terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Ministério Público pede condenação de deputados por desvio de dinheiro na Madeira



Actuais e antigos líderes de bancadas do parlamento regional são acusados de utilizarem verbas de forma indevida. “Fiquei estupefacto, envergonhado e horrorizado ao verificar as despesas”, confessou o procurador nas alegações finais do julgamento.
O procurador adjunto da República pediu nesta segunda-feira a condenação de dez deputados da Assembleia Legislativa da Madeira (ALM), exigindo a restituição dos cerca de dois milhões de euros que terão sido usados de forma indevida, ou não justificada, nas actividades das representações parlamentares em 2006.

Intervindo nas alegações finais, o procurador na Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas (TdC), Nuno Gonçalves, admitiu que a responsabilidade reintegratória a exigir pelo tribunal, ou seja a devolução da verba, possa dizer apenas respeito a um montante "simbólico”, e não integral, atendendo a que os referidos deputados, lideres parlamentares e representantes únicos de partidos com assento na ALM nunca foram condenados por estes factos. Quanto à infracção de natureza sancionatória, o magistrado do Ministério Publico (MP) pediu que fossem ilibados, por prescrição, como aconteceu em relação aos membros do conselho de administração da ALM, que não chegaram a ser julgados.

“Fiquei estupefacto, envergonhado e horrorizado ao verificar as despesas”, confessou o procurador. “Nunca pensei que um deputado se fosse instalar num hotel, a pedir coisas na piscina, em fato de banho”, à custa da subvenção que também serviu, disse, “para pagar gincanas de carrinhos de madeira” ou “65 viagens áreas entre o continente e Madeira, 34 só num dia”. “Há muitas despesas que não tinham nada a ver com a actividade parlamentar”, concluiu Nuno Gonçalves.

Os gastos dos grupos parlamentares da ALM em 2006, na ordem dos seis milhões de euros, são, para o procurador, “um perfeito absurdo, quando a Assembleia da República e o parlamento dos Açores se governam com muito menos, com 900 mil e 800 mil euros”. Na acusação, o MP considerava que "cada um dos demandados cometeu uma infracção dolosa de natureza reintegratória por desvio de dinheiro” e "uma infracção dolosa de natureza sancionatória", apontando verbas na ordem dos dois milhões de euros e pedindo a condenação em multas que variam entre os 9600 e os 4800 euros.

O MP invocou ainda que não foi "apresentado qualquer justificativo da utilização” de cerca de dois milhões, relativos ao último trimestre de 2006, tendo os deputados demandados contribuído para que alguém ou entidade se apoderasse e/ou a gastasse noutros fins que não os estabelecidos (...), ou seja, que aquele montante desaparecesse, em prejuízo, pois do erário público".

Prescrição por clarificar
Na última audiência de julgamento, o juiz conselheiro Lobo Ferreira anunciou que apresentara um recurso para o plenário do TdC, em Lisboa, para clarificação  dos prazos de prescrição do procedimento, para esclarecer se a contagem do tempo é interrompida no decurso da auditoria. Em caso afirmativo, e se não for provada a existência de dolo, o processo corre o risco de prescrever. De acordo com a lei de organização e processo do TdC (artigos 69.º e 70.º da Lei n.º 98/97), o prazo da prescrição do procedimento por responsabilidades financeiras reintegratórias é de dez anos, e de cinco anos no caso das responsabilidades sancionatórias. O prazo da prescrição do procedimento conta-se a partir da data da infracção ou, não sendo possível determiná-la, desde o último dia da respectiva gerência.

Nas alegações finais, os advogados dos demandados questionaram a competência do TdC para julgar este caso, alegando que a sua apreciação competiria ao Tribunal Constitucional, para o qual tinha sido transferida a fiscalização das contas das assembleias regionais. Tal aconteceu por determinação da Lei n.º 55/2010 (Orçamento de Estado), através de uma norma interpretativa cuja aplicação, frisou Guilherme Silva, tem efeitos retroactivos.

"O Tribunal de Contas está a querer arrogar-se a uma competência que não tem”, disse Guilherme Silva que acusou o MP de, com este processo, “enlamear todo um parlamento" e de “prestar um mau serviço à democracia”. “Assiste-se infelizmente a um ataque à classe política e a parlamentos, a uma tendência crescente de justiçalizar a política e de politizar a justiça”, lamentou o advogado de Jaime Ramos (PSD), Violante Matos (BE) e João Isidoro (Independente), lembrando que “os grupos parlamentares não são órgãos da assembleia, mas dos partidos”, pelo que só deveriam ser julgados pelo Tribunal Constitucional.

A defesa dos demandados também pediu a nulidade dos autos, por ter o julgamento decorrido sem o levantamento da imunidade dos deputados por parte da assembleia.

“A acusação resulta de uma presunção, errada, ao considerar desvio a não apresentação pelos deputados das verbas entregues aos partidos, pois nunca foram os demandados a decidir a utilização do dinheiro", frisou Ricardo Vieira, advogado de José Manuel Rodrigues (CDS) e de Víctor Freitas, Lino Martins e Gil França (PS). Também Marta Delgado, advogada de Paulo Martins (BE), acusou o MP de “ultrapassar todas as regras da prova”, ao considerar desvio a não apresentação pelos deputados das verbas entregues aos partidos. Lembrou ainda "não ter sido feita prova de que o dinheiro foi para a mão dos deputados". Também José Lizardo, defensor dos deputados do PCP (Edgar Silva e Leonel Nunes), argumentou que “os deputados não devem ser julgados como agentes públicos”.

O juiz deverá exarar o despacho sobre matéria de factos provados nos próximos dias, ficando a sentença dependente da decisão sobre a prescrição do procedimento. Não está ainda marcado o julgamento das contas da ALM relativas a 2007, com um desvio de 4,3 milhões, nem do processo das subvenções parlamentares no período de 2008 a 2010, envolvendo cerca de 12,5 milhões, entregue ao Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária no Funchal.

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