sábado, 9 de dezembro de 2017

Progresso e esperança. 2

Por: Padre e professor de Filosofia Anselmo Borges, no Diário de Notícias

Como ficou dito, o livro Progresso, de Johan Norberg, apresenta dez razões para ter esperança no futuro. Continuo o seu elenco, para lá das apresentadas quanto à comida e ao saneamento.

3. Esperança de vida. Para não irmos a épocas anteriores piores, devemos referir que na década de 1830 a esperança de vida na Europa Ocidental ia até aos 33 anos e melhorou apenas de forma muito lenta. Antes de 1800, nenhum país do mundo tinha uma esperança de vida superior a 40 anos. O espantoso é que não existe um único país que não tenha visto melhorias na mortalidade infantil desde 1950.

4. Pobreza. Não precisamos de uma explicação para a pobreza porque é desse ponto que todos partimos. A pobreza é o que temos até criarmos riqueza. No início do século XIX, as taxas de pobreza eram superiores às dos países pobres hoje, até nos países mais ricos. Quando nos anos 50 do século XX a pobreza extrema foi erradicada em quase todos os países da Europa Ocidental, começou a segunda grande evasão da pobreza, na Ásia Oriental, com países como o Japão, a Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura, que acelerou quando os dois gigantes mundiais, a China e a Índia, decidiram começar a abrir as suas economias em 1979 e 1991, respectivamente. O segredo do desenvolvimento da Ásia foi a sua integração na economia global. Entre 1981 e 2015, a proporção de países de rendimento baixo a médio que sofriam de pobreza extrema foi reduzida de 54% para 12%. Em 1820, o mundo tinha apenas cerca de 60 milhões de pessoas que não viviam em pobreza extrema. Actualmente, mais de 6,5 mil milhões de pessoas não vivem em pobreza extrema.

5. Violência. Nos inícios da Idade Moderna, aconteceu uma coisa incrível: A taxa europeia de homicídios caiu de 30-40 para 19 por cada 100 mil vítimas no século XVI e para 11 no século XVII. No século XVIII, desceu para 3,2 e hoje é de apenas 1. Entre o século XVII e o século XVIII, o número anual de execuções por cada 100 mil pessoas baixou de mais de 3 para menos de 0,5. Hoje ronda os 0,1. Claro que os riscos de guerra, incluindo nuclear, estão aí à vista. Pense-se nisto: A qualquer momento um grupo terrorista pode deitar a mão a uma bomba nuclear. Mas as tendências gerais a favor do valor da vida e da paz são fortes.

6. Ambiente. Disse Indira Gandhi: Não são a pobreza e a necessidade os maiores poluidores? O ambiente não pode ser melhorado em condições de pobreza. Os danos maiores dão-se nos países pobres. Agora, há o acesso global à soma dos conhecimentos da humanidade, e isso pode significar que o dilema no centro do aquecimento global - a nossa necessidade de energia - na verdade é também a sua solução.

7. Literacia. A taxa global de literacia cresceu cerca de 21% em 1900 para quase 40% em 1950 e em 2015 era de 86%. Isso significa que actualmente apenas 14% da população adulta não sabe ler e escrever, ao passo que em 1820 apenas 12% sabiam.

8. Liberdade. No ano de 1900, exactamente 0% da população mundial vivia numa democracia verdadeira, na qual cada homem ou mulher vale um voto. Em 1950, 31% vivia em democracia e no ano 2000 ia nos 58%. Hoje, até os ditadores têm de fingir gabar a democracia e forjar eleições.

9. Igualdade. É um facto: continua a haver discriminação e intolerância contra as mulheres, os homossexuais, minorias étnicas e religiosas e há pessoas que são vítimas de preconceito, hostilidade e crimes de ódio. Mas hoje, com raras excepções, pela primeira vez, os governos defendem a igualdade e o direito de amarmos quem quisermos e os fanáticos já não têm o auxílio, nem sequer o silêncio, das maiorias. Quando se pensa na escravatura, no racismo, na opressão das mulheres, é difícil não constatar um progresso espantoso.

10. A próxima geração. Apesar do que se diz nos noticiários, as condições da infância nunca foram tão benévolas como agora. O autor pede para se imaginar uma menina de 10 anos há duzentos anos. Fosse onde fosse, não esperaria viver mais de 30 anos. Fora criada em condições que hoje consideramos insuportáveis. Vivia num mundo implacável, onde o risco de morte violenta era quase três vezes superior ao actual. Desde então, a humanidade assistiu a uma revolução nos níveis de vida material e à consciência dos direitos humanos. E quando se pensa nos avanços em conhecimento de todo o género em que essa menina vai hoje poder participar, deve reconhecer-se que está a dar os primeiros passos num mundo novo. O nosso futuro está nas mãos dela.

11. Epílogo. As coisas terem melhorado - esmagadoramente - não garante o progresso no futuro. É evidente. Pense-se inclusivamente na possibilidade do Apocalipse: armamento nuclear nas mãos de grupos terroristas. A nova situação do mundo não faz correr o risco da morte global?

No meu entender, neste livro tão animador há um vazio: a falta da invocação da transcendência. Para, concretamente num tempo de desorientação, de inesperança, de consumação do niilismo, niilismo sedado, responder às perguntas metafísico-religiosas, inelimináveis: viver para quê?, qual o sentido último do progresso e da existência?

Pensando precisamente no futuro da humanidade, que na sua grande maioria ainda se afirma religiosa, poderíamos esperar que, como líder global, Francisco dê impulso à reunião do Parlamento Mundial das Religiões para tratar de problemas cuja urgência para a humanidade ninguém pode negar, como a salvaguarda da mãe Terra, questões de bioética e relacionadas com as NBIC (nanotecnologias, biotecnologias, inteligência artificial, ciências cognitivas e do cérebro), diálogo intercultural e inter-religioso, governança global, a justiça e a paz mundial, trans-humanismo e pós-humanismo, a esperança e o sentido.

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