Em entrevista à agência Lusa por ocasião do 40.º aniversário
da morte de Amílcar Cabral, o historiador, que conviveu com o líder
histórico na Guiné-Conacri, nos tempos da clandestinidade, diz: “é
errado rotular Amílcar Cabral de santo”.
Mário Cissoko considera que Amílcar Cabral era uma pessoa egocêntrica
e que “fez tudo para chegar onde chegou”, às vezes por métodos “pouco
claros”. “Há um culto de personalidade exagerado de Amílcar Cabral, mas ele
não era um homem perfeito. Eis o meu ponto de vista, o que me tem
trazido muita contradição, diferendo, com muita gente neste país”,
afirma Cissoko.“Não sou inimigo de Amílcar Cabral, sou
um historiador. Ele não é nenhum santo como se queira pintar dele”, diz,
citando casos que na sua opinião atestam o que afirma.
“Cabral geriu mal as contradições com os seus colegas da luta. Com os
combatentes guineenses isso era visível. Era o único a pensar e ditar
as regras. Com os cabo-verdianos também. Várias vezes ouvi discussões
entre Cabral e Abílio Duarte sobre quem de facto dirigia a luta”, nota.
“Certa vez discutia com Abílio Duarte e este dizia-lhe: você não é o
chefe supremo disto. Estão aqui duas competências nacionais diferentes
(Guiné e Cabo Verde). Abílio Duarte que era de facto o chefe da
competência cabo-verdiana na luta não aceitava que Cabral fosse o chefe
dele. Mesmo sendo o que era não tinha um gabinete específico no
secretariado do partido em Conacri. Andava pelo sítio”, afirma Mário
Cissoko.
Hoje com 65 anos e na altura responsável pela compilação das memórias
da luta armada pela independência da Guiné-Bissau, Mário Cissoko diz
que conviveu quase diariamente com Amílcar Cabral em Conacri, durante
dois anos.
“Conheci Amílcar Cabral em 1965. Fui encarregado de arquivo morto do
secretariado do PAIGC em Conacri entre 1966 e 1968, também nesse período
era o encarregado da biblioteca do partido, que se situava mesmo ao
lado do gabinete de Amílcar Cabral, ainda ajudava na tradução das
publicações de propaganda do partido para o francês”, observa Cissoko.
O historiador, que diz que vai fazer relatos completos “com provas
documentais” de muita coisa no seu livro, que se chamará “Dossiê secreto
da luta de libertação nacional”, afirma que Amílcar Cabral não se iria
aguentar durante muito tempo no poder se chegasse vivo à independência.
“Se fosse vivo aquando da independência e viesse para Bissau teria
que justificar a morte de vários destacados combatentes guineenses.
Mesmo que isso não fosse falado, seria os rumores de Bissau. Isso iria
irrigar o povo”, diz o historiador.
“Também ele não iria manter-se no poder durante muito tempo como
líder, porque, com a sua filosofia de vida, não iria aguentar perante as
novas tentações do poder num país independente”, acrescenta.
Sem certezas, o historiador admite que já no final da vida de Amílcar
Cabral este percebeu que a sua maneira de ser não era apreciado pelos
combatentes. Daí, afirma, a célebre frase do antigo dirigente: “duas
cabeças pensam melhor que uma e três pensam ainda muito melhor do que
duas”.
“Fico a pensar que quando ele diz isso compreendeu que as pessoas já
não suportavam o facto de ser ele o único que fala e pensa”, sublinha o
historiador, avançando as causas possíveis para o assassínio do líder.
“Amílcar Cabral era uma pessoa inteligente. Fez o seu percurso para
chegar onde chegou, era egocêntrico e por vezes injusto nas suas
decisões, isso poderá ser o motivo da sua morte”, diz Cissoko, quando
solicitado para definir a personalidade de Amílcar Cabral.
Entretanto, em declarações à Rádio de Cabo Verde, Corsino Tolentino,
investigador cabo-verdiano e antigo combatente, afirma que o historiador
guineense parte de um principio errado, que se está a santificar
Cabral. “Cabral era um humanista universal, defensor dos direitos
humanos”.
Ainda segundo Corsino Tolentino, hoje a obra de Cabral continua
válida e justifica o argumento com o slogan do fundador do PAIGC,
“pensar pelas nossas próprias cabeças”.
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