Se eu quiser
dar um murro no Guião (muitos portugueses gostariam de lhe fazer coisas muito
piores…) o meu punho encontra ar, depois alguma gelatina mole e por fim bate
num muro. Aí é a sério. O Guião é ar (quase todo) e gelatina (algumas medidas),
e o muro é o Orçamento de Estado.
QUEM
DESVALORIZA O GUIÃO?
O PSD em
primeiro lugar. O Governo. Passos Coelho. Até o CDS. Ainda estou à espera que
Paulo Macedo comece uma frase dizendo “como se diz no Guião para a Reforma do
Estado”…” Ou que Miguel Macedo, ou alguns secretários de estado que sabem o que
estão a faze, digam: a partir de agora, “guiamo-nos pelo Guião do dr. Portas”…
Maduro é capaz de o dizer, que é o papel dele. Cristas também, que isto de
sobreviver no CDS fia muito fino. Mas alguém pensa que alguém que é alguém no
Governo estava à espera do Guião para alguma coisa?
QUEM
O DESCULPA MESMO QUE O DESVALORIZE?
Todos
os defensores e propagandistas do actual poder. É mau, mas serve para discutir.
É vazio, mas pode servir para o debate pós-troika. Não tem ideias, nem
soluções, nem coisa nenhuma, mas foi um esforço positivo. É bom ter aparecido
finalmente, mas devia ter aparecido há dois anos atrás, ou daqui a dois anos.
Será um bom ponto de partida para um entendimento com o PS. Pode ser nulo,
vácuo, indigente, mal escrito, cheio de erros ortográficos e com um pé no
acordo ortográfico e outro na “soberania” ortográfica, mas é “obrigatório”
discuti-lo.
É
“OBRIGATÓRIO” DISCUTI-LO
Na verdade,
discuti-lo tem sido feito por muita gente. Só que não é a discussão que
interessa aos que estão do lado do poder. Eles querem anuência com os termos, o
sentido, a deriva do papel, eles querem que o Guião sirva de pretexto para
pressionar o PS a “voltar à mesa das negociações”, ou seja, eles querem, numa
altura de bloqueio político e de grande isolamento do governo, ajudá-lo.
Percebe-se muito bem. E por isso, embora haja muita discussão sobre o Guião, se
não for neste sentido “útil”, vão estar sempre a dizer que não há discussão
nenhuma. Não lhes serve, é incómoda, mina a sua credibilidade se é que ainda há
alguma? Então não é discussão.
E SE
DISCUTIRMOS O FACTO DE O GOVERNO NOS FORNECER UM DOCUMENTO MEDÍOCRE E ISSO
REVELAR QUE HÁ UM SÉRIO PROBLEMA DE COMPETÊNCIA?
Muito bem.
Expliquem-me por favor como é possível estar sempre a falar de excelência, de
qualidade, de competição, e aceitar como válido um documento medíocre que não
adianta um átomo para a discussão dos problemas nacionais? Ninguém chumba numa
avaliação de qualidade do seu trabalho? É só para os funcionários
públicos?
QUEM
O VALORIZA?
Uma parte da
esquerda que precisa de encontrar antagonismos ideológicos puros e duros e por
isso está sempre a acentuar a coerência “neoliberal”, “ideológica”, dos seus
adversários. Precisa de preto e branco, e por isso para eles o Guião é mais um
exemplo da “ideologia” governamental. Porém o Guião é um fraco exemplo, cheio
de contradições, e mesmo que haja de facto uma deriva para um estado mínimo
(que o papel nega mas existe), atribuir-lhe uma grande coerência é fazer-lhe um
favor. É considerá-lo útil, mesmo que pela negativa. Portas agradece, porque o
que o mata é a acusação de incompetência e mediocridade, e pode muito bem com o
dar-lhe um papel de chefe ideológico. O problema de alguma esquerda é que
precisa de espelho na direita e não se importa que esse espelho tenha a cara de
Paulo Portas. Eu acharia um susto.
SECÇÃO
ORWELL: NOVOS SIGNIFICADOS PARA AS PALAVRAS
A partir de
agora vazio significa “aberto” (ver defensores do Guião.) O papel pode ser
vazio, admitem, mas tem o enorme mérito de não ser um documento “fechado” e
estar “aberto” à discussão. Chamem o Jerry Seinfeld, Portugal é a sua
terra.
DESAFIO
Comecei na
última Quadratura, mas o tempo não dava. Eu desafio o autor público (Portas) e
os trabalhadores do copypaste que lhe fizeram o papel, a sentarem-se a uma mesa
e eu, sem notas, nem papel, nem lápis, dito-lhes de um fôlego um Guião
semelhante, vacuidades, truísmos, lugares comuns, e algumas propostas na moda
nos blogues, e com o mesmo tipo e largueza de espaços, encho mais páginas. 200
parece-lhes bem? Sempre é um número redondo, para um documento redondo. Na
verdade, até é muito fácil de fazer. Posso começar assim: “Reformar é fazer
reformas”, “reformar melhor é fazer reformas melhores”, “a vaca é um animal
muito útil porque dá leite”, “o leite é bom para as criancinhas e os vitelos”,
“reformar as vacas é fazê-las dar mais leite e de melhor qualidade”, “o
objectivo de uma reforma do estado é proteger as criancinhas sem prejudicar os
vitelos, mantendo uma sadia concorrência entre ambos”, etc,etc.
DE FACTO… … quem nasceu para lagartixa nunca
chega a jacaré.
Abrupta
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