segunda-feira, 6 de junho de 2016

Guiné-Bissau: O novo governo é assombrado pelo fantasma da última transição

Por, Dr. Timóteo Saba Mbunde

O governo que acaba de receber posse do Presidente da República tem gigantescos desafios, cuja consecução requer um desempenho óptimo que dependerá não só da vontade política de fazer, mas sim de capacidade e habilidade de saber fazer. Boa política não se resume apenas à disposição de querer, ela depende muito mais de uma visão política inteligente e habilidade de persuasão e convencimento em meio a quadros políticos adversos.

O primeiro desafio do executivo de Baciro Djá passa pela necessidade de sua própria legitimação, o que resultaria da construção e do fortalecimento de sua imagem enquanto governo crível aos cidadãos guineenses e principalmente à comunidade internacional. A ausência de suficiente legitimidade a que me refiro aqui não diz respeito estritamente à legalidade jurídica e constitucional, mas de pouca legitimidade popular decorrente de polémicas e enfrentamentos vivenciados no processo de gestação e constituição do referido executivo, a qual tende a se canalizar para o âmbito internacional e potencialmente dificultar profícuas parcerias do mesmo com os principais parceiros do desenvolvimento da Guiné-Bissau. Dito isso, me parece que o repúdio popular (e internacional, em alguma medida) à deposição dos dois governos do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), especialmente do primeiro, é sintomático e tende a produzir nível considerável de desconfiança e impopularidade em relação ao governo de Djá que acaba de entrar em funções.

Independentemente de refletir ou não a verdade dos factos, a narrativa política do PAIGC de que foi o Presidente Mário Vaz quem patrocinou crises políticas que levaram à destituição dos últimos dois governos e consequente formação do actual, é sólido e de difícil destruição. Não constituirá tarefa fácil demolir esse discurso político mediante os parceiros internacionais e a própria opinião pública nacional. Tal narrativa ainda se fortalece pelo facto de o Presidente da Guiné-Bissau, figura central desse cenário político, ser dono de uma imagem política significativamente contestada, cujo desgaste tem sido crescente em função do embate político com o PAIGC, particularmente com o presidente desta agremiação política, desde o início desta legislatura – principalmente a partir da destituição do governo deste último.

Não podemos olvidar de que boa parte dos integrantes do actual executivo é representada por figuras do Partido de Renovação Social (PRS), facto que suscita descontentamento adicional dos eleitores que votaram maioritariamente no PAIGC. No entanto, embora a Constituição da República não tenha dado conta com suficiente nitidez e necessária substância a questão de admissibilidade ou não de governos dessa natureza pelo sistema político guineense, a história política do país guarda nas respectivas páginas experiência parecida de efectivo exercício dessa arquitectura política. Portanto, penso que os desafios para a viabilidade deste governo se concentrarão mais no âmbito de gestão política, tendo sido a dimensão jurídica do imbróglio relativamente superada.

Desta feita, os grandes desafios deste governo são o fortalecimento de sua legitimidade e fornecimento de serviços básicos ao país, ambas as condições, necessárias para evitar os fantasmas de 2012, tendem a ser interdependentes e indissociáveis no hodierno quadro político. Em 2012, após o golpe de 12 de Abril, o governo de transição, que acabaria por gerir o país por dois anos (20122014), teve sérias dificuldades orçamentárias por conta de restrições económicas e financeiras internacionais a ele impostas. Claro que o actual governo não é derivado de um golpe de Estado, entretanto é alvo das mesmas críticas e objecções, senão piores das que eram direccionadas ao governo de transição, há quatro anos. O eco de contestações políticas do PAIGC não deve ser subestimado, podendo contribuir para comprometer o desempenho e tornar inviáveis os desafios do actual executivo, os quais a polémica natureza constitutiva do próprio governo já faz naturalmente colossais.

Penso que a conformação de desconfianças e incertezas sociais e políticas sobre o desempenho deste governo se nutre fundamentalmente da memória popular de recente tragédia socioeconómica que o governo de transição política de 2012 não conseguiu evitar, tendo colocado o país em um estado de penúria social e económica. É no âmbito político, especialmente nas relações exteriores, que o governo de Baciro Djá deve explorar a maior parte de esforços e habilidades político diplomático para impedir potenciais restrições económicas internacionais que são costumeiramente impostas aos governos cuja natureza (não) democrática é muito questionada.

A recente suspensão de apoio do Fundo Monetário internacional (FMI) ao país, em decorrência de empréstimos mal parados por governos cessantes, constitui concomitante e paradoxalmente um elemento complicador e uma oportunidade para este executivo. Manifestasse como uma oportunidade para o governo renegociar com o FMI e vendê-lo a imagem de um executivo responsável e transparente. No entanto, neste momento a recuperação de confiança deste, não passa apenas de uma possibilidade cuja concretização é incerta a curto prazo. Penso que o chefe de Estado, em coordenação político-diplomática estratégica com o Primeiro-ministro e o titular da pasta dos negócios estrangeiros, deve participar ativamente no papel de desanuviamento de desconfianças e reticências que, no meu ponto de vista, são a esse governo congenitamente atreladas, buscando cultivar legitimidade no plano regional e na esfera global como um todo. O envio do recém-nomeado Primeiro-ministro para representar o Presidente Vaz na cimeira de Dakar, logo nos primeiros dias após a sua indicação, me parece uma estratégia deste último para buscar legitimar com rapidez o novo chefe do governo junto dos parceiros regionais.

Entretanto, a capitalização de legitimidade deste governo deve começar de dentro para fora, cooptando os demais atores políticos partidários, mormente as representações dos partidos extraparlamentares – as quais não foram contempladas com cargos importantes no governo – no sentido de assegurar uma plataforma política mais sólida e ampla.


Qualquer omissão/erro político importante pode ser fatal. O fantasma de transição política de 2012 está bem por aí.

Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.

Sem comentários :

Enviar um comentário


COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.