Foi preciso que a
ministra francesa da Justiça, Christiane Taubira reclamasse da letargia do
executivo no jornal Libération, para que membros do governo finalmente se
pronunciassem sobre o racismo do qual ela foi vítima. Na semana passada, uma
ex-candidata da Frente Nacional (FN, extrema-direita) publicou em sua página no
Facebook uma imagem que comparava a ministra, negra de origem guianesa, a um
macaco.
A jornalistas, Anne
Sophie-Leclere, se justificou: "prefiro vê-la pulando de galho em galho do
que participando do governo". A emenda foi pior do que o soneto e, de olho
nas eleições municipais de março do ano que vem, a Frente Nacional resolveu
retirá-la de combate. Dias depois, crianças que serviam de massa de manobra
para uma passeata contra o casamento gay - talvez a maior conquista da pasta de
Taubira - voltaram a insultar a ministra: "come sua banana, gorila", disseram.
Foi a gota d'água. Na
entrevista ao diário de esquerda, a titular da Justiça se disse
"chocada" com o fato de que nenhum de seus superiores prestou
solidariedade de forma clara e direta, acusou a sociedade francesa de flutuar
perigosamente na direção do racismo. E foi além: afirmou que, se dependesse da
Frente Nacional, estariam "os negros nos galhos de árvores, os árabes no
mar, os homossexuais no (rio) Sena e os judeus, no forno".
Reações
Nesta quarta-feira, o
país finalmente deu sinais de despertar. François Hollande pediu ao Conselho de
Ministros "a maior firmeza e a maior vigilância" para combater o
racismo. Por meio da porta-voz do governo Najat Vallaud-Belkacem, o chefe do
executivo "renovou seu apoio a Christiane Taubira diante da gravidade dos
insultos racistas que foram proferidos contra ela".
"Não podemos
tolerar" demonstrações de racismo, afirmou Jean-Marc Ayrault.
"Expressei minha solidariedade a Christiane Taubira tão logo vi as
declarações racistas, porque elas são de fato racistas", declarou o
primeiro-ministro, para quem afirmações preconceituosas não refletem a
mentalidade da sociedade francesa. "Isso não é o espírito do país, mas de
uma parte das pessoas e de forças políticas que se deixam levar", disse.
"Temos que lembrar
sem cessar que nossos princípios, os princípios da República não são
negociáveis, porque é a eles que os franceses se agarram. É uma luta permanente
e, mais do que nunca, aqueles que hoje governam têm o dever de elevar os
princípios da República quando outros os esquecem", foi o discurso do
ministro aos jornalistas que o cercaram no pátio do palácio do Eliseu.
Na saturada estratégia
de inverter os papéis de algoz e vítima, a Frente Nacional chegou ao absurdo de
apresentar uma queixa contra Taubira no Tribunal de Justiça da República, pelo
que a presidente do partido, Marine Le Pen, classificou como "insulto aos
milhões de franceses que acreditam na FN". Na coletiva de imprensa de
lançamento da campanha de seu partido às eleições municipais, ela disse que
seus partidários "não aguentam mais ser chamados de racistas".
França racista
Para Jean-Marc Ayrault,
o racismo pode ser mau-caratismo de meia dúzia, mas há quem o veja como uma
doença social, muito mais disseminada pela sociedade francesa do que pode
parecer à primeira vista. Aline Le Bail-Kremer, da organização SOS Racismo
lembra que não é normal uma ministra da República ser atacada por conta da cor
da pele. "Há algo de inédito nisso. Todo o país deveria se manifestar
contra este clima de liberação racista ultra violenta, mas houve só pequenas
reações", disse ela em entrevista à agência France Presse.
Em artigo publicado no
vespertino Le Monde, Harry Roselmack, um dos primeiros jornalistas negros a
apresentar um jornal em um grande canal de televisão francês, escreveu: "O
que me aflige é o fundo de racismo que resiste ao tempo e às palavras de ordem,
não só dentro da Frente Nacional, mas no âmago da sociedade francesa. É uma
herança de tempos antigos, uma justificativa para uma dominação suprema e
criminosa: o escravismo e a colonização".
O Conselho
Representativo das Associações Negras da França (CRAN) foi além e apresentou
uma denúncia criminal contra Anne-Sophie Leclere. Patrick Lozès, fundador e
antigo presidente do órgão, analisa que "em um contexto de crise econômica,
o aumento da diversidade é insuportável para alguns. A sociedade francesa se
radicaliza e o comunitarismo antidiversidade se desenvolve".
A demora da sociedade
em responder ao racismo contra Christiane Taubira indica que o buraco pode ser
mais profundo do que supõe Jean-Marc Ayrault.
RFI
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