“Jesus não se impõe, mas também não se desinteressa do que é humano”
Jesus está no início da sua vida de
missionário itinerante. Após a chamada de alguns discípulos, toma parte na boda
de casamento de uns noivos em Caná da Galileia, terra a pouca distância de
Nazaré. Está lá, Maria, sua Mãe. Os convivas são numerosos e a festa podia
demorar uma semana. Há regras a cumprir. O protocolo era minucioso e os
participantes observavam-no rigorosamente. O chefe de mesa supervisionava tudo.
Os serventes estavam atentos e disponíveis para que nada falte. O programa
decorria com grande normalidade. Mas a surpresa acontece. Há sinais de que algo
está a ocorrer. E antes que seja conhecido por todos, Maria dá conta,
identifica o que é e vai dizê-lo a Jesus. “Não têm vinho!”. Que maravilha! O
cuidado da Mãe de Jesus manifesta-se de modo solícito para que a festa prossiga
com o entusiasmo inicial e a boda de casamento proporcione alegria a todos,
sobretudo aos noivos e familiares. Com Maria, as crises podem ser previstas, e
pode ser removido o que lhes dá origem. Ela encaminha tudo para Jesus. Mesmo
que a ocasião pareça inoportuna.
Endossado o assunto a quem pode ajudar a
resolvê-lo, ela dirige-se aos serventes e exorta-os a que façam o que Jesus
lhes disser. Que ousadia! Uma mulher tomar a iniciativa em público, em casa
alheia, e credenciar um desconhecido. E os serventes, que boa vontade revelam
ao aceitarem obedecer-lhe prontamente. “Fazei o que Ele vos disser”. Nem sequer
informam o chefe responsável pelo protocolo. Seguem com prontidão a indicação
de Jesus, um estranho: “Enchei essas talhas de água”. Assim fazem e ficam a
aguardar nova orientação. “Tirai agora e levai ao chefe de mesa”. Sem temer
nada, cumprem a ordem recebida. E dão conta da surpresa agradável do chefe ao
provar o vinho novo, obtido por intervenção de Jesus e da sua colaboração. Não
reclamam “louros”, nem recompensas extra, nem dizem nada. Apenas partilham a
alegria renascida nos corações que se espelha no rosto dos convivas.
João, o único evangelista a narrar este
episódio, apoia-se em alguns pormenores históricos e transmite uma mensagem de
enorme alcance simbólico. (Jo 2, 1-11). Vamos fazer-nos convivas da festa e
deter-nos em alguns pontos mais significativos: antes de mais para nós,
chamados à alegria do amor; depois para a família e sua atitude face às crises
eventuais, para a Igreja no acompanhamento da caminhada dos casais em
matrimónio, para a sociedade na interacção de reciprocidade com as famílias,
recebendo e dando energias revigorantes.
“João relata este episódio por causa do
seu aspecto simbólico: o casamento é o símbolo da união de Deus com a
humanidade, realizada de maneira definitiva na pessoa de Jesus, Deus-e-Homem.
Sem Jesus, a humanidade vive uma festa de casamento sem vinho”, afirma a Bíblia
Pastoral que prossegue em comentário: “O episódio de Caná é uma espécie de
resumo daquilo que vai acontecer através de toda a actividade de Jesus com a
sua palavra e acção, Jesus transforma as relações dos homens com Deus e dos homens
entre si”.
Jesus não se impõe, mas também não se
desinteressa do que é humano. Intervém a partir do que existe: um amor a ser
celebrado em casamento por noivos, uma festa de famílias, uma crise a
despontar, uns colaboradores a ajudar, uns costumes a observar, umas talhas e
umas jarras a utilizar como recursos. E assim realiza a multiplicação do vinho,
transformando a água. Assim, quer continuar a fazer connosco: na família,
revigorando as relações entre as pessoas, na convivência social reforçando os
laços de solidariedade e em tantos outros espaços de vida onde se encontram os
seus discípulos fiéis. Nunca estamos sós, nem somos apenas expectadores do que
acontece. Temos a missão de observar para agir. Cada caso é uma oportunidade,
que não se pode perder. Seria adiar a esperança e alienar a confiança.
Jesus insere-se na tradição bíblica que
narra o modo admirável de Deus amar o Seu povo. Ama-o em aliança definitiva e
escolhe o amor conjugal como símbolo maior desta relação. Por isso, inicia a
sua vida missionária indo a uma boda de casamento, em Caná da Galileia. E
realiza o que o episódio nos relata: O primeiro dos sinais de uma série que tem
no Calvário a sua expressão maior. Por amor, Jesus doa-se livremente pela
salvação de cada pessoa e de toda a humanidade. A esta doação total corresponde
Deus Pai com a feliz ressurreição pascal. Os sinais manifestam e comunicam a
boa nova de Deus que nos ama como os bons esposos se amam em doação total e
definitiva. Que maravilha representa o amor conjugal que, como tantas outras
realidades humanas, fica entregue a quem decide casar em aliança, a confiar na
vida estável, a dar as mãos, sobretudo nas crises, a crescer em fecundidade
criativa, a testemunhar a riqueza de que vale a pena ser colaborador de Deus.
O texto de João afirma ao terminar: “Os
discípulos acreditaram n’Ele”. Recém-chamados, fazem uma primeira experiência
feliz. Ao longo da vida, farão outras que hão-de ajudá-los a cimentarem esta fé
inicial e ficará como referência para todos os que vierem a ser seguidores de Jesus.
Para nós, portanto.
Como o ano novo vai avançando no tempo,
avancemos nós também na fé que nos leva a apreciar o vinho novo de Jesus que
alegra a festa da vida.
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