1. Domingo VI do Tempo Comum. O
Evangelho de Marcos 1,40-45 continua a mostrar que Jesus, que é «o Reino de
Deus em pessoa» (autobasileía, como bem refere Orígenes), Aquele que se fez
próximo para sempre (Marcos 1,15), continua a passar pelos nossos caminhos, a
cruzar-se com as nossas dores, e a assumi-las sobre si, curando a nossa pele
chagada e o nosso esclerosado coração.
2. Cena comovente. Contra todas as
regras estabelecidas, que impunham aos leprosos o isolamento e a distância de
Deus (não podiam frequentar o Templo ou a sinagoga) e dos homens (não podiam
entrar nas povoações), e o grito de «impuro, impuro» que deviam trazer nos
lábios (Levítico 13,45), para que as pessoas, ao ouvir o grito, deles se
distanciassem o mais possível, eis hoje um leproso que ousa aproximar-se de
Jesus e colocar-se de joelhos diante dele, implorando dele a cura (Marcos
1,40). É, nos Evangelhos, o único doente que se coloca de joelhos diante de
Jesus, implorando a sua cura. O gesto é o seu verdadeiro pedido, que as palavras
que diz apenas iluminam. Ele sabe que a cura é um dom de Deus.
3. Um leproso, diziam os rabinos, era
como um morto em vida. Separado de Deus e da comunidade do louvor de Deus, isto
é, da comunhão de vida com Deus, o leproso em tudo se assemelhava aos mortos,
que também estavam separados de Deus e fora do louvor de Deus, a verdadeira
nascente da vida (Salmo 6,6; 88,6; Isaías 38,18). Neste sentido, o Livro de Job
define a lepra como o «primogénito entre os mortos» (Job 18,13). Tanto assim
era que uma eventual cura da lepra suscitava o mesmo efeito de uma
ressuscitação da morte!
4. As vísceras maternas de Jesus
comovem-se (splagchnízomai) quando vê o estado miserável deste seu filho
(Marcos 1,41). O verbo splagchnízomai indica o desarranjo interior, nas vísceras
(splágchna), e vísceras maternas (hebraico rahamîm). Por isso, Jesus não pode
repelir o seu filho necessitado. Pelo contrário, estende a sua mão sobre ele,
gesto de divina soberania (Êxodo 3,20; 7,5; Salmo 138,7), e toca-lhe e fala
para ele (Marcos 1,41). Para Jesus, não há gente para acolher e gente para
evitar. A todos acolhe. Tocando-lhe, Jesus assume sobre si a lepra daquele
pobre homem. É assim que o salva e nos salva.
5. Com este seu comportamento de radical
proximidade fisica e afectiva, Jesus diz-nos que nos devemos abeirar de todas
as pessoas, nomeadamente dos doentes e marginalizados, sempre incluindo e nunca
excluindo, com uma atitude próxima, compassiva, calorosa e familiar, no pólo
oposto de qualquer comportamento indiferente e asséptico.
6. «Quero, fica limpo!», diz Jesus
(Marcos 1,41). Nasce um homem novo, saído das mãos puras de Deus e da sua
Palavra mansa e criadora (Génesis 1; João 15,3). Um grito se calou: «impuro,
impuro!». Um novo grito nasceu: o do ANÚNCIO (kêrýssô) do Evangelho (Marcos
1,45). É o terceiro ANUNCIADOR depois de João Baptista (Marcos 1,4.7) e de
Jesus (Marcos 1,14.38.39). Outros se seguirão (Marcos 3,14; 5,20; 6,12; 7,36;
16,15). Provocação para nós.
7. O texto do Livro do Levítico
13,1-2.44-46 mostra-nos o caminho estreito e triste do leproso, que abre,
todavia, para a larga e feliz avenida do Evangelho deste dia.
8. A Primeira Carta aos Coríntios
10,31-11,1 faz-nos ver o Apóstolo Paulo como «imitador» (mimêtês) de Cristo (1
Coríntios 11,1): ser na terra um «mimo» (mîmos) de Cristo, fazer como Cristo
faz, fazer descer o céu à terra, eis o belo programa de Paulo, que podemos
fazer também nosso.
9. O Salmo 32 não é uma abstracta lição
de moral, mas o testemunho autobiográfico de um convertido, que canta a
felicidade do perdão. A liturgia cristã colocou este Salmo, desde o século VI,
na lista dos sete «Salmos penitenciais» (juntamente com os salmos 6; 38; 51;
102; 103; 143). Logo no primeiro versículo, o Salmo diz admiravelmente: «Feliz
aquele a quem foi retirada (nasaʼ) a culpa,/
coberto (kasah) o pecado» (Salmo 32,1). «Retirada a culpa» alude à imagem de um
fardo, de um peso, de que somos aliviados, para podermos respirar de alívio.
«Coberto o pecado»: Lutero, comentando a Carta aos Romanos 4,7, que cita o
versículo do Salmo que estamos a apresentar, serviu-se deste verbo (kasah,
cobrir) para argumentar que o pecado não é perdoado, mas apenas «coberto» pela
justificação pela graça. Em boa verdade, o valor simbólico do «cobrir» bíblico
traduz, sem qualquer dúvida, a anulação efectiva e eficaz do pecado por parte
de Deus. Biblicamente falando, «cobrir» ou «perdoar» o pecado não significa
simplesmente «esquecer» o pecado, passar por cima do pecado, mas, mais
intensamente, «arrancar» o homem ao pecado, o que constitui um milagre só ao
alcance do poder de Deus. Santo Agostinho tinha em grande apreço este Salmo.
Afixou uma cópia na parede do seu quarto, diante do seu leito. E lia-a entre
lágrimas, o que lhe trazia grande paz e conforto, sobretudo durante os últimos
tempos da sua doença de que veio a falecer.
António Couto
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