se por um lado vemos garantida a existência da história antes da luta de classes e evitamos a alguns agrupamentos humanos dos nossos países… a triste condição de povos sem história, vemos assegurada, por um lado, a continuidade da história mesmo depois do desaparecimento da luta de classes ou das classes”. 

Do nosso ponto de vista, podemos afirmar que não há como não aceitar essa conclusão a que chegou este grande humanista africano. Porque o contrário seria a aceitar a tese defendida pelos marxistas. Nesse caso, estaríamos a admitir que os povos africanos não têm a história. Se aceitássemos isso, estaríamos a preconizar ambiguidade inadmissível. Ou seja, estaríamos a admitir que há povos neste mundo sem história. No entanto, como as classes são temporárias, poderemos concluir que haverá sempre a continuidade da história pelo homem. De acordo com o líder histórico do PAIGC, porque:
“A eternidade não é a coisa deste mundo, mas o homem sobreviverá às classes e continuará a produzir e a fazer a história, porque não pode libertar-se do fardo das suas necessidades, das suas mãos e do seu cérebro, que estão na base do desenvolvimento das suas forças produtivas”. 

Isso mostra que o homem mesmo que não seja individualmente eterno como não o são também as coisas deste mundo, todavia, a raça humana em qualquer parte deste mundo continuará fazendo a história independentemente de aí terem existido classes. Na opinião do Prof. Julião Sousa, desta forma, Cabral “procurava comprovar a existência da história antes da luta de classes, antes da dominação imperialista e, inevitavelmente, depois do advento do socialismo”. O homem é visto neste sentido como o autor da história, por ser capaz de sobreviver para além das classes. Assim sendo, poderemos afirmar que o objectivo de Cabral consistia em não deixar de fora nenhum dos agrupamentos humanos existente no mundo do “processo histórico”. É por isso que “A sociedade socialista era apontada por ele como o fim último da evolução humana, onde não haveria luta de classes”.

Aliás, o contrário do que os marxistas defendiam, para Cabral, a história da humanidade se processava em pelo menos três fases, a saber:
“A primeira fase corresponderia, em linguagem político-económica, à sociedade agropecuária comunitária, em que a estrutura social é horizontal, sem Estado; a segunda, às sociedades agrárias (feudal ou assimilada e agroindustrial burguesa, em que a estrutura social se desenvolve na vertical, com Estado; a terceira, as sociedades socialistas e comunistas em que a economia é predominantemente, senão exclusivamente, industrial (porque a própria agricultura passa a ser uma indústria), em que o Estado tende progressivamente para o desaparecimento ou desaparece, e em que a estrutura social volta a desenvolver-se na horizontal, a um nível superior de forças produtivas, de relações sociais e de apreciação dos valores humanos”. 

Há quem denomine esta última fase a “sociedade libertária”. Contudo, é bom salientarmos que, para Cabral, estas três fases demonstram que o processo do desenvolvimento da história da humanidade se desenvolve de modo desigual, “quer por razões internas quer pela influência acelerada ou retardadora de algum ou alguns factores externos sobre a sua evolução”. Ora, tendo em conta a isso, podemos concluir de acordo com o líder histórico do PAIGC, “que os nossos povos, sejam quais forem os seus estádios de desenvolvimento económico, têm a sua própria história”. Ou seja, tinham antes a sua própria história e continuarão a ter mesmo depois de terem sido submetidos a dominação imperialista durante vários os séculos.

Conclusão

Ao chegarmos ao fim deste trabalho, podemos dizer que ficou demonstrado que os primeiros pontos que abordamos ao longo deste trabalho serviram apenas como os alicerces do último ponto. Vimos em primeiro lugar, que a dominação imperialista é na opinião de Amílcar Cabral, a última fase da evolução do capitalismo, e não só é também uma necessidade da história, porque é o fruto das forças produtivas. Ora, para poder justifica a luta contra a dominação imperialista, constatamos que para Cabral, a luta de libertação nacional dos povos dominados é também uma necessidade da história para a sua libertação.

Ainda mostrámos que para Cabral, a dominação imperialista se processava de duas maneiras, a saber: directamente e indirectamente. Não obstante, observamos que essas duas formas de dominação tinham um objectivo comum, ou seja, ambas negam o processo histórico do povo dominado. Como se viu, é neste sentido que a libertação nacional se afigurava como a negação dessa negação imperialista. Vimos que é neste sentido que o uso da violência se justificava, segundo Cabral, para poder conter a violência colonial. No entanto, diz-nos o Prof. Julião Sousa, que esse uso da violência devia ser exercido de uma forma consciente por parte dos povos dominados, isto para poder evitar o uso excessivo da mesma.

Também observamos que para Cabral, a cultura e a libertação nacional têm uma afinidade reciproca. Isto porque ambas tendem a resistir um inimigo comum. Porém, ficou demonstrado que é através da cultura é que um povo se consiga resistir a dominação estrangeira, como foi o caso das tribos da Guiné. Contemplamos que é por isso que a dominação de um povo consiste em “paralisar a sua vida cultural”. Com efeito, constatamos que a dominação dos povos africanos não foi uma dominação absoluta. Segundo o autor, porque ela foi incapaz de neutralizar a vida cultural da maioria dos povos dominados, mesmo com a sua teoria da assimilação.

Daí que a cultura não é uma coisa que se possa impor a um povo, porque é simplesmente o fruto da história de cada povo. É o elemento essencial da história de cada povo, e não só mas também do seu “modo de produção”, isto é, do seu “nível das forças produtivas”. Deste modo, poderíamos concluir que um povo sem cultura será um povo sem história. Ora vimos que é contra esta ideia que Amílcar Cabral se opõe. Vimos que ele tinha razão, por saber que foi graças à manifestação cultural é que a luta de libertação se tornou possível na Guiné e também noutros países africanos. É neste sentido que para Cabral, a cultura se afigurava como a única salvação dos povos dominados e garantia da continuidade da sua história.

Por outro lado, contemplamos que para Cabral, a cultura desempenha um papel preponderante na preservação da identidade dos povos dominados. No caso da Guiné, vimos que Cabral postulava como seu objectivo principal depois da luta: a criação de uma única cultura “à dimensão nacional”, a partir do que é de bom de cada um dos grupos culturais que existiam na Guiné. As sucessivas crises políticas que têm atormentado o Estado guineense, começam a dar razão a Cabral de que é impossível criar uma unidade política coesa, permanecendo nos mesmos estádios culturais em que as tribos guineenses viviam ou continuam a viver. Ora, isso parece-nos pôr em causa o retorno as fontes que Cabral pretendia.

Por fim, observamos que para Cabral, “a força motora da história” não é “a luta de classes”, mas sim o modo de produção de cada povo. Demonstramos que para ele, a luta de classes é simplesmente um acontecimento temporário de qualquer agrupamento humano, num “certo período da história”. É por este motivo que não podia ser o agente principal da história, mas apenas um dos vários acontecimentos históricos. Ficou comprovado que a existência de classe e da luta de classes se devem “[às] forças produtivas e ao regime da propriedade privada dos meios de produção”. Ou seja, é no seio de um agrupamento humano que ela aparece. Por esta razão, podemos concluir que a luta de classes nunca podia ser algo determinante da história, porque depende dos outros factores para poder existir. Isto porque se aceitássemos segundo Amílcar Cabral, a tese defendida pelos marxistas, estaríamos injustamente a deixar de fora da história vários agrupamentos humanos.

Isso mostra segundo Prof. Julião Sousa, que Cabral queria dar a ver a existência da história antes da luta de classes ou da dominação imperialista, que os marxistas apregoavam como sendo a causa da história. As três fases do processo do desenvolvimento da história que abordamos no último ponto deste trabalho é a prova de que o objectivo de Cabral era mostrar que mesmo que o desenvolvimento histórico ou económico sejam desigual entre todos os povos, mesmo assim cada um desses povos tem a sua história, principalmente, a história africana e a de todos os povos colonizados. Porque ele não acreditava que a história desses povos tivesse começado com o surgimento do fenómeno «classe» ou com o fenómeno «dominação imperialista».

Bibliografia

Fontes Primárias:
CABRAL, Amílcar: (1976). A arma da teoria, in Obras Escolhidas: Unidade e Luta, vol. I, Seara Nova, Pp. 33-247.
SOARES SOUSA, Julião: (2011). Amílcar Cabral (1924-1973), (vida e morte de um revolucionário africano), 1ª edição, Veja, Lisboa. Pp. 279-570.

Estudos:
Alpha Isow, Ola Balogun Honorat Auessy, Pathé Diagne: (1980). Introdução à Cultura Africana, edi. 70, Lisboa, pp. 11-30.
CÉSAIRE, Aimé: (1978). Discurso Sobre o Colonialismo. 1ª ed. Trad. Noémia de Sousa, Lisboa. pp. 17-29.
ARON, Raymon: (2015). Karl Marx, D. Quixote.
CAETANO, Marcelo: (2015). Manual de Ciência Política e Direto Constitucional, Almedina, Coimbra.
KINDERSLEY, Dorling: (2014). O Livro da Filosofia, 1ª edi., Marcador, Trad. Alexandra Cardoso, Rita Custódio e Àlex Tarradellas, China.

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