No público
A União Europeia não está ameaçada por
uma crise de imigração, argumenta o director da Amnistia Internacional para a
Europa e Ásia Central, John Dalhuisen, lembrando que nos anos 1990 foram
acolhidos muito mais refugiados dos Balcãs sem problemas.
John Dalhuisen falou com o PÚBLICO numa
passagem por Lisboa, onde esteve a participar na Assembleia Parlamentar da
União para o Mediterrâneo falando sobre imigração e asilo.
O director da Amnistia Internacional
para a Europa e Ásia Central vê com bons olhos as propostas da ComissãoEuropeia (de que eram conhecidos apenas traços gerais no dia da entrevista),
sobretudo o reconhecimento de que é preciso haver redistribuição das pessoas
que a UE recebe entre os vários Estados-membros. Já ao atacar os traficantes na
Líbia sem estabelecer canais para que os imigrantes possam sair do país, a UE
poderá condená-los a viver em condições deploráveis.
Como
vê as últimas propostas europeias em relação à imigração e às mortes no
Mediterrâneo? Como convencer muitos países, pressionados por populistas e
extrema-direita, a aceitá-las?
O que aconteceu nas últimas semanas,
após o fim-de-semana em que de uma só vez morreram 800 pessoas, foi um acordar
para um drama. As pessoas viram que o fim da operação marítima italiana foi um
erro trágico, mesmo os populistas que não seriam favoráveis à imigração
perceberam que não se pode deixar as pessoas morrer assim. Há pelo menos
propostas para a parte da busca e salvamento. Há uma crise no mar, mas aqui o
prognóstico parece bom.
E
quanto à pressão para receber mais imigrantes?
Enquanto há uma crise global de
refugiados – 50 milhões de refugiados ou deslocados em todo o mundo – a Europa
não enfrenta uma crise de imigração. Ainda estamos a falar de cerca de 600 mil
pedidos, números que são geríveis. Não temos uma crise migratória, mas temos
desafios.
O número não é assim tão estratosférico,
sobretudo se compararmos com a resposta ao conflito nos Balcãs nos anos 1990,
quando os países europeus absorveram confortavelmente vários milhões de pessoas
e isso não criou tensão social.
Há
muitos mitos. Sondagens mostram que as pessoas acham que a percentagem de
estrangeiros é maior do que na realidade, que o número de refugiados é maior.
Como se luta contra isto?
Ouvimos hoje de novo na AR alguém dizer
que entre 100 e 200 milhões de pessoas da África Subsariana estão a planear
chegar à Europa. Como é que se consegue calcular isto? Podemos dizer que há 200
milhões de pessoas na Europa que já tiveram a ideia de talvez um dia ir viver
para a América, isso não quer dizer que estejam a comprar bilhetes de avião. A realidade
é que, se virmos no ano passado, dos 270 mil que entraram por rotas marítimas
mais de metade eram refugiados – da Síria, Eritreia, Somália, Afeganistão. A
ideia de que a Europa tem esta ameaça atrás dos refugiados, uma horda de
pessoas que se querem aproveitar do sistema, é estatisticamente falsa. Agora,
isto não quer dizer que se deva abrir as fronteiras a todos; isso é ridículo e
cada país tem o direito e o dever de proteger as suas fronteiras.
Como
se distingue migrantes económicos de pessoas com pedidos legítimos de asilo?
Essa distinção não pode ter como base o
país de origem – não podemos partir do princípio de que todos os que vêm do
Níger são migrantes económicos, porque alguns podem ter razões específicas.
Grupos evidentes são mulheres (sujeitas a abuso, mutilação genital feminina,
por exemplo), lésbicas, gays, talvez outros com ligações a sistemas políticos
corruptos – vai sempre ser preciso uma avaliação individual. Mas não há razão
para que essa avaliação não possa ser feita rapidamente, meticulosamente e com
justiça, e depois as pessoas recusadas voltarem.
Estatísticas
mostram que há uma grande diferença nas taxas de aprovação de vários
Estados-membros. Porquê? A mesma pessoa teria hipóteses diferentes em países
diferentes?
Em alguns casos sim. Mas alguma da
diferença na taxa de aprovação reflecte a diferença da origem dos que pedem
asilo e isso varia muito. Há países que têm muitos pedidos de sérvios ou
kosovares e poucos desses são realmente casos genuínos de asilo.
No entanto, há mesmo diferenças. Essa é
uma das coisas que a proposta da Comissão Europeia está a tentar mudar, ver se
é possível harmonizar padrões. Penso que esta é uma parte interessante da
proposta da UE que é de facto bastante radical. É muito corajosa, sensata...
E
deverá falhar.
E deverá falhar, infelizmente. Porque a
Europa vai ter mesmo de ter qualquer mecanismo. Ou não se tem de todo, ou tem
de se ter um melhor. O sistema híbrido não é assim tão diferente, por exemplo,
do euro, em que há uma moeda única sem união fiscal, e não está a resultar. A
união de migração sem um sistema de distribuição também não vai funcionar.
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