Aristóteles
definiu o homem como "animal que tem logos" (razão, palavra). Daí vem
a definição tradicional do homem como animal racional. É claro que a coisa é
mais complexa, mas não há dúvida de que a razão é determinante. E embora nas
igrejas raramente se ouça o apelo à inteligência e à razão, o Evangelho segundo
São João começa dizendo que "no princípio era o Logos (o Verbo, a Palavra,
a Razão) e tudo foi criado por ele". É por isso que o mundo é investigável
e inteligível: foi criado pelo Logos. Isto significa também que o homem se deve
orientar pela razão.
É
evidente que o ser humano é um ser complexíssimo, com três cérebros e um só,
com inconsciente e emoções. Mas determinante tem de ser a razão. Por
conseguinte, não é bom descer abaixo da razão. Mas que tantas vezes se desce
abaixo da razão - disso não há dúvida. Exemplos quotidianos um pouco a esmo.
Não
é segundo a razão, enquanto um banco se afundava a ponto de ter de fechar,
haver salários milionários para alguns. Não está de acordo com a razão a
austeridade não ser equitativa: continuam as mordomias, os privilégios, o
número de multimilionários aumenta. Não é segundo a razão ter vivido na euforia
gastadora irracional e esbanjar recursos à toa ou para vantagem apenas de
alguns, espoliando o bem comum. Não é segundo a razão ter aberto instituições
de ensino superior de modo cego. Não é por apelidar alguém de
"pulha", "bandalho", "estupor", mesmo que o seja,
que se tem mais razão. Sempre considerei que a universidade deveria ser o lugar
da razão, o Parlamento das razões.
Ora,
isso é incompatível com o que se vê frequentemente, nomeadamente, nas festas
académicas dos estudantes. Porque não está de acordo com a razão puxar alguém
pela trela ou pô-lo/pô-la de joelhos ou a rastejar ou a beber seja o que for
por um penico ou a berrar histericamente ladainhas de palavrões ou a beber pura
e simplesmente até cair de bêbedo e inconsciente ou a fazer aquilo que não
seria decente aqui chamar...
Uma
coisa é o humor crítico, sempre saudável, porque é expressão de inteligência;
outra é a descida à noite da irracionalidade e da estupidez. Muito jovem, tinha
a ideia de que a todos deveria ser dada a possibilidade de, pouco antes do fim
da vida, escrever cinco ou seis linhas sobre o que lhes tinha sido dado ver da vida,
um pensamento essencial sobre a existência. Essa seria a imensa biblioteca da
humanidade. Ora, isso hoje seria quase possível através dos meios informáticos.
A
internet é um meio gigantesco ao serviço da comunicação e transmissão de
saberes e informações. Mas quem algum dia passou os olhos pelos comentários que
por lá viajam percebeu até onde podem descer a ignorância estúpida, o ódio vil,
a malvadez. Lá estão aqueles que, escondidos cobardemente no anonimato e
descendo abaixo da razão, vomitam o que têm: boçalidade, obscenidades, loucuras
putrefactas. De tal modo, que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de
Estrasburgo acaba de dar razão à justiça da estónia, que condenou um site da
internet por causa do conteúdo ofensivo dos comentários dos leitores e
responsabiliza pela primeira vez os media online por tudo o que neles apareça,
incluindo os comentários.
Quando
tudo parece desabar, é preciso manter alguma serenidade e nunca descer abaixo
da razão. A situação do País é de uma gravidade só comparável à de situações
extremas ao longo da sua história. O mais dramático é as pessoas terem perdido
a confiança e a esperança: não se sabe exactamente onde se está e, muito menos,
para onde se vai. Vive-se numa perplexidade paralisante face a um futuro sem
metas fiáveis e credíveis, sem horizontes. O pior.
Neste
contexto, não se entende que os primeiros responsáveis pela condução do País -
governo e oposição - não se encontrem para, pondo de lado os interesses
partidários, dialogar e encontrar um consenso mínimo de entendimento quanto ao
que se quer e ainda se pode fazer pelo futuro. Uma vida não reflectida, sem o
uso da razão, sem ética, não é digna de ser vivida, disse Sócrates
Anselmo
Borges
Li aqui
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