Em 25 de maio de 1963, quando a
Organização da Unidade Africana foi criada, a celebração foi cercada pelo
sentimento de liberdade em meio à sequência de independência vivida
em todo o continente e ao sentimento de valorização da cultura, com
o movimento Pan-Africanista liderado por Kwame Nkrumah. Hoje, 51 anos
depois, esta data conhecida como o Dia da África, é um
convite à reflexão sobre a libertação plena da África.
O Dia da Libertação Africana é visto pelos
africanos com um “encolher de ombros”. Depois de 1960, o continente ficou preso
em uma engenharia econômica e política neocolonial confusa. Minha esperança é
que deve haver uma segunda onda de “independência” para o continente africano.
Como sempre, vou continuar a chamar os povos africanos em todo o mundo a tomar
responsabilidade pela sua libertação plena e participar de uma organização que
trabalhe para a libertação da humanidade em geral – disse em entrevista
exclusiva ao Por dentro da África Immanuel Tatah
Mentan, cientista político e pesquisador pan-africanista com centenas de
artigos e mais de sete livros sobre o tema.
O camaronês Mentan relembra que,
historicamente, o Dia da Libertação Africana foi criado em abril de
1958 pelo primeiro então presidente de Gana Kwame Nkrumah, na Primeira
Conferência dos Estados Independentes Africanos, realizada em Accra, capital de
Gana, com a participação de oito Estados africanos livre. Na ocasião, o 15 de
abril foi declarado “Dia Africano da Liberdade” para marcar o progresso do movimento
de libertação na África e para simbolizar a determinação dos
Povos da África contra a dominação estrangeira.
- O caminho para a independência dos
países africanos, foi muito difícil e tortuoso. Como exemplo, podemos citar a
Grã-Bretanha, que concedeu ao “Reino do Egito” independência em 22 de fevereiro
de 1922, após uma série de revoltas, mas continuou a interferir no governo.
Revoltas mais violentas levaram à assinatura do tratado anglo-egípcio em
1936 e a um golpe de Estado que marcou a Revolução Egípcia em
1952. A declaração da República Egípcia só chegou em 18 de junho de
1953.
Histórico do Dia da África e a luta
contra o imperialismo
No dia 25 de maio de 1963, 31 chefes
africanos foram convocados para fundar a Organização de Unidade Africana (OUA).
Nesta cimeira, o Dia Africano da Liberdade foi renomeado Dia da
Libertação Africana, e a sua data foi alterada para 25 de maio. Como
a OUA foi criada para construir uma estrutura para a unidade de todos os
Estados Africanos, o Dia da Libertação Africana foi novamente confirmado como
parte do Movimento Pan-Africanista Revolucionário.
Kwame Nkrumah (1909/1972) foi um
líder político africano e um dos fundadores
do Pan-Africanismo. Em 1945, ele ajudou a organizar o sexto Congresso
Pan-Africano em Manchester, Inglaterra. Depois disso, começou a
trabalhar para a descolonização da África. Na independência de Gana,
em 1957, Nkrumah foi declarado o Osagyefom (líder vitorioso)
e primeiro-ministro.
O pan-africanismo é
uma ideologia que propõe a união de todos os povos de África
e fora de África, entre os descendentes dos escravos africanos
que foram levados para as Américas até ao século XIX e dos
emigrantes mais recentes. É um movimento político, filosófico e
social que promove a defesa dos direitos do povo africano e da unidade do
continente no âmbito de um único Estado soberano, para todos os africanos,
tanto na África como em diáspora.
Hoje, temos 54 países e
fronteiras arbitrárias que devem ser um pesadelo para qualquer cartógrafo
sensato. Algumas das fronteiras são linhas retas elaboradas pelos colonizadores
e seus companheiros “bêbados”, juntos em uma conferência em Berlim (a
Conferência de Berlim, em 1885, teve o objetivo de “organizar” a ocupação
de África pelas potências coloniais). Com um conjunto
de mapas, réguas e compassos e sem qualquer compromisso com limites naturais
como rios, lagos e montanhas, eles limitaram as fronteiras – conta o também
professor de Concordia University, no Canadá, e autor de “Dilemas
de Estados fracos: África e transnacional terrorismo no século XXI”.
O especialista recorda que há muitas
histórias sobre as formas como os europeus decidiram as fronteiras e,
consequentemente, a história, cultura e política dos povos africanos.
Desde a sua criação, a Dia da
Libertação Africana não só foi comemorado na África, mas também em outros
lugares: Europa, Caribe, Cuba, EUA e até mesmo na ex-União Soviética! Em
seu crescimento e desenvolvimento, o dia evoluiu para reconhecer as lutas
corajosas de não-africanos, como os povos indígenas do Hemisfério Ocidental, os
palestinos e os irlandeses, por exemplo. Você vai ver representantes desses
vários grupos compartilhando as semelhanças nas lutas de todos os povos
oprimidos. Esta unidade e solidariedade entre os povos oprimidos, é fundamental
para a derrubada do imperialismo, porque estamos lutando contra um inimigo
comum – completou o professor.
Processo de independência e o
Pan-Africanismo
O ano marcante para a
independência do continente africano foi 1960, quando 17 países ganharam a
independência. Explicando o que significou a independência dos africanos
na década de 1960, o professor citou as palavras do nigeriano nacionalista
Chief Obafemi Awolowo (nascido em 1909 e morto em 1987). ”Após tantos anos
da independência, teremos de estar no nosso próprio caminho e confiar em nossos
próprios recursos, na força unificadora” – disse Awolowo em sua autobiografia.
Em retrospetiva histórica, em 15 de
abril de 1958, o Primeiro Congresso dos Estados Africanos
Independentes foi convocado em Acra, Gana, por Kwame Nkrumah, primeiro
presidente daquele país. Milhares de representantes de organizações
revolucionárias em toda a África participaram dessa conferência
organizada para marcar o progresso do movimento de libertação na África e para
simbolizar a determinação do povo da África – explicou o pesquisador que também
escreveu “Nem armas, nem balas: a recolonização da África hoje” (2007).
Como bem lembra Mentan durante a
nossa entrevista, esta foi a primeira
conferência pan-africana realizada em solo africano desde o
nascimento do movimento, em 1900. (A
primeira conferência pan-africana foi realizada em Londres, em julho
de 1900).
Na África, foi um dia de unidade e
solidariedade. Na arena de educação política, organização e luta, o Dia da
Libertação Africana demonstra que os africanos não obtiveram sua
libertação integral. África ainda é desunida, e seu povo ainda é
vítima de opressão de classe e gênero. Esses africanos
nunca irão superar os obstáculos se não se permitirem atingir Pan
-africanismo, ponderou.
Confira um pouco mais de nossa
entrevista com o professor Tatah Mentan:
PDA – Como poderíamos identificar o
Pan-africanismo na contemporaneidade? Que tipo de movimento, podemos ver hoje
em dia?
TM - A ideologia
do Pan-africanismo diminuiu tremendamente. A fundação da OUA, em 1963, foi
um passo significativo para os objetivos do Pan-africanismo. A OUA, hoje
União Africana, abraça todo o continente, mas ainda não é uma comunidade
política ou econômica com a autoridade legislativa. O Pan-africanismo ainda não
conseguiu seu principal objetivo, ou seja, a eliminação das divisões na África
para garantir que o continente não seja dividido em campos hostis à vantagem de
imperialistas predatórios.
Em outras palavras, a África vem
enfrentando divisões e “guerras ético-políticas”. Na melhor das hipóteses, a
OUA / UA manteve um fórum para a discussão de disputas e para encontrar ou
recomendar soluções que consistem, principalmente, em recursos de apoio ou
intervenção das antigas potências coloniais ou das Nações Unidas. A UA está
sendo estabelecida enquanto a ideologia do Pan-africanismo está em
declínio em um momento de instabilidade política aguda no continente.
As guerras na África são um reflexo
das falhas de construção da nação, através do sistema único de Estado. Os
conflitos étnico-políticos, os conflitos religiosos, o terrorismo do Boko
Haram vão todos contra a ideologia do Pan-africanismo e as metas da
unidade africana. Na luta entre o Estado, o nacionalismo étnico ou
religioso e o Pan-africanismo na África do pós-colonial, a dinâmica do
Pan-Africanismo é recusada. O povo africano precisa de um batismo
ideológico Pan-africanista sério para embarcar na segunda onda de
libertação do seu povo.
PDA – Os críticos acusam a ideologia
de uma tentativa de homogeneização dos descendentes africanos. Quais foram os desafios
e os erros do movimento?
TM - A luta para a África livre da
dominação estrangeira tem sido uma longa e gloriosa história. Desde o início da
incursão europeia náfrica (século XV) até os tempos atuais, africanos (dos
quatro cantos do continente) resistiram ao tráfico de escravos,
colonialismo, neocolonialismo e ao imperialismo. Esta luta foi
confinada à África, mas onde quer que ocorreu, africanos deviam ser
encontrados. Atingir a independência econômica foi mais difícil do que ganhar a
independência política. Em algumas áreas de seca e fome, a produção agrícola
foi destruída.
O custo de vida
aumentou vertiginosamente, atingindo uma população urbana em rápido
crescimento. As tentativas de criar uma forte base de fabricação, falhou;
muitas moedas africanas passaram por períodos em que não puderam ser
convertidas em moedas ocidentais. Essas tendências negativas têm causado
intervenção das instituições econômicas ocidentais como o FMI e o Banco
Mundial. Como consequência, tem havido uma migração estável de pessoas do
continente para a Europa e América.
PDA – Você acha que a noção de “união
entre os irmãos” está em queda em comparação com os anos 60?
TM - A ideia de “união” é
menos significativa hoje do que era na África na década de 1960. A
globalização se firmou no continente para minar a ideologia do
nacionalismo Pan-africanista. Todos os Estados africanos não
conseguiram unificar o seu povo na medida em que eles não podem mais
realizar funções básicas: como educação, segurança ou governança.
Dentro deste vácuo de poder, as pessoas são vítimas de facções rivais e, por
vezes, as Nações Unidas ou os Estados estrangeiros tentam intervir para
prevenir ou promover um desastre humanitário.
No entanto, esse cenário não repercute
só fatores internos. Os governos estrangeiros com conhecimento de causa também
tentam desestabilizar Estados, alimentando a guerra étnica ou religiosa ou
apoiando forças rebeldes. Os regimes africanos controlados como fantoches têm
sido absolutamente atrasados na entrega de serviços públicos desde a imposição
de políticas neoliberais pelas instituições financeiras internacionais. Assim,
o único presente que os controladores africanos da globalização têm feito
é seguir com o individualismo. Toda a noção de fortalecer os
“irmãos” está em queda livre.
PDA – Em muitos países, a
liberdade é um problema enorme. Podemos encontrar muitas violações de direitos
humanos no Sudão, Etiópia, Líbia, Uganda, Egito … Como
a ideia do Pan-africanismo pode fazer da África um continente
muito próspero?
TM - A África e os africanos
ainda não são livres. Em todo o mundo, os africanos sofrem com as mesmas
condições: racismo, opressão, pobreza, dessem prego, falta de moradia adequada
e cuidados médicos. Na África, mais especificamente, os africanos continuam a
sofrer sob o peso esmagador da opressão imperialista e a exploração como a
Shell Oil na Nigéria, o terrorismo da OTAN contra a Líbia e as guerras de
diamantes em Serra Leoa, que deixaram as comunidades devastadas.
É uma contradição irônica saber que
os africanos vivem no continente mais rico (em termos de recursos naturais) da
Terra, mas estão entre as pessoas mais pobres do planeta. Há a necessidade de
organização e formação política para conseguir alcançar o Pan-africanismo:
a libertação total e unificação da África sob o socialismo científico, como o
falecido Kwame Nkrumah, declarou.
PDA – Hoje há muitas parcerias com
países europeus e principalmente a China. Estimular as parcerias internas não
poderia ser uma das metas?
TM - Há um crescente conflito abertamente entre a
China e o Ocidente sobre os recursos naturais da África. E este conflito não é
simplesmente o acesso aos recursos naturais, mas o acesso para financiar
mercados. Da mesma forma, esse conflito constitui uma garantia de que o
crescimento do projeto de controlo militar da África pelos Estados Unidos está
se tornando mais agressivo na perseguição frenética para a base militar para
conter a China e Rússia. Os países negligentemente mais vulneráveis e
explorados do continente devem lutar coletivamente para levar as ambições
ocidentais para o declínio através da ideia do Pan-africanismo.
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