terça-feira, 28 de agosto de 2018

SEGURANÇA NACIONAL E DEFESA NACIONAL NO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO

A Segurança Nacional e a Defesa Nacional são deveres-função inalienáveis do Estado de Direito Democrático […] A finalidade do Estado, é de proteger e cuidar do bem-estar do seu povo.

[…] A segurança e a defesa dos Estados sempre foi uma tarefa essencial à sua existência e à garantia de vida do seu povo. A Segurança e a Defesa Nacionais são deveres-funções do Estado de altíssima complexidade e de elevados custos.

O Estado deve ter o poder militar; este é (ou deve ser) o seu poder de força para garantir a sua soberania perante os demais Estados e defender as suas instituições, o seu território e o seu componente humano. […]

Por, Tenente-coronel Geraldo Afonso da Cunha

1. INTRODUÇÃO

A Democracia é um regime político de origens remotas, havendo dúvidas entre os estudiosos sobre o momento preciso de seu surgimento. Mesmo diante dessa incógnita, a maior tendência é a de se considerar que ele teve origem por volta do ano 500 a.C., na Grécia Antiga, onde foi exercido pelo povo da cidade-estado de Atenas. Em sua fase inicial, a Democracia era exercida directamente pelo povo, que decidia os destinos da cidade-estado de Atenas através do voto da maioria, ou seja, o povo realmente se governava. Naquele tempo, várias classes sociais não tinham direito ao voto, a exemplo dos escravos, dos militares e dos agricultores. Assim sendo, os “eleitores” se limitavam a um reduzido número de cidadãos e isto tornava viável fosse colhido o voto de todos para o Estado adoptar a “vontade popular” em suas acções.

Este regime passou por várias modificações ao longo dos tempos. O crescimento populacional e a extensão do direito de voto a um número maior de cidadãos exigiu-lhe adaptações substanciais. Foi assim que o direito de voto foi estendido a praticamente todos os cidadãos, passando a forma indirecta ou representativa a ser utilizada na escolha dos destinos políticos do Estado Democrático.

No que se refere ao Estado, ele também passou por várias modificações ao longo dos séculos e continua se amoldando às constantes e rápidas mutações – traço marcante das sociedades contemporâneas. Em verdade, apesar de os Estados antigos terem, em regra, massacrado os seus “súbditos”, este não era e nunca foi o verdadeiro propósito ou a finalidade destes entes onipotentes. Nesse sentido, pode dizer-se que essas situações caracterizaram, e ainda caracterizam, porque vigentes em muitos lugares, um desvio da finalidade do Estado, que sempre foi a de proteger e cuidar do bem-estar do seu povo.

A segurança, em sentido lato, sempre foi – continua a ser – uma grande preocupação dos governantes em todos os Estados, em todos os tempos. Nos estágios mais remotos e mesmo nos primórdios da Idade Contemporânea, os governantes sentiam grande necessidade de ampliar os seus domínios e as chamadas “guerras de conquistas” foram uma realidade durante muitos séculos. Foi neste contexto que alguns povos conseguiram expandir seus domínios em muitas direções, como ocorreu, por exemplo, com o Império da Macedônia Antiga (808 a.C./168 a.C.) e o Império Romano (27 a.C./476 d.C.).

A guerra e as constantes ameaças de sua irrupção levaram os governantes a manter grandes efetivos em seus exércitos para garantir os seus territórios contra invasões e/ou ataques de outros povos. Nesse sentido, não é errado dizer que este foi o traço marcante de todos os Estados Antigos que conseguiram existir ao longo dos tempos. Esses Estados foram, em regra, os que se tornaram poderosos e hegemônicos sobre muitos outros e até mesmo sobre todos os outros Estados, em determinados períodos da história.

Diante deste preâmbulo, vê-se que a segurança e a defesa dos Estados sempre foi uma tarefa essencial à sua existência e à garantia de vida do seu povo. Fazendo-se uma inferência a partir desse legado histórico, pode entender-se que os esforços em prol da Segurança e da Defesa do Estado sempre se fizeram presentes em todos os Estados Constituídos. Esses “esforços” se prolongaram para além dos séculos e até hoje não se concebe o Estado sem o poder militar; este é (ou deve ser) o seu poder de força para garantir a sua soberania perante os demais Estados e defender as suas instituições, o seu território e o seu componente humano.

Nesse prisma, este artigo contém apontamentos relevantes sobre a Segurança Nacional e a Defesa Nacional no Estado de Direito Democrático, enfatizando-se alguns aspectos pertinentes ao Brasil e a Portugal. Diante disto, a investigação teve como problema e objetivo central apresentar considerações relevantes sobre Segurança Nacional e a Defesa Nacional. Os objetivos específicos ou parcelares do estudo foram apresentar vários entendimentos sobre a Segurança lato sensu e a Defesa do Estado, nomeadamente conceitos diversos pertinentes ao tema nos âmbitos brasileiro e português.

O estudo foi realizado através de pesquisa teórico-bibliográfica e documental, fundada em textos científicos, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), na Constituição da República Portuguesa de 1976 (CRP/76), em leis e livros doutrinários específicos sobre o tema, bem como em documentos outros disponibilizados na Internet e em bibliotecas diversas, em Lisboa.

2. SEGURANÇA NACIONAL E DEFESA NACIONAL NO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO

A Segurança e a Defesa Nacionais são deveres-função do Estado que em primeiro plano estão a cargo das Forças Armadas. No Brasil, esta função está prescrita no art.º 142 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), onde se registra que as forças armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” [1]. A Constituição da República Portuguesa de 1976 (CRP/76) estabelece em seu art.º 273º, n.os 1 e 2, respectivamente, que “É obrigação do Estado assegurar a defesa nacional (...)” e que ela “(…) tem por objectivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas” [2].

No contexto em estudo, apesar de a Defesa e a Segurança Nacionais não serem em regra consideradas de forma isolada, procurou-se enfatizá-las de forma separada neste Capítulo.

2.1 SOBRE A SEGURANÇA NACIONAL

A Segurança Nacional e a Defesa Nacional são deveres-função inalienáveis do Estado de Direito Democrático. Nesse rumo, a palavra defesa significa “Ato de se defender. Aquilo que serve para defender. Ato ou forma de repelir um ataque”. Já a palavra segurança apresenta-se como o “Ato ou efeito de segurar-se; estado, qualidade ou condição de seguro”[3].

No contexto da Segurança Nacional, “(…) é indiscutível que, na última década, a situação estratégica e o ambiente internacional se alteraram profundamente, com o surgimento de novas, inesperadas e importantes condicionantes”[4]. A crise económico-financeira instalada na Europa, em particular na Zona Euro, fez surgir uma nova fase de inquietação e incerteza sobre o futuro coletivo dos europeus[5], e, quiçá, do mundo inteiro. Neste cenário, importa sublinhar que “(…) a instabilidade [no mundo atual] é igualmente criada pelos novos tipos de ameaças, algumas já manifestas, de que os trágicos acontecimentos de Nova Iorque, Madrid e Londres são o paradigma”[6].

Em meio a este clima de instabilidade, nomeadamente nessa conturbada altura do século andante, os estudiosos do tema em apreço elaboraram um conceito alargado de segurança, donde se destaca [7]:

Actualmente, a Segurança vê o seu conceito alargado a domínios como a política, a economia, a diplomacia, os transportes e as comunicações, a educação e a cultura, a saúde, o ambiente, a ciência e a técnica, procurando encarar riscos e ameaças, em que a vontade e os interesses particulares dos diferentes actores se manifestam neste ambiente.

A Segurança também modificou o seu valor, passando-se de uma segurança de protecção dos interesses vitais ameaçados por um inimigo comum, ou seja, de uma segurança previsível, para uma segurança agora orientada para riscos diversos, mais difusos na forma, origem, espaço e actores, onde a imprevisibilidade aumenta as condições para a eclosão de conflitos. A Segurança passou assim a ter interesses além dos vitais, por vezes materializados longe da base territorial dos Estados.

Ainda no âmbito do conceito alargado de segurança, importante citar as seguintes assertivas [8]:

A segurança das sociedades hodiernas tornou-se uma matéria analítica indispensável para a vida dos indivíduos, sendo considerada um instrumento valioso de desenvolvimento. O paradigma alterou-se e o Estado deixou de ser o único ator pela alteração do objeto da segurança que passou a ser a sociedade dos indivíduos.

O panorama securitário densificou-se com novos atores, cenários e ameaças. Para além da polissemia do conceito, em si, a segurança alargou-se a novas áreas. Não basta salvaguardar os Estados, há que proteger os indivíduos e garantir valores como o bem-estar, a liberdade individual, a segurança individual e promover o desenvolvimento humano, erradicando as causas das ameaças.

Destarte, nota-se que no contexto da segurança, em sentido lato, “(…) os interesses vitais são praticamente os mesmos, mas a segurança ampliou-se para além do vetor militar, às dimensões económica, societal, ambiental e humana”[9]. Foi a partir desse entendimento que o conceito de segurança foi reelaborado, tendo-se por fundamento o pressuposto teórico de que a segurança militar não esgota a segurança no que pertine ao exercício das funções de soberania próprias do Estado moderno [10] [contemporâneo].

A insignificância do homem em face da grande gama de riscos e ameaças decorrentes de fenômenos naturais e principalmente da sua capacidade de destruir os seus semelhantes é um fator complicador para a segurança. Nessa esteira, destaca-se o seguinte [11]:

A consideração do Homem pela posição de relativa fraqueza no ambiente em que vive, num mundo indómito e perigoso, gera medo como construção social que decorre da consciencialização da sociedade de múltiplos riscos. [...]. Este ambiente complexo e difícil, pela intensificação das relações sociais à escala mundial, pela descontextualização das instituições e pela não linearidade dos processos de mudança social originou, concomitantemente, a externalização das fronteiras da segurança interna, embora se mantivesse as suas dimensões objetiva e subjetiva.

Interessante sublinhar, também, que “(…) no presente, cada vez mais, a Segurança e a Defesa asseguram-se na fronteira dos interesses e em quadros colectivos e cooperativos. A procura de resposta aos desafios de Segurança, Defesa e Desenvolvimento num mundo interdependente coloca aos Estados uma multiplicidade de desafios”[12].

Diante desse desfavorável quadro que revela em seu âmago sérias ameaças à paz mundial, a partir da sua explícita capacidade de fragilizar a Segurança e a Defesa dos Estados [13].

A resposta a esses desafios passa pela conceptualização de uma nova legitimidade para intervenções, impondo forçosamente a definição dos mecanismos nacionais e internacionais com capacidade para garantir a Paz e a Estabilidade Internacional e de permitir aos actores com responsabilidade na sociedade internacional uma orientação da sua acção.

De toda a sorte, “o Estado permanece como um ator relevante nas relações internacionais, ainda orientadas em grande parte por lógicas de poder. Nas ordens interna e externa, o Estado continua a ser o interlocutor predominante, embora a complexidade do atual ambiente de segurança tenha conferido um papel de progressiva relevância a outros atores”[14].

Ao se considerar o alargamento do conceito de Segurança, vê-se a Segurança Nacional como espécie do gênero Segurança Alargada, Segurança Humana ou Grande Segurança. Esse entendimento se funda no fato de a construção doutrinária sobre o ‘alargamento’ do conceito de segurança abarcar as várias vertentes da Segurança, envolvendo tanto as condições de proteção do Estado quanto do seu povo; assim, entende-se que a Segurança (alargada) pode ser considerada um gênero composto pelas espécies Segurança Nacional (Interna e Externa) e Segurança Interna (ou Segurança Pública); esta última – entende-se – tem como subespécie a Proteção (e Defesa) Civil, cujas atribuições maiores, via de regra, estão a cargo dos Corpos de Bombeiros.

As condições necessárias à garantia da Segurança Interna da população e do seu património estão intimamente atreladas às condições necessárias à manutenção da Segurança Nacional. É de se ressaltar que a Segurança e a Defesa das pessoas e do Estado existem em planos ou em situações diversificadas. A Defesa entra em cena quando a Segurança é comprometida, frustrada ou rompida; ambas são independentes, mas guardam relação no tocante ao objeto que devem defender e assegurar, respectivamente. É sob esse raciocínio que se entende que a Segurança Interna é fundamental à manutenção/garantia da Segurança Nacional.

Como se evidenciou, a Segurança Nacional diz respeito a uma série de fatores, condições, situações, enfim, ao estado que possibilita a realização dos fins e objetivos do Estado. Para tanto, exige-se o sincronizado funcionamento de todas as Forças de Segurança. No contexto em discurso, sobressai-se o seguinte [15]:

Segurança e Defesa são interdependentes e abrangem as razões e políticas do Estado democrático tanto interna como externamente. Contêm e legitimam uma das mais importantes prerrogativas da autoridade pública que é o monopólio legítimo e legal do uso da força para manter a ordem democrática. Segurança é o dever do Estado de criar condições para que o indivíduo possa viver em comunidade livre de ameaças, em liberdade e bem estar; é um estado em que a satisfação de necessidade e desejo está garantida pelo caráter daquilo que é firme ou daquele com quem se pode contar ou a quem se pode confiar inteiramente; a tranquilidade que dela resulta é a situação em que não há nada a temer. Defesa é meio ou método de proteção; capacidade de resistir a ataque; equipamento ou estrutura de proteção; complexo industrial que autoriza e supervisiona a produção e aquisição de armamentos e demais recursos militares afins.

Nesse prisma, nota-se que o Estado de Direito Democrático contemporâneo, em regra, teve que adequar a noção tradicional de Soberania às diversas modificações radicais, rápidas e constantes, levadas a efeito pelo avanço tecnológico, e, nomeadamente, pela Globalização dos Mercados e de praticamente todas as atividades humanas. Esta realidade impôs ao Estado a necessidade de adequar o conceito tradicional de soberania construído pelos primeiros teóricos da Teoria Geral do Estado, a partir do Século XVI [16].

O fenômeno da Globalização levou os Estados a se organizarem em ‘blocos’, movidos pela necessidade de se estreitar/fortalecer relações comerciais e outros interesses e objetivos comuns – principalmente econômicos e bélicos [17]. Diante de tudo isto, nota-se que hoje vige uma “soberania mitigada”, onde muitos governantes, por razões óbvias, não detêm plenos poderes sobre os territórios que “governam”.

As afirmações atrás não querem dizer que os Estados foram “franqueados” a todos, a qualquer momento e de qualquer forma. A soberania, tanto no contexto interno quanto externo, continua existindo e merecendo atenção ainda maior, haja vista que a entrada, saída e permanência em muitos Estados foram ‘facilitadas’ pela Globalização. O que se pode inferir com esta realidade é que a segurança dos Estados foi fragilizada, tornando-se a sua efetiva realização um desafio maior do que antes.

No âmbito específico do Brasil, Rui Monarca da Silveira, General do Exército Brasileiro, assinala que, para a Escola Superior de Guerra (ESG), a Segurança é definida como “o estado de garantia da sobrevivência e estabilidade dos indivíduos, comunidades, nações e grupos de nações, em clima que permita o seu desenvolvimento e a realização do seu potencial, em um ambiente saudável para as gerações presentes e futuras”[18].

O General Silveira expõe vários entendimentos sobre os termos em estudo. Ele cita outra definição, apresentada pelo Exército Brasileiro, em 2002, durante reunião para tratar da Política de Defesa Nacional (PDN). Tal definição assevera que “Segurança Nacional é a condição que visa a obtenção e a manutenção dos objetivos e interesses da Nação, por meio da integração e do emprego coordenado das várias expressões do Poder Nacional”[19]. Neste contexto, Silveira ressalta que “(…) infelizmente, a atual PDN não contempla a concepção de segurança com a abrangência desejada, posto que a Segurança Nacional, muito mais ampla que a Defesa, deve integrar os demais campos do Poder Nacional ao [poder] militar”[20].

No âmbito da complexidade em que se insere a Segurança Interna, conforme se referiu antes, importante frisar que as ações desenvolvidas pelos órgãos (ou forças) de segurança, na imensa maioria dos Estados, não conseguem obstar as ações e o avanço do crime e da violência por ele espalhada. Nesse sentido, em sendo o crime visto e considerado como “fato social”, sabe-se que este fenômeno se cerca de uma série de fatores de variadas ordens, mas suas verdadeiras causas (ainda) são desconhecidas.

Dentre os fatores acima referidos, acredita-se que a impossibilidade de se concretizar a imensa maioria dos direitos fundamentais ocupa papel de destaque no rol de fatores que se relacionam ao crime. Em verdade, a Segurança, dever-função do Estado de Direito Democrático (EDD) tem no seu contraponto o direito fundamental de todos à Segurança e à Liberdade nas suas várias vertentes e em conformidade com as necessidades humanas. Nestes termos, “a segurança não se restringe apenas à garantia de liberdade, de propriedade, de locomoção e de proteção contra o crime, mas, também, de outras necessidades básicas do indivíduo e da coletividade para atingir o [...] bem-estar, como saúde, educação, moradia, alimentação, emprego, lazer, respeito e outros valores”[21].

No que diz respeito ao crescente avanço do crime, nomeadamente em sua forma organizada, interessante destacar que este é um fato que coloca em causa a Segurança Nacional e destrói as condições (mínimas) necessárias à segurança da população, afastando-se por completo o sentimento ou sensação de segurança por todos. Esse quadro se faz presente e vem sendo nitidamente incrementado de forma alargada no Brasil. Esta realidade é corroborada pelo General Rui Monarca da Silveira [22]:

Temos de aceitar, todavia, que o narcotráfico e o crime organizado se desenvolveram muito nos últimos anos e se constituem em novas ameaças contra a segurança dos Estados. Os conceitos de segurança e de defesa, em face dessas ameaças, devem incorporar novas concepções, ao lado dos conceitos tradicionais de soberania, autodeterminação e identidade nacional.

No tocante à Segurança em sentido lato, a figura 1, que se segue, demonstra o entendimento que se tem sobre este dever-função do Estado e direito fundamental de todos, revelando que a Grande Segurança ou Segurança Humana se apresenta como um gênero formado por espécies de segurança. Vislumbra-se também na figura 1 o caráter multidisciplinar e plurissetorial que caracteriza a Grande Segurança ou Segurança em sentido lato. Esta característica exige uma perfeita simbiose entre todas as suas vertentes ou espécies [23]. Nesse sentido, todas as Forças e Serviços de Segurança, bem como as Forças Armadas, são responsáveis pela Segurança Pública (da população) e pela Segurança Interna (do Estado); nas circunstâncias ordinárias esses órgãos têm suas atribuições específicas e em circunstâncias extraordinárias, a exemplo da ocorrência de acidentes graves, catástrofes e/ou guerra interna, todos eles são empregados nos esforços dispendidos em prol da proteção e socorro da população, do seu patrimônio e da defesa do Estado [24].


Verifica-se na figura 1 que há uma interligação entre as várias vertentes da Segurança em sentido lato ou da Grande Segurança. Esta última aparece no topo da figura, pois se entende que ela tem um conceito mais amplo, abrangendo todas as vertentes da segurança. A participação da população, entidades privadas e de outros órgãos públicos em atividades afetas à Segurança Pública ou Segurança Interna aparece propositadamente na figura 1 em retângulo tracejado, vinculada à Proteção Civil. O intuito foi o de se demonstrar que estas pessoas devem participar apenas e tão-somente de esforços específicos de apoio, fora do Teatro de Operações (TO), na retaguarda. Importa frisar que a participação desses “terceiros” em qualquer vertente da Segurança deve ocorrer com o devido resguardo, sendo interessante que atuem como colaboradores e informantes das Forças/Órgãos de Segurança no dia-a-dia (ordinariamente) e em tarefas que não possam comprometer a incolumidade dos mesmos.

Dessa forma, é relevante que todo cidadão esteja consciente da sua importância no âmbito preventivo, tanto de ações criminosas quanto de acidentes e sinistros de várias ordens. Em ações específicas de Defesa Pública/Defesa Interna e de Defesa Civil, essas personagens devem se ocupar tão-somente de atividades que não impliquem em riscos atuais e/ou iminentes à vida e à incolumidade física de cada uma delas.

A partir da figura 1 nota-se que a Grande Segurança compreende a segurança-direito-dever fundamental, consagrada a todos na norma descrita no art.º 27º, n.º 1, da CRP/76 (“Todos têm direito à liberdade e à segurança”) e, nomeadamente, nas Cartas Magnas doutros EDD (quiçá de todos), a exemplo da Constituição do Brasil de 1988 (art.º 144, caput)[25] e da Constituição da Espanha de 1978[26] (art.º 17, n.º 1: “Todos têm direito à liberdade e à segurança” )[27]. Além da segurança da população, a Segurança do Estado, representada pela Segurança Nacional, também se insere na Grande Segurança.

Diante de tais evidências, infere-se que a Segurança, quando considerada em sentido lato [Segurança Humana], abarca o oferecimento de garantia ao povo de condições necessárias (ou ao menos satisfatórias) à efetivação dos direitos (humanos) fundamentais consagrados na Constituição. Importa reafirmar que todos esses direitos têm como objeto a tutela da dignidade humana em suas variadas vertentes: direito à vida, à locomoção, à paz social, à incolumidade das pessoas e do patrimônio, à saúde, educação, trabalho, moradia, acesso à justiça, dentre outros.

As afirmações que se seguem corroboram o entendimento registrado nos parágrafos anteriores:

Fundamentalmente, a segurança humana implica proteger as liberdades vitais, socorrer as pessoas expostas a ameaças e a situações difíceis, de tal modo que possam criar-se sistemas com dispositivos operacionais de sobrevivência, dignidade e meios de vida, apelando não só à protecção, mas também à prevenção e à habilitação das pessoas para valer-se a si mesmas em situação de vulnerabilidade [28].

Os novos riscos são qualitativamente diferentes dos riscos da sociedade industrial. Embora reconhecendo que os países pobres são naturalmente mais vulneráveis aos riscos do que os países ricos, Beck considera que os riscos tendem a ser “globais” no sentido de que transcendem as fronteiras nacionais, afectando potencialmente toda a humanidade e todas as formas de vida animal e vegetal [29].

A partir da citação anterior, nota-se como o conceito de segurança, no âmbito coletivo, é subjetivo e complexo, envolvendo todos os campos do poder. Diante disto, “a busca de segurança é aspiração legítima de todas as nações e abrange todas as formas de conter ameaças, seja em relação ao indivíduo, aos grupos sociais ou aos interesses nacionais”[30].

Desse jeito, percebe-se que a Segurança no EDD se encontra desenhada pari passu com os direitos fundamentais, sendo esses direitos o núcleo maior da sua conceituação como Segurança Humana. Esse conceito alargado de segurança, como já se referiu, vincula a sua efetividade à garantia das condições necessárias ao gozo dos direitos (humanos) fundamentais e, em regra, de todos os direitos consagrados ao cidadão. No que pese os objetivos e a amplitude deste conceito alargado, importa sublinhar que na imensa maioria dos Estados tudo isto (ainda) reside tão-somente no âmbito do dever-ser, ou seja, nas “letras frias” das Cartas Magnas e de tantas e tantas normas que integram os tantos ordenamentos jurídicos (“democráticos”). Tudo fica, portanto, no âmbito da abstração, totalmente afastado do cotidiano do cidadão, do ser, que é onde reinam as tantas mazelas sociais.

2.2 SOBRE A DEFESA NACIONAL

Como se explicou anteriormente, Segurança e a Defesa Nacional sempre são consideradas conjuntamente quando se refere à soberania dos Estados. Dessa forma, na seção numérica anterior, destinada à Segurança Nacional no Estado de Direito Democrático, fez-se também considerações sobre a Defesa Nacional.

A nova realidade internacional, como registrado alhures nestes escritos, traz consigo riscos e ameaças de grande amplitude para os homens e para o Planeta, nomeadamente as provocadas pela vontade humana, como a guerra, o terrorismo, o Crime Organizado Transnacional (COT) e o cibercrime. Nesse contexto, importante entender que a Defesa Nacional deve ser capaz de corresponder ao conceito alargado de Segurança e de flexibilização de fronteiras, com a necessária articulação das várias componentes, sempre buscando a inovação, a flexibilidade e a oportunidade de se atuar[31].

A Defesa, pela própria expressão do vernáculo, exprime um conjunto de ações, o agir de alguém para se defender de algo que o ameaça, e, no caso da Segurança Nacional, diz respeito ao ato de se defender de qualquer ameaça, atual ou iminente, vinda de fora ou do interior do Estado e que tenha por escopo atingir qualquer um dos elementos que o constitui: seu território, seu povo ou o poder constituído – representado pela sua soberania (interna e externa). Nesse sentido, o entendimento primeiro que se tem sobre a Defesa Nacional induz o emprego das Forças Armadas em ações militares ou em esforços de guerra, com manobras e/ou movimentações de tropas, equipamentos, armamentos, etc., para defender o Estado de agressão atual ou iminente.

Importa considerar que os riscos, ameaças e agressões ao Estado podem existir e surgir e ocorrer também no âmbito interno, ou seja, dentro do seu próprio território, levadas a efeito por nacionais e/ou estrangeiros e por motivos e interesses variados [32]. A Defesa Nacional é realizada através de uma série de esforços, levados a efeito pelas Forças Armadas e, em certas situações, também e conjuntamente com as Forças Policiais. Ela visa, em primeiro plano, garantir a independência do Estado, protegendo-o de qualquer tipo de ameaças ou intervenções que possam comprometer a sua soberania (externa e/ou internamente), o seu território ou o seu povo.

Em face da abrangência dos conceitos de Segurança e Defesa, importa destacar neste trabalho as afirmações do General Silveira, do Exército Brasileiro [33]:

[...] o conceito de segurança está associado a um estado de proteção e o conceito de defesa envolve ações, atitudes e medidas. Enquanto a defesa envolve medidas que incluem, prioritariamente, a aplicação direta do instrumento militar, estabelecidas com base em um quadro definido de ameaças, a segurança pode estar relacionada a uma série de ameaças não-ortodoxas, para as quais não se aplica resposta militar tradicional, como, por exemplo, o crime organizado e a instabilidade política e social.

Para o Exército Brasileiro, a Defesa Nacional é entendida como “o conjunto de ações do Estado, com ênfase na aplicação da expressão militar, para a proteção do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças externas”[34]. Este conceito foi aprovado pelo Ministro da Defesa, em 2002.

Importa sublinhar que “(…) as áreas de interesse estratégico brasileiro incluem a América do Sul, o Atlântico Sul, a costa ocidental da África e a Antártica. Dentre estas, do ponto de vista da defesa, a Amazônia brasileira e o Atlântico Sul são, hoje, as áreas prioritárias”[35].

Há que se destacar, ainda, que o Brasil possui objetivos no âmbito da sua Defesa nos planos regionais, hemisférico e global [36]:

[...]. Assim sendo, objetivos políticos, em todos os campos do Poder Nacional, devem ser traçados nos planos regional, hemisférico e global para atender especificamente à Defesa Nacional.

No plano regional, é necessário o incremento do relacionamento militar com os países vizinhos (o que já vem acontecendo), como consequência natural da aproximação política e econômica.

Nas ações preventivas de defesa deverá ser considerada a criação de mecanismos bilaterais de cooperação com os países da América do Sul (em especial, com os do Cone Sul) e da costa oeste da África, com o propósito de intensificar as medidas de confiança mútua e ampliar a interação político-estratégica.

No plano hemisférico, presentes seus interesses, o Brasil deve manter com os EUA um relacionamento bilateral, mediante diálogo maduro, franco e com proposições claras, sem competições ou antagonismos, de forma a diminuir possíveis resistências que possam trazer dificuldades ao País para afirmar-se como uma potência de âmbito regional.

No plano global, devem ser aprofundadas as relações, no campo de defesa, com atores-chave no cenário internacional, bem como com nações com nível de desenvolvimento compatível com o brasileiro, visando estabelecer importantes canais de entendimento para reforçar o quadro, do domínio político-estratégico, de associações relevantes para o País.

Neste cenário, as afirmações do General Silveira sobre a importância do Exército Brasileiro, em sentido lato, na Segurança e Defesa Nacionais são relevantes. Para o citado General, “(…) o Exército Brasileiro considera que o aparato de defesa deve ser capaz de dissuadir possíveis ameaças e desenvolver, a médio prazo, sua capacidade de projetar poder, conciliando as necessidades com as disponibilidades de meios e harmonizando a visão político-diplomática com a abordagem militar-operacional[37]”. Das várias afirmações do Oficial em referência, há de se sublinhar, também, a necessidade de todo cidadão saber que “o tratamento dos assuntos de segurança e defesa não se restringe unicamente ao estamento militar, mas, ao contrário, deve envolver os diversos segmentos da sociedade, de modo a desenvolver uma cultura que atenda verdadeiramente aos interesses nacionais”[38].

A afirmativa descrita antes, feita no ano 2004, pelo General (Exército Brasileiro) Rui Monarca da Silveira, entende-se, corrobora in totum as derradeiras afirmações registradas no Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) adotado pelo Governo Português, em março de 2013[39]:

O conceito estratégico de defesa nacional deve assumir-se como a estratégia nacional do Estado, destinado a dar cumprimento às suas tarefas fundamentais, para as quais concorrem as suas instâncias e organismos, bem como a própria sociedade. Este é um desafio para o qual todos estamos convocados.

O conceito estratégico de defesa nacional só se torna nacional a partir do momento em que Portugal e os portugueses o assumam como seu.

Conforme já se registrou alhures neste artigo, não se pode olvidar a íntima relação existente entre Segurança Interna/Segurança Nacional e Defesa Interna/Defesa Nacional. Estes deveres-funções do Estado devem existir e funcionar de forma harmônica. É preciso se ter em mente que Segurança e Defesa são campos ou áreas distintas, mas apesar de realizadas em momentos e situações diferentes, são interdependentes, sendo certo que o comprometimento de qualquer delas implicará o comprometimento da outra. Nesse rumo, as seguintes afirmações [40]:

Neste contexto complexo, diversos Estados têm vindo a definir ou reformular os seus Conceitos e Estratégia de Segurança Interna segundo uma visão integradora dos sistemas de segurança e proteção, onde a segurança interna assume posição relevante e premente na relação diária com os direitos, liberdades e garantias das populações. O pilar da segurança interna é, assim, mais um dos pilares estruturantes, que contribui para o avigoramento do Sistema de Segurança Nacional.

As Forças Armadas brasileiras (FA), como outras instituições públicas do país, desde há muito vêm passando por uma série de limitações de ordem financeira/logística. Aliada a esta questão, há também a insuficiência de efetivo em face da extensão territorial do país e da vigência do serviço militar temporário/obrigatório para Cabos e Soldados (conscritos) [41], via de regra, graduações que (ainda) constituem a base piramidal da imensa maioria de qualquer força armada. Nas FA brasileiras são raros os quadros de Cabos e Soldados profissionais, que, em regra, se concentram em áreas especializadas, a exemplo da saúde, das comunicações e da música. Isto implica num reduzido percentual de Cabos e Soldados profissionais no efetivo das três FA.

A deficiência logística interfere também, e grandemente, na (in)capacidade de selecionar os jovens que se apresentam anualmente para prestar o serviço militar obrigatório. Nesse sentido, dentre o grande número de convocados (anualmente) poucos são os jovens incorporados e que posteriormente passarão a integrar a reserva (não remunerada) da respectiva Força. A deficiência logística interfere também, e em muito, no ensino e no treinamento dos (poucos) conscritos, haja vista, dentre outros fatores, os custos decorrentes da formação militar: uniformes, munição, viaturas e veículos diversos (aeronaves, navios, carros de combate, de transporte de tropa, etc.), combustíveis, alimentação, alojamentos, vencimentos, saúde, e outros.

Diante desta situação, entende-se que o Brasil não tem o aparato militar necessário para garantir, de forma satisfatória a sua Segurança, e, menos ainda, a Defesa do seu território, do seu povo e da sua soberania. Nesse passo, há de se considerar que o Brasil é um país de extensão continental, faz fronteira com quase todos os países da América do Sul e é banhado pelo Oceano Atlântico em uma extensão de mais de 7.000 quilômetros.

Apesar da crise econômico-financeira e política por que passa o Brasil nos dias atuais, não há se negar que o país está em desenvolvimento; trata-se de um país em crescimento e tendente a ocupar posição destacada no cenário econômico internacional. Prova disto é a sua inclusão no bloco dos países emergentes, juntamente com a Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS) e a sua classificação como a nona maior economia do mundo [42]. Diante disto, já é pacífico no cenário político brasileiro que o “País deve estar pronto para defender suas riquezas”. Eis que possuindo um vasto território e enormes potencialidades econômicas, o Brasil se torna alvo de cobiça mundial; daí “a necessidade de se fortalecer a defesa para repelir qualquer ameaça se torna imperativa” e “é preciso ter defesa forte para dissuadir e repelir eventuais agressões [43]:

Pacífico por tradição e por convicção, o Brasil vive em paz com seus vizinhos há 142 anos, desde o término da Guerra do Paraguai [este texto foi redigido em março de 2012]. Suas relações com os outros países são guiadas pelos princípios constitucionais da não intervenção, da defesa da paz e da solução pacífica dos conflitos. Não exibe nem nunca demonstrou pretensões hegemônicas dentro ou fora do continente americano.

Mas o Brasil é grande, um gigante. Acomodaria praticamente toda a Europa em seu território, que atinge 4,5 mil quilômetros de norte a sul (quase um voo de Lisboa a Moscou). São 8,5 milhões de quilômetros quadrados e 200 milhões de habitantes. Além de grande, é rico em recursos. Temos muita água – 12% da reserva mundial – e terras férteis. Mais ainda, dispomos de fontes abundantes (inclusive das renováveis) de energia. O país caminha para se confirmar como a sexta economia mundial [vide dado relativo à nota de rodapé nº 42].

Após a descoberta e a viabilidade de se extrair petróleo da zona pré-sal, o Brasil passou a ser visto com “outros olhos” na comunidade internacional. Isto é uma “realidade, lastreada por abundantes informações e estatísticas trazidas ao Senado Federal por duas dezenas de especialistas [44]. Mesmo diante da atual e significativa queda do preço do petróleo no mercado internacional, há de se considerar que a reserva do pré-sal leva o país a ser alvo de cobiça internacional, haja vista a abundância de tantos outros recursos naturais existentes no seu solo e a sua privilegiada situação geopolítica.

No contexto em discurso, interessante assinalar que esta ‘cobiça’ e as ameaças que ela significa para a segurança do país, e, por conseguinte, para as suas riquezas e o seu povo, foram objeto de minuciosas avaliações e discussões pelo Ministério da Defesa em audiências públicas realizadas pela Comissão de Relações Exteriores (CRE), em 2012.

Por ocasião das referidas audiências públicas, Celso Amorim, então Ministro da Defesa, reconheceu a fragilidade da capacidade de Defesa do país e afirmou: “Não podemos excluir uma situação, que não desejamos, de conflito que possa haver entre outras potências, em que os recursos do Brasil venham a ser objeto de alguma cobiça”[45].

A conclusão a que chegaram, os debatedores nas audiências públicas em referência corroboram as afirmações feitas anteriormente sobre as deficiências das FA brasileiras. Nesse sentido, referidas afirmações foram respaldadas, também, pelas conclusões (unânimes) a que chegaram os debatedores em apreço: “não estamos adequadamente preparados, hoje, para repelir ataques externos. As três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) carecem de equipamentos mais modernos e em maior quantidade. Os contingentes não são suficientes, estão mal distribuídos no território nacional e necessitam de melhor treinamento”[46].

Diante desta realidade, reconheceu-se que “as Forças Armadas brasileiras vivem à beira do sucateamento, sem equipamentos atualizados e sem treinamento permanente, o que causa a impossibilidade de uma pronta resposta no caso de um acionamento pelo poder político”[47].

Dessa forma, o então Presidente da República promulgou o Decreto n.º 6.703/2008, de 18 de dezembro[48], aprovando a Estratégia Nacional de Defesa. Esta ‘estratégia’ resultou no Plano Nacional de Defesa Nacional. Nesse sentido [49]:

O plano é focado em ações estratégicas de médio e longo prazo e objetiva modernizar a estrutura nacional de defesa, atuando em três eixos estruturantes: reorganização das Forças Armadas, reestruturação da indústria brasileira de material de defesa e política de composição dos efetivos das Forças Armadas. O país precisa, para se proteger, de mais aviões, tanques, submarinos, satélites, mísseis... E tudo isso tem um preço, bastante alto, [...].

O documento que trata da Estratégia de Defesa Nacional Brasileira elenca entre os pontos-chave a proteção da Amazônia, o controle das fronteiras e o reaparelhamento da tropa, com o objetivo de obter mobilidade e rapidez na resposta a qualquer risco. A defesa cibernética e a recuperação da artilharia antiaérea também estão entre os fatores de preocupação [50].

O documento em referência foi muito bem elaborado e é, sem dúvida, digno de elogios. Entretanto, vige no Brasil uma forte “tendência política” de se resolver os problemas do país com a promulgação de leis em sentido lato. Isto é cômico, mas é real e se revela como uma descarada aberração, pois só serve mesmo para ludibriar a boa-fé do povo brasileiro!

Acredita-se que a avançada aspiração pela perfeição no âmbito da Defesa Nacional, esboçada no citado documento, pode ser uma comprovação do engodo político acima referido, ou seja, entende-se que essas “estratégias”, como em regra acontece com as leis, também tendem a ficar onde estão, ou seja, na abstração dos bem formulados textos que exprimem ousadas e modernas pretensões.

O entendimento em destaque tem por fundamento o fato de que nunca houve, e, acredita-se, não haverá também agora, vontade política em prol de tão sério tema no Brasil. Os governantes nunca se preocuparam em aparelhar as Forças Armadas para a defesa do país. A tendência é de tudo continuar “como dantes no quartel de Abrantes”. E mais, a crise econômico-financeira-política que assola o Brasil não dá qualquer sinal favorável aos altos investimentos necessários à implementação da (requintada) Estratégia, inserta num documento que merece ser conhecido pelos interessados no tema em debate [51].

As pretensões insertas na Estratégia Nacional de Defesa do Brasil são relevantes e justificadas por racionais propostas de alterações e avanços tecnológicos. Esses avanços/alterações dizem respeito à reorganização e modernização das Forças Armadas, ao seu necessário aparelhamento logístico e humano e também no planejamento da Segurança e da Defesa Nacionais em conformidade com a realidade local, regional e internacional.

Interessante sublinhar, ainda, no contexto do tema em comento, o seguinte pronunciamento do Deputado Federal pelo Estado do Mato Grosso, Blairo Maggi[52]:

Sei do grau de dificuldade que as Forças Armadas têm para se modernizar e o alto valor que será empregado nisso. Acho também que não há nenhum brasileiro que se oponha a isso, porque ninguém quer guerra, mas, se queremos a paz, temos de estar preparados para a guerra. Isso já é milenar. Os chineses já nos ensinaram lá atrás.

Em atenção à falta de vontade política para com as questões afetas às Forças Armadas e à segurança em geral, conforme citou-se antes, há de se considerar que isto pode se relacionar ao fato de que o Brasil não é (e nunca foi) um Estado de tradição armamentista e/ou belicosa. Neste cenário, há que se considerar, também, que “o orçamento da defesa mantém, ao longo dos últimos anos, um patamar em torno de 1,5% do produto interno bruto (PIB). Porém, três em cada quatro reais a ela destinados são usados para pagar a folha de pessoal, em que as pensões são complicador adicional”[53]. Assim sendo, “na ainda jovem democracia brasileira, até muito recentemente, se falar em gastos militares era quase heresia. Também por isso, nas décadas recentes, faltou dinheiro para reequipar a defesa nacional, um processo caro, demorado e que costuma esbarrar em pressões políticas as mais diversas”[54].

Como já se explicou alhures neste artigo, há deficiência logística de diversas ordens nas Forças Armadas e o sistema de recrutamento e seleção, baseado no serviço militar obrigatório (de curta duração) para soldados e cabos, não propicia a existência de reservistas com um razoável treinamento. Esta realidade implicaria (quiçá, implicará!) em novos e intensos treinamentos dos reservistas em caso de mobilização, o que demandaria considerável tempo e altos gastos financeiros para colocá-los em condições de combate.

Quanto à reduzida capacidade de selecionar e treinar os jovens que se alistam anualmente, como se afirmou atrás, este é também um fator que conspira contra a eficácia das FA brasileiras. Nesse pormenor, à guisa de ilustração, em 2011, 1,7 milhão de jovens se alistou para o serviço militar obrigatório; desses, apenas 50 a 60 mil foram incorporados à tropa. Naquele ano, o efetivo do Exército Brasileiro era constituído por 200 mil militares[55].

No que tange especificamente à Defesa Nacional Portuguesa, importa sublinhar que, em 2013, foi inserido no ordenamento jurídico do país um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN). Este conceito foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros de n.º 19/2013, de 21 de março, e foi elaborado em consonância com as Leis n.º 1-A/2009, de 7 de julho (Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas), e n.º 1-B/2009, de 7 de julho (Lei de Defesa Nacional). Neste sentido, “o conceito estratégico de defesa nacional define as prioridades do Estado em matéria de defesa, de acordo com o interesse nacional, e é parte integrante da política de defesa nacional”[56].

Conforme estabelece a parte introdutória do CEDN em discurso[57]:

O conceito estratégico de defesa nacional pressupõe uma estratégia nacional, cuja credibilidade seja reconhecida e capaz de mobilizar os portugueses. Parte do princípio de que para a realização dos objetivos da segurança e da defesa nacional concorrem todas as instâncias do Estado e da sociedade.

Nesse sentido, o conceito estratégico de defesa nacional define os aspetos fundamentais da estratégia global a adotar pelo Estado para a consecução dos objetivos da política de segurança e defesa nacional.

Estamos, portanto, a falar de uma visão de conjunto da estratégia nacional, incluindo uma abordagem conceptual sobre os fundamentos que a enquadram e lhe dão coerência: o poder e a vontade; a mobilização de recursos materiais e imateriais.

Ressai-se do CEDN, que “os valores e os interesses nacionais estão definidos na Constituição e na Lei de Defesa Nacional. E resultam em compromissos internacionais do Estado, como a Carta das Nações Unidas, o Tratado do Atlântico Norte e os tratados da UE”[58]. No seguimento das considerações iniciais do referido Conceito, afirma-se que esses valores fundamentais são: “a independência nacional, o primado do interesse nacional, a defesa dos princípios da democracia portuguesa, bem como dos direitos humanos e do direito internacional, o empenhamento na defesa da estabilidade e da segurança europeia, atlântica e internacional”[59]. No mesmo âmbito, os interesses de Portugal são: “afirmar a sua presença no mundo, consolidar a sua inserção numa sólida rede de alianças, defender a afirmação e a credibilidade externa do Estado, valorizar as comunidades portuguesas e contribuir para a promoção da paz e da segurança internacional”[60].

O vigente CEDN de Portugal apregoa que o Estado conta com recursos limitados e dessa realidade advém a necessidade de o Estado se integrar a uma rede de alianças estável e coerente, formada pela União Europeia (UE) e pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)[61].

O documento que contém o CEDN foi muito bem elaborado e aborda todas as vertentes, fatores, riscos e ameaças pertinentes ao tema, destacando-se considerações importantes para a Segurança e a Defesa do Estado Português nos conturbados dias hodiernos. Importa sublinhar que o CEDN se traduz num documento rico em termos doutrinários. Por derradeiro, importa frisar as seguintes assertivas, feitas sob o título “Uma Estratégia Nacional do Estado”, e que encerram o documento que versa sobre o CEDN de Portugal[62]:
A Estratégia de Segurança e Defesa Nacional fundamenta-se na agregação de todas as ações e de todos os elementos com o objetivo final e permanente de proteger a nação portuguesa, garantindo o seu futuro como entidade política livre, independente e soberana.

O conceito estratégico estabelece as grandes orientações e prioridades que o Estado e a sociedade devem realizar em democracia para defender os interesses nacionais, salvaguardar o património material e imaterial e garantir a construção de um futuro mais próspero, mais seguro e mais justo.

Ligando os fins e as ações aos meios, o conceito estratégico de defesa nacional constitui uma referência essencial para a articulação das prioridades do Estado, para o necessário e consequente alinhamento das estratégias subordinadas (conceitos estratégicos derivados) públicas e privadas e, finalmente, para se obter a coordenação de esforços a pedir à sociedade em geral e, em particular, a exigir do Estado.

O conceito estratégico de defesa nacional deve assumir-se como a estratégia nacional do Estado, destinado a dar cumprimento às suas tarefas fundamentais, para as quais concorrem as suas instâncias e organismos, bem como a própria sociedade. Este é um desafio para o qual todos estamos convocados.

O conceito estratégico de defesa nacional só se torna nacional a partir do momento em que Portugal e os portugueses o assumam como seu.

De tudo o que foi relatado, entende-se relevante frisar que a segurança e a defesa, tanto das pessoas quanto do Estado é uma tarefa complexa. Estes deveres-funções do Estado exigem muito das Forças e Serviços de Segurança Interna e das Forças Armadas. Elas se traduzem em tarefas difíceis de se realizar! Entretanto, é preciso que o cidadão se conscientize sobre a sua importância nesse contexto; é preciso que todos adotem condutas que possam prevenir ações criminosas e a eclosão de sinistros diversos; é preciso que a população ordeira se aproxime dos integrantes dessas instituições e mantenham contatos recíprocos, informando-se mutuamente de tudo que possa interessar a ambas as partes para a garantia das condições de segurança em sentido latu e/ou no planejamento de ações/operações de defesa das pessoas e/ou do Estado.

3. CONCLUSÃO

A Segurança e a Defesa Nacionais são deveres-funções do Estado de altíssima complexidade e de elevados custos. O Brasil e seu povo nunca se atreveram como beligerantes, como sempre ocorreu com os “bravos norte-americanos”. O brasileiro nunca teve e provavelmente nunca terá qualquer vontade de guerrear. Seus Soldados são ‘soldados da paz’.

Apesar da singeleza destas afirmações não se pode ignorar que o Brasil é um país com grandes riquezas e recursos naturais, além de ser um país de extensão territorial continental. Estas suas características, por óbvio, o faz objeto de cobiça por Estados que são desprovidos de tais recursos. Por outro lado, a possibilidade de o país ser atacado por outros países em conflito, em busca de recursos minerais/naturais que abundam em seu território é uma iminente possibilidade. Entende-se que apenas este “risco iminente”, por si só, já indica a necessidade de o Brasil dispor de uma satisfatória estratégia e dos recursos humanos e logísticos necessários à segurança e à defesa de suas fronteiras e do seu território: no ar, no mar e na terra.

No entanto, acredita-se que a reestruturação e a adequada/necessária dotação logística e humana das FA do Brasil não fazem e nunca fizeram parte de qualquer planejamento ou política governamental. As FA existem, mas não têm condições logísticas e humanas de cumprir as suas destinações constitucionais. O sucateamento das três forças engloba também o desleixo governamental para com a valorização do militar, nomeadamente no que pertine à questão salarial. Há mais de uma década que seus vencimentos foram praticamente ‘esquecidos’, não tendo a necessária correção. Isto, como é consabido, é um fator desmotivador para qualquer trabalhador.

Outro fator que se entende depor contra o fortalecimento das FA brasileiras é a (quase) inexistência de militares profissionais de baixa graduação (cabos e soldados). Ora, a estrutura tradicional de quase toda força militar (regular) tem a base de sua estrutura formada por soldados e cabos; é o popularmente chamado “grosso da tropa”. No caso brasileiro, esse efetivo é ínfimo e rotativo, sendo certo que são poucos os cabos e soldados combatentes profissionais. Os conscritos, em regra, por terem se incorporado por força de Lei, não têm um mínimo de comprometimento para com a sua função, para com a sua farda e, menos ainda, com a defesa da pátria. Isto é uma realidade danosa e perigosa, pois quando se precisar desse “Soldado” ele obviamente não se prestará.

Ainda no que respeita ao serviço militar obrigatório, entende-se que, em pleno Século XXI, não cabe mais impor a alguém um dever dessa natureza. Para ser militar é preciso ter gosto, denodo, devoção, patriotismo... O militar que “veste farda” por força de lei, certamente somará pouco (ou nada) quando a Pátria lhe chamar a defendê-la! Ademais, o Conscrito não tem qualquer motivação para prestar o serviço militar. Os poucos que são incorporados sequer percebem vencimentos e sim uma irrisória quantia a título de “ajuda de custo”, menor do que um salário mínimo.

No que pese os objetivos e a amplitude do conceito alargado de segurança, mostrou-se nestes escritos que na imensa maioria dos Estados esta segurança é uma abstração, irrealizável por circunstâncias e fatores vários. Em verdade, o alargamento do conceito de segurança evidencia a sua condição de super direito fundamental, pois a cada dia ela se apresenta mais e mais como conditio sine qua non à fruição da imensa maioria dos direitos fundamentais e de outras amplitudes.

A pesquisa que deu lugar a este artigo trouxe à tona a necessidade de se rever e fortalecer a segurança e a defesa do Brasil e de Portugal. No caso de Portugal, importa sublinhar a sua condição de membro efetivo de uma rede de alianças estável e coerente, formada pela UE e pela OTAN. Este é um fator altamente favorável à Segurança e à Defesa do território, do povo e da soberania lusitanas, dadas as favoráveis condições econômicas e bélicas desses organismos internacionais para apoiar, proteger e defender os países que os integram.

É preciso ressaltar, mais uma vez, que apesar da atual conjuntura mundial, pontilhada por inúmeras guerras e pela grave crise econômica que assola praticamente todo o mundo, os Estados têm que ser capazes de garantir a sua soberania. Assim, é preciso que tenham o devido e necessário aparato de defesa, constituído por Forças Armadas e por Forças Policiais bem treinadas e suficientemente armadas e equipadas para, de fato, defendê-los de quaisquer agressões, externas e/ou internas.

Por derradeiro, é necessário lembrar que o mundo do dever-ser e do ser sempre andaram (e continuam a andar) distantes um do outro. O que se quer dizer com esta afirmação é que o mundo ideal, desenhado na Constituição e no ordenamento jurídico dos Estados é um mundo distante do mundo real, da realidade, do mundo dos fatos... é uma verdadeira abstração. O dever-ser não coabita com o crime, com a violência, com inundações, com guerras, terremotos, destruição, terrorismo, dor, morte e com tantas outras mazelas que permeiam a vida humana. Nesse sentido, é preciso que o Estado e os homens se empenhem em garantir a todos as condições necessárias à efetivação do que se ousa entender como o “mais fundamental dos direitos fundamentais”: o direito à liberdade e à segurança.

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