As perspetivas que se avizinham para o nosso País nos planos político e
diplomático são tão encorajadoras, que deixam prenunciar, um cada vez maior
entendimento entre as diversas forças políticas e sociais, no concernente às
questões fundamentais que constituem a agenda do governo de transição para o
retorno à ordem constitucional. E isto só se aplica às forças políticas
verdadeiramente patrióticas, porque essas, na realidade, são as que contam.
Por isso, a questão central tão propalada, da inclusão no governo de
transição da ala do PAIGC de Carlos Gomes Júnior, que ainda divide parte da
comunidade internacional, ora defensora das teses da CPLP, ora defensora das
teses da CEDEAO, não é negligenciável.
Todavia, não é menos importante denotar que o problema reside
essencialmente no seio da família dos independentistas, uma vez que não deixa
de ser verdade que o atual elenco governamental, é, em grande parte incorporado
por elementos proeminentes dessa organização política, a começar pelo próprio
Presidente da República de transição. A não ser que o problema seja resolvido
pela assunção do Pacto de Transição pela ala, dita oficial, que os habilitaria
a incorporar o governo, pela substituição dos seus camaradas que já lá se
encontram.
Repare-se nas leituras para todos os gostos à volta da mesma questão. Ou
seja, por um lado, ainda temos parte da ala deposta do PAIGC, a bater na tecla
da guerra, com o ainda apoio de Portugal e Cabo Verde, incorporado no Ministro
Paulinho das Feiras, a querer impor a tese irrealista da realização da 2.ª
Volta das eleições presidenciais;
Por outro, não deixamos de registar a tese muito boba do senhor Mutaboba, e
do seu cúmplice de ouvido pequeno, a preconizarem o entendimento à viva força,
entre as forças do fórum que suportam o governo, e os aliados de Carlos Gomes
Júnior, quando estes, nem querem ouvir falar de outra coisa, que não seja a
assunção da liderança do atual processo, vivamente evidenciada nas suas
intransigências no bloqueio imposto no parlamento.
De muito bobo, o Mutaboba tem pouco. Infelizmente, não há nenhum registo
digno desse nome, relativamente ao comportamento equidistante e produtivo que
se lhe esperava no papel de mediação que lhe foi confiado pelo Secretário-geral
das Nações Unidas. O povo guineense não tem, pois, que se admirar, com a
passividade e cumplicidade, com que este quadro superior do sistema securitário
ruandês geriu todo o drama guineense dos últimos dois anos.
Para quem vem de uma desgraça que originou mais de 1.000.000 de mortos na
sua terra natal, onde ainda é praxis mandar engavetar e assassinar adversários
políticos, não espanta que se tenha limitado a hostilizar e a ostracizar a
oposição democrática, no auge da sua luta contra o terror implantado pelo
anterior regime, com a atitude irredutível de se pôr ao lado do mesmo.
Também não esquecemos que foram, numa primeira fase, pela negativa, que o
atual Representante do Secretário-geral respondia aos pedidos de audiência dos
partidos da oposição alegando argumentos falaciosos de falta de institucionalidade
destes. E quando, finalmente acedia em recebê-los, fazia-o com gesticulados de
escárnio pouco elegantes durante as audiências, os quais, diga-se de passagem,
nunca deram em nada.
Mais o mais grave nisto tudo, é o comportamento deste diplomata ao serviço
de Carlos Gomes Júnior com as atuais autoridades. Nos mais de 4 meses de
implantação do novo regime, o senhor Mutaboba, numa atitude de manifesto
desprezo, nunca se dignou chegar à fala com nenhum dos órgãos de soberania, não
se coibindo, no entretanto, de ir contra todas as regras de cortesia, ao
solicitar encontros com conselheiros do Primeiro-ministro com o pretexto de
procurar pistas para a reconciliação entre guineenses.
Porém, não se esqueceu de se precipitar a Lisboa para promover um encontro
com o ex-Primeiro-ministro seu amigo e cúmplice. Mediadores destes não nos
fazem falta. É urgente exigir a sua substituição.
Aquela coisa que se chama CPLP, que não passa de mais um lenitivo dos
sonhadores líricos do Minho a Timor, que até então se tem revelado duma
inutilidade a mais não poder, agora deu-se ao trabalho, pela mão dos
moçambicanos, de nos arvorar com a bandeira da suspensão.
Mas tal medida, pela parte que nos toca, revela-se, de todo ineficaz e
ineficiente. Por isso, em lugar de aplicação de sanções, sugeríamos que
avançassem, sem mais demoras, com a hipótese da nossa expulsão, dessa coisa
informe, que em jeito de chacota, os brasileiros depreciativamente
denominam-na: CPL o Quê?
Que continuem a consumir os dinheiros do erário público em reuniões,
conferências e em receções tresandando a regabofe. Pela nossa parte estamos
conversados.
Passar bem!
Que fique bem claro, a CPLP não nos interessa. Não temos o menor interesse
em pertencer a esse clube de Chefes de Estado, que só poderá contribuir para a
nossa desgraça.
Um outro registo merece a minha atenção.
Numa democracia, a regularidade no exercício dos atos eleitorais, não só é
desejável, como também, é incontornável. E, no caso guineense, existem, a meu
ver, pressupostos que devem ser observados, sem os quais, o ciclo de
instabilidade e violência em que nos encontramos, não cessará a breve trecho.
Lá vamos nós, de novo, num unanimismo avesso, para mais umas eleições
gerais, como se as mesmas, representassem, de per si, a solução para todos os
nossos males. Não nos enganemos, a realidade é bem outra, o que aliás, é
facilmente constatável, se tivermos a paciência de remontarmos à memória do
primeiro escrutínio democrático realizado entre nós, nos idos anos de 1994.
Desde então, a experiência tem-nos demonstrado, a fragilidade das nossas
instituições face aos enormes desafios que nos colocam as novas realidades. As
balizas morais, psicológicas e institucionais ainda não estão suficientemente
consolidadas. A própria estrutura social padece de uma reordenação, tarefa para
a qual, infelizmente, o partido que tem dominado o poder, não tem, e nem nunca
teve vocação.
À sociedade guineense impõe-se uma visão mais estruturante e consensual na
procura de soluções. Mais do que aquela que nos é, normalmente oferecida por
eleições, sempre rotuladas de livres, transparentes e justas.
Foi um erro muito grande, o facto de se ter admitido que se realizassem
eleições, pouco tempo depois do conflito de 1998, como o será, agora, depois
deste novo golpe. Em minha opinião, as acentuadas clivagens originadas por
estes eventos necessitam de algum timming para que sarem feridas.
É preciso dar tempo ao tempo, de modo a permitir que reine o verdadeiro
espírito de reconciliação. Por outro lado, é também necessário que o Estado
funcione, de modo a poder cumprir minimamente com as suas obrigações. Para isso
teremos que nos acautelar com medidas de rigor e transparência nos atos
públicos, de modo a atrair a simpatia e a credibilização externas sobre a
bondade dessas medidas.
O contrário, será exatamente voltarmos ao mesmo, isto é, continuarmos a ter
uma classe política completamente estilhaçada, com interesses completamente
divergentes, e presumivelmente vários chefes de governo ao longo do mandato e,
obviamente, já agora, um Presidente igual ao que saiu, por mais boa vontade que
tenha.
Muito se tem especulado sobre as reais intenções da classe castrense sobre
o último golpe de estado (e esperemos, mais uma vez, que este seja mesmo, o
último), ocorrido, no passado dia 12 de Abril. Mas numa coisa estamos certos e
de novo, em total acordo. Era absolutamente necessário e urgente extirpar do
panorama político guineense, e de forma radical, a força de bloqueio que
constituía a ala do PAIGC do Primeiro-ministro deposto.
Convém lembrar, que não se trata da primeira vez, que a sociedade
guineense, se põe a uma só voz, para legitimamente denunciar, num primeiro
momento, uma liderança incómoda, para logo a seguir, saudar e aplaudir
efusivamente, os que, de uma forma ou outra, ao protagonizarem eventos de
mudança, lhe traz a esperança.
Assim aconteceu, com o regime colonial português, no advento da
independência, o mesmo aconteceria com o consulado de Luís Cabral, cujo regime
apelidar-se-ia, entre outras coisas, de neocolonialismo cabo-verdiano. Nino
Vieira, ao derrubar, em finais dos anos oitenta, o regime que inaugurou a
libertação do jugo colonial, conseguiria, desta feita uma dupla vitória para os
seus desígnios, ou seja, a cisão do partido independentista e uma impressionante
e incalculável adesão popular à sua causa.
A fórmula, ao que parecia, era simples. A todos os males, por que padecia o
regime, tinha que se encontrar um bode expiatório. Uma vez afastada a ameaça,
através de um golpe, nasceria de novo a esperança para os guineenses, cujo
futuro nos quase vinte anos seguintes, se “reajustaria”, e
se reveria no movimento golpista.
O regime ora inaugurado, teve tudo ao seu alcance para promover as reformas
necessárias, mormente, a mais importante de todas, e igualmente a mais adiada
de todas – a das forças de defesa e de segurança dos antigos combatentes.
Porém, o regime preferiu olhar-se a si mesmo e enveredar por outras vias.
Foi-se fechando cada vez mais em si, e não tardou em deixar atrás de si, e a
pesar sobre os seus ombros a responsabilidade de um grande rasto de sangue.
Apesar de terminado o estado de graça, este regime conheceria um novo
fôlego com a onda de democratizações. Mas nem por isso, conseguiu
reabilitar-se. Com a nova configuração, os golpistas do 14 de Novembro
provaram, não estar à altura de refletir as suas convicções, se é que as
tinham, num verdadeiro processo democrático, e enterrar o socialismo
“tropicalizado”.
Na esteira das liberalizações política e económica, e com o pretexto da
promoção, através da capitalização financeira do empresariado nacional,
assistiu-se a um autêntico assalto às instituições, com a cumplicidade tácita
do poder. Instalou-se o “facilitismo”, e os primeiros sinais exteriores de
riqueza começaram a evidenciar-se, frustrando ainda mais as expectativas das
hostes sociais mais frágeis. E como forma de adiar a resolução de fundo dos
problemas, o provimento dos cargos públicos passou a reger-se por cotas
étnicas, em vez das tradicionais bitolas de produtividade, competência e mérito.
Com a agonia do regime em pano de fundo, generalizou-se um descontentamento
e um desconforto de grandes dimensões no seio das forças armadas, que ainda
perdura, a que se seguiu uma guerra civil, que, apesar de tudo, viria a
desempenhar um papel catalisador na revitalização das esperanças do povo.
Afinal, tudo não passaria de sol de pouca dura. Sem um projeto político e
social coerentes, as autoridades que se seguiram, empenhadas que estavam em afirmar-se
pela arrogância e um amadorismo inexcedíveis, marcadas essencialmente por um
revanchismo sem precedentes, rapidamente sucumbiriam na avalanche das próprias
desorientações e desmandos, donde viria a resultar o ciclo atual, que já dura
há mais de uma década.
E agora?
Sem querer profetizar seja o que for, os sinais saídos dos últimos meses,
que de resto foram prenhes em acontecimentos elucidativos, mostram o quão
repetitivo são os nossos ciclos políticos. Até porque, os atores, de, pelo
menos, há quase quarenta anos a esta parte, continuam a ser os mesmos.
É a mesma classe política, que infelizmente, não consegue enxergar para
além do seu próprio umbigo, que se livra a intermináveis lutas fratricidas, que
não contribui para a solução dos problemas, que aliás, não passou despercebido
nas hesitações observadas, durante o período das negociações que culminaram na
instituição dos três novos órgãos de soberania de transição.
É a mesma classe castrense, proveniente, na sua maioria, das nossas zonas
rurais e verdadeiros detentores do poder real, e ao qual se encontram
desesperadamente agarrados, e só a ele agarrados, e que vão ciclicamente
sobrevivendo às várias vicissitudes e frustrações desta sociedade. Na ausência
de um sério empenhamento, na procura de verdadeiras soluções que se impõem à
sua autêntica reforma, são quase que obrigados, também ciclicamente a recorrer
a golpes de estado.
Tenham
dó! Sejam mais devotos e humildes à causa nacional. E, sobretudo, não se
esqueçam das várias matizes que compõem esta nação. Felizmente, elas não se
acham todas em Bissau, e muito menos, só nos períodos eleitorais
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