Ao constituir-se como agremiação
política na alvorada dos anos 1990, o Partido de Renovação Social (PRS)
configurou-se como a mais real alternativa político-partidária ao Partido
Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), e sua consolidação
como a principal força política na oposição – desbancando RGB-Movimento Bafata
na década de 1990 – só era exequível assumindo uma postura de antagonismo
politicamente inconciliável com o PAIGC, descartando quaisquer possibilidades
de uma eventual coalizão política com este. Nitidamente incorporados na pessoa
de Kumba Yalá e difundidos pelo saudoso carismático líder dos renovadores –
conforme o seu panfleto político espraiado durante a corrida eleitoral de 1994
– os ideais políticos do PRS tinham como objetivo provocar ruptura da
tradicional lógica de relação de poder que sempre predominou na Guiné-Bissau –
rédeas do poder político controladas largamente pelos cidadãos dos centros
urbanos, especialmente de Bissau, tendo sido os de zonas rurais excluídos por
alegada inaptidão e despreparo “civilizacional”.
A proposta política desse partido,
veiculada pelos cantos da Guiné, rendeu ao partido do milho e arroz milhares de
simpatizantes e militantes, compostos sobretudo por jovens, homens e mulheres
do campo, pobres e desempregados dos centros urbanos. Daí em diante, o
tabuleiro político guineense dicotomizou-se, especialmente na década de 2000,
formando uma polarização na relação de disputa de poder entre os
independentistas e os renovadores, sustentados eleitoralmente por populações
urbanas mais abastadas economicamente e por camponeses, respectivamente.
O PRS era, logo ao emergir-se no cenário
político, um partido cujo acolhimento social e a representatividade de um
enorme segmento populacional lhe condicionaram a fazer política pelo poder e
não política pelo cargo. A maior figura histórica do próprio partido, Kumba
Yalá, tinha consciência política inequívoca de que dada sua dimensão nacional,
tendo um eleitorado ideologicamente já capturado, o PRS não precisava
aventurar-se brindando o convite para participar na composição de coalizão
governamental com seu principal rival político. Mesmo sendo eleitoralmente
derrotados como foi o caso em 2014, seria politicamente compulsório que os
renovadores se mantivessem integralmente na oposição, resguardando um dos polos
(sempre ocupado por ele) da bipolaridade político-partidária guineense. Mas o
PRS (já sem Yalá) fez o contrário, aceitou integrar o governo do PAIGC, ou
seja, deslocou-se para o centro do espectro político guineense, preencheu um
espaço que não lhe pertence por aquilo que representa politicamente na Guiné-Bissau.
Mormente são os partidos menores em termos estruturais e de representatividade
que fazem política pelo cargo, ou partidos do centro, os quais (mesmo sendo de
porte médio ou grande) tendem a não ambicionar ser protagonistas políticos,
limitando-se a vender apoio para outras organizações políticas em troca de
cargos e gabinetes. No seu caso, como já expus, o PRS é um partido cujo
desenvolto depende do poder, portanto, necessariamente sobrevive-se sendo
governo, e não avoluma-se fazendo parte do governo. Esse é o índole histórico
do PRS e faz parte de sua essência enquanto ator político guineense.
O comportamento do PRS, ao aceitar
integrar o governo do PAIGC enquadra-se naquilo que se denomina em Ciência
Política procedimento de office-seeker party ou office-seeking party – tal
procedimento é típico dos partidos cujo objetivo político é conseguir cargos
nos governos formados amplamente por partidos vencedores dos pleitos eleitorais
(podem ser também partícipes do governo de coalizão ou de base alargada),
ocupam geralmente o centro do espectro político. Já os partidos policy-seeker
ou policy-seeking parties fazem política para política, parafraseando, tendem a
não aceitar cargos, preferem ficar fora do governo do partido vencedor com
vistas a influenciar a estrutura política como um todo, mantendo suas convicções
políticas e ideológicas apartadas do governo do partido rival vencedor. O que
se viu no caso do PRS ao aceitar integrar o governo chefiado pelo Domingos
Simões Pereira, foi totalmente oposto ao comportamento de um policy-seeker
party. Esse comportamento do PRS, deslocando-se ao centro, tem um enorme
significado simbólico e material.
O que os analistas políticos e cidadão
comum politicamente precavido não esperavam do PRS era sua integração ao
governo do PAIGC, seu histórico adversário político. Não vou adentrar análise
dos motivos subjacentes a esse procedimento do PRS. Uns vão dizer que o PRS pós
em primeiro lugar os interesses da nação por isso aceitou a integrar o governo,
outros tendem a dizer que os interesses pessoais da elite do partido é que
falaram mais alto. Contudo, independentemente das razões que acoroçoaram o PRS
a assumir pastas no governo do PAIGC, as consequências dessa atitude
politicamente infeliz geram (vão gerar) os mesmos resultados. É importante
sublinhar que o PAIGC apenas fez seu jogo político, pós a funcionar uma
estratégia política inteligente. Realmente, o convite do PAIGC ao PRS para este
integrar o governo – mesmo possuindo a maioria parlamentar e, portanto, não precisaria
de um governo alargado (de inclusão) para governar – foi um golpe político de
mestre cujas implicações políticas são muito profundas, transcendendo relações
partidárias, atingindo as estruturas macropolíticas de relação de disputa de
poder no país. A guinada do PRS para centro tende a produzir implicações muito
significativas no xadrez político guineense. Que implicações, quais mudanças?
O PRS, ao participar do governo do PAIGC
arrisca-se a perder legitimidade política de contestar e denunciar na próxima
corrida eleitoral o governo do PAIGC e seus feitos realizados durante seu
mandado. Ademais, os renovadores não se beneficiarão política e eleitoralmente
de quaisquer méritos que o atual governo do PAIGC usufruir da sua governação,
mesmo sendo titular de alguns cargos desse governo.
No entanto, a principal implicação da
guinana do PRS do seu polo político histórico para centro, fazendo um governo
de coalizão com o PAIGC, é o vazio que se cria no espectro político do país. Em
outros termos, a configuração política que desenha-se é de unipolaridade (um só
polo representado pelo PAIGC). Não obstante, essa polaridade poderá desfazer-se
ou consolidar-se, dependendo da dinâmica dentro do tabuleiro político
guineense. Os determinismos definidores de nova configuração política na
Guiné-Bissau são o próprio PAIGC, de um lado, do PRS e de Assembleia de Povo
Unido – Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), do outro. Se o PAIGC
conseguir controlar os ventos de fragmentação que lhe assolam – coisa dificílima
devido a interesses antagónicos conflitantes (de partilha do poder no governo e
no próprio partido), de alguma forma, imanentes às estruturas do partido
governista – poderá consolidar a ordem política que se forma atualmente na
Guiné-Bissau, unipolaridade de predomínio paigcista.
Por outro lado, torna-se muito difícil,
senão improvável, o PRS voltar a polarizar com o PAIGC. Além da sua
contraproducente coabitação com o PAIGC (politicamente falando), as desavenças
de sua direção política superior com Kumba Yalá – as quais teriam impulsionado
este a “apadrinhar” um candidato independente, que alcançará, a posteriori,
segunda volta das presidenciais de 2014 – geraram profundas repercussões no
partido dos renovadores, culminando com a dissidência de muitos dirigentes e
militantes do partido. Esses dois fatores enfraquecem o PRS, tornando-se,
portanto, difícil, na atual conjuntura, encontrar elementos que municiam uma
análise otimista que vislumbre um PRS capacitado a reassumir, a curto e médio
prazos sua condição histórica de oponente direto do PAIGC, em uma condição de
bipolaridade política.
E qual partido poderá ocupar o vácuo
(que está sendo) deixado pelo PRS? Pode ser a agremiação presidida pelo Nuno
Gomes Nabiam, o recém-criado partido Assembleia de Povo Unido – Partido
Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB). Alguns elementos nos levam a engendrar
essa hipótese. O primeiro é o resultado das últimas eleições presidenciais, em
que o presidente de APU-PDGB alcançou (na sua primeira corrida presidencial)
segunda colocação. É facto que ele foi eleitoralmente respaldado pelo
carismático Kumba Yalá, mas é também verdade que muitos simpatizantes do PRS e
eleitores leais do Yalá emigraram em massa para APU-PDGB.
Associado a isso, muitos dirigentes
superiores do PRS e do Partido Republicano para o Desenvolvimento (PRID) (outro
partido de oposição de médio porte) manifestaram publicamente sua ruptura com
suas anteriores formações políticas, aderindo ao novo partido, encabeçado pelo
Nabiam. Como pode perceber o leitor, o meu pressuposto analítico não enxerga
qualquer possibilidade de configuração de uma ordem política multipolar na
Guiné-Bissau, desprovida de predomínio de um ou dois partidos políticos. Os
desdobramentos políticos a curto e médio prazos na Guiné-Bissau, independentemente
de sua natureza e dinamicidade, apontam para apenas dois caminhos possíveis: o
predomínio de um partido ou polarização de dois entre os demais.
Para concluir, sendo inviável esgotar
esta análise neste espaço, asseveramos que a velha ordem política polarizante
PAIGC versus PRS está em seu irreversível processo de desmoronamento, e na
hodierna conjuntura político-partidária constrói-se uma ordem unipolar, cuja
solidificação (unipolaridade política) ou dissipação (engendrando à polarização
político-partidária) depende do PAIGC, PRS e APU-PDGB. Contudo, a plena
configuração de nova relação de disputa de poder na Guiné-Bissau (cujo processo
de construção já está em curso) tende a depender mais dos independentistas e
APU-PDGB do que dos renovadores.
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