domingo, 22 de fevereiro de 2015

Vencer a tentação da indiferença

Reflexão de Georgino Rocha

Após o baptismo, Jesus dirige-se imediatamente ao deserto. Mc 1, 12-15. Os Evangelhos mostram-nos o contraste aqui ocorrido: Ele, que havia sido proclamado Filho de Deus é tentado na sua condição divina para que mostre “o que vale e o que pode”. As obras seriam as suas credenciais por excelência. O prestígio do poder, a ganância fácil da economia, o pronto socorro da religião são-lhe propostos como caminhos de realização da sua missão. A tentação sedutora tem como fundamento as apetências humanas e como motivação próxima a prova de Jesus ser o Filho de Deus. Por isso continua tão actual e a dominar muitos corações.

Jesus vence em toda da linha. Escolhe outro caminho. Em vez do poder prefere o serviço obediente; da economia fácil e açambarcadora a partilha fraterna de bens; da religião “a la carte” a aceitação da palavra de Deus como guia seguro e libertador.

O deserto e a tentação surgem como metáforas da realidade humana. Hoje, revestem as formas da nossa situação histórica e social, da nossa cultura fragmentada e subjectivista, da nossa economia precária e subjugada, da nossa religião predominantemente pendente do gosto do “cliente” e das tradições.

O deserto instalou-se no coração humano e da sociedade: As relações sociais quase se desvitalizam, o isolamento solitário aumenta, qual sombra negra a coar a luz intermitente que ainda resta, o individualismo egoísta e insolidário cresce como “feras indomadas”, o assédio aos indefesos e humilhados instala-se, e prepara-se o assalto final para a victória do “bezerro de ouro” – o ídolo do tempo de Moisés - sobre a pessoa e a sua dignidade reconfigurada em Jesus Cristo, o vencedor absoluto da dizimadora tentação. A indiferença ética generaliza-se.

A este propósito afirma o Papa Francisco: “Deus nada nos pede, que antes não no-lo tenha dado: « Nós amamos, porque Ele nos amou primeiro » (1 Jo4,19). Ele não nos olha com indiferença; pelo contrário, tem a peito cada um de nós, conhece-nos pelo nome, cuida de nós e vai à nossa procura, quando O deixamos”.
E a mensagem quaresmal intitulada « Fortalecei os vossos corações» (Tg5,8) prossegue: “Interessa-Se por cada um de nós; o seu amor impede-Lhe de ficar indiferente perante aquilo que nos acontece. (…)

Quando o povo de Deus se converte ao seu amor, encontra resposta para as questões que a história continuamente nos coloca. (…) A Deus não Lhe é indiferente o mundo, mas ama-o até ao ponto de entregar o seu Filho pela salvação de todo o homem”.

O deserto é também espaço de vitória. Tantos homens bons e justos fazem da sua travessia um percurso solidário, um tempo de atenção ao outro, de partilha de bens, de alento na esperança de chegar ao oásis desejado, de advertência contra as falsas miragens, de resistência paciente face à pressa ingénua de enveredar por atalhos, de alimentar “o sonho que comanda a vida”.


Jesus vence a tentação e rasga horizontes ao nosso peregrinar. Estamos em trânsito. A meta já se vislumbra. Ele já a viveu na sua Páscoa. Para lá caminhamos seguindo os seus passos. A isto nos convida o tempo quaresmal que a Igreja nos propõe e o Papa Francisco tão vigorosamente nos apresenta.

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