Introdução
A
identidade cultural do Povo Braza (vulgo Balanta, adaptação portuguesa da palavra B'lanté da língua Braza) tem
sido alvo de atenção, como objecto de estudo, certamente, pela sua
especificidade e curiosidade.
O
que é curioso é que são os Estrangeiros que se interessam pelo
estudo e divulgação da Cultura Balanta. Por alguma razão deve ser,
com certeza!
Sob
o título “A IDENTIDADE CULTURAL DO POVO BALANTA” encontra-se
publicado, e acessível no mercado, um estudo etnológico sobre a
Cultura do Povo Braza (vulgo Balanta, adaptação portuguesa da palavra B'lanté da língua Braza), um dos muitos
grupos étnicos da Guiné-Bissau.
O
autor é o Padre Italiano Salvatore Cammillieri. O livro foi,
originariamente, escrito em Italiano. A tradução Portuguesa é da
responsabilidade de Lino Bicari e Maria Fernanda Dâmaso.
….
A
temática etno-cultural insere-se, também, no âmbito das reflexões
que nos propomos fazer, através deste blogue, qualquer que seja a
perspectiva ou foco de interesse.
Importante
é que a matéria seja do interesse dos nossos Leitores! Não
receamos a crítica! Acreditamos que, da discussão nasce a Luz!
….
Por
isso, achamos pertinente a brevíssima análise que fazemos, no
presente artigo, relativamente à obra citada.
Apenas
para abrir uma janela de contacto sobre o tema e uma pista de
reflexão em torno do seu conteúdo e da realidade social
(etnográfica) que lhe está subjacente! Por isso tem, quanto a nós,
todo o interesse falar sobre o assunto!
O
livro, em si mesmo, é um documento sério e honesto, feito com
método e carácter científico. Isso basta para merecer de nós os
maiores encómios!
Pela
forma como foi concebido e construído (nas palavras do próprio
autor): através da percepção directa da realidade social e
cultural do Povo Braza e de contacto com pessoas capacitadas para
informar, com verdade e realismo, sobre os fenómenos culturais e os
valores subjacentes, bem como os rituais pelos quais se exteriorizam.
Merece,
por isso, o nosso reconhecimento e agradecimento. Por nós e pelas
futuras gerações!
Como,
em tudo, pode haver lugar à divergência de opiniões. Pois, com
certeza! Nada mais saudável!
Mas,
como não somos críticos de coisa nenhuma (nem de antropologia
social, nem de etnografia), limitamo-nos a apreciar o conteúdo da
obra, o seu mérito documental e a reflectir sobre uma realidade que,
para muito de nós, é conhecida, como vivência pessoal!
A
grande diferença é que um livro é um documento, que torna possível
a discussão dialéctica sobre aquela mesma realidade.
Uma
obra do género permite, sem dúvida, um confronto entre a realidade
vivenciada, por quem conhece o Povo e a Cultura, objecto do estudo,
com aquilo que o livro nos oferece.
Análise
Breve
do
Conteúdo
Na
parte da “Introdução” do livro, escreve o autor:
O
Povo que atraiu o nosso interesse é chamado “Balanta”,
em língua crioula, “Balantas”, em
Português, “Balante”, em Francês, mas
autodenomina-se Braza. Encontra-se
na República da Guiné-Bissau, África Ocidental.
Mais
adiante diz que o Povo Balanta “tem a sua história,
a sua cultura, a sua identidade. O nosso objectivo é
tentarmos conhecê-lo de perto através do seu
testemunho.”
O
autor diz ainda saber que existe pouca documentação sobre o Povo
Balanta, inclusive na Biblioteca Nacional de Bissau, e que a que lá
existe reporta-se ao período colonial.
Partindo
da convicção de que “não se pode conhecer a cultura de um
Povo a partir de uma outra cultura, embora se possam utilizar
técnicas de análise objectivas” e do facto de a Cultura
Balanta se basear essencialmente na oralidade (o contrário da
Cultura documentada) anuncia que “é através do conhecimento de
sua língua que podemos aproximar-nos da compreensão da sua
identidade cultural”.
Foi
esse o método seguido pelo autor. Diz ele: “A palavra cultura
é abstracta enquanto os homens que a vivem são concretos”.
“Escutando-os
de viva voz e reflectindo sobre as suas informações,
chegamos ao conhecimento de um conjunto de noções, “o
texto oral”, como é definido por Okolo Okonda (participante num
Relatório do Seminário Nacional dos Filósofos, em Lumumbashi, em
1976”, citado pelo autor), que nos permitiu descrever o
protótipo do homem e da mulher como emerge da análise das etapas de
formação que se realizam junto deste povo denominado Balanta
/Braza”.
Partindo
deste método de contacto directo com o Povo Brazza, o
autor começa por se interrogar sobre que nome utilizar para falar do
Povo que “atraiu o seu interesse etnológico”.
Porque
diz: “Um nome que um Povo dá a si mesmo por vezes pode ser
diferente daquele que outro povo lhe dá. Esta duplicidade de
denominação verificou-se também no povo em estudo que é chamado
“Balanta” pelos outros e “Braza”
por si mesmo.”
Para
obter resposta à essa questão, o autor faz uma incursão pela
História, em busca das referências mais remotas, a que teve acesso,
relativamente ao Povo Brazza (ou Balanta).
Em
seguida, define o “Espaço Demográfico”, em que se
localiza o Povo Brazza, nas diversas regiões do País, por onde se
expandiu, em busca de melhores condições de vida, deslocando-se do
Norte para o Sul.
CONTEXTO
HISTÓRICO
Na
1ª Parte do Livro, o autor faz uma breve análise do “Contexto
Histórico”, em que se desenvolve a Cultura Braza, dizendo o
seguinte:
“Quem
visita a Guiné-Bissau, fica muito impressionado por um facto muito
evidente: num pequeno território de 36.000 km2, situado na costa
atlântica, coexistem nove Povos muito diferentes nas suas formas
políticas, instituições sociais, rituais, costumes e línguas.
Qual a causa?”
Nesse
contexto, o autor refere-se ao “desembarque dos Portugueses”,
navegando com o sistema de terra à vista, tendo aportado à foz do
Rio Geba, em 1446.
Destaca,
em seguida, a política da ocupação do território, empreendida
pelos Portugueses, a qual se tornou obrigatória, a partir da célebre
Conferência de Berlim, no final do Séc. XIX.
Tal
política, baseada na violência, motivou a Revolta dos Balantas,
desencadeando sucessivas guerras, que culminaram com a
mais áspera de todas, travada, em Nhacra, de 4 a
7 de Agosto do ano de 1924.
Nesse
quadro histórico, o autor faz ainda uma abordagem ao “Período
Colonial” e à “Independência”,
proclamada em 24.09.1973, e reconhecida por Portugal, em 10.09.1974,
na sequência da Revolução de 25 de Abril e a consequente
dissolução do Império Colonial Português.
SITUAÇÃO
SÓCIO-ECONÓMICA
Na
2ª Parte do Livro, fala-se da “Situação Sócio-Económica”
da Guiné-Bissau, fazendo um breve apontamento sobre a
Economia Nacional do País, para, em seguida, definir o “Território
Balanta” e o “Sistema Produtivo dos Balantas”,
bem assim a “Apresentação Esquemática de um Arrozal
Balanta”, destacando o seguinte:
“Este
sistema de rizicultura (chamado Thambe ni ketchogue, que
significa “cultura de água salgada” ou arrozal de água
salgada) assume características quase únicas na faixa costeira
entre a Guiné e o Senegal…”.
Em
seguida, desenvolve o tema da “Sociedade e a sua
Organização”, dizendo que a “Sociedade Brazza está
dividida em dois grupos principais: o grupo B’kuntoe e o Buungué),
apresentando, a propósito, um “Esquema de Parentesco” da
Etnia Brazza, partindo dos dois grupos principais (B’kuntoe e
Buungué) .
A
INTEGRALÇÃO SOCIAL FEMININA
Na
3ª parte, trata da “Integração Social Feminina”, pondo
o enfoque na “análise das idades e dos rituais de passagem de
uma fase para outra, em resumo: a pesquisa sobre a iniciação
tribal do Povo Brazza.”
Nesta
parte, o livro fala da “Mulher, sua Evolução e Formação”,
da “Cerimónia da Parturiente - Fincinte ni Anin”, da
“Atribuição do Nome” (ao filho), assim como de “Mbi
Fula Uson” e de “Fula Ndan”, de “IEGLE”
e de “THATA”, e de outras etapas típicas do papel da Mulher
na Sociedade Braza.
A
INTEGRAÇÃO SOCIAL MASCULINA
A
4ª parte, trata da “Integração Social Masculina”, em
que destaca “o período de formação reservado aos homens, que
ocupa as idades dos seis aos 24/30 anos.
Esse
período é mais curto do que aquele que é reservado às mulheres,
mas muito mais exigente e diversificado.
Durante
o período da sua formação, os homens jovens são chamados e
considerados no seu conjunto Blufu bidokn e
estão divididos em diferentes grupos de idade antes de assumir as
suas plenas responsabilidades familiares, sociais, políticas e
religiosas.”
Assim,
distinguem-se as seguintes etapas de formação: BIDOKN NI NHARÉ
(pertencem a esta faixa etária as crianças dos 6 aos 12
anos, que, para indicar esta pertença, andam completamente nus e
levam sempre consigo um bastão curto mas forte (fbalak),
o único instrumento que os qualifica como pastores de manadas.”
A
seguir, vem a fase de “NTHOK FOS” (compreende os adolescentes dos
13 aos 15 anos, que se distinguem por vários ornamentos corporais”
e diversos atavios.
Fala-se,
depois, nos NGWAC, que é a classe dos jovens, com idades entre os 15
e os 18 anos, que se distinguem pelo desenvolvimento da capacidade
física, para o qual tende o sistema educativo Brazza,
além do complemento técnico e moral dos jovens.
Seguidamente,
destaca-se a etapa de NKUUMAN, uma fase de idade, que dura 3 (três)
anos: dos 18 aos 21 anos. O emblema do grupo é a tartaruga (nkubur),
animal-símbolo da resistência física e da sabedoria.
A
etapa de N’HAE–NNHESS abrange a idade dos 21 aos 24 anos de
idade. Os n’hae distinguem-se de todos os outros grupos pela forma
como se apresentam e se comportam em público: costumam cobrir o
corpo com argila ou com farinha de mandioca, e levam ao pescoço,
nos braços e nos pés, grossos anéis de fibras vegetais, além de
outras características únicas, tais como andarem sempre em grupo e
tocarem continuamente um corno de búfalo para atraírem a atenção.
É o grupo de jovens que mais vive unido e solidário de
facto.
A
etapa de BLUFU NDAN (Jovem Grande) constitui uma fase intermédia
entre os jovens e os anciãos. São o ponto de ligação entre os
anciãos, que decidem as orientações da vida familiar e
comunitária, e os grupos de jovens que as devem cumprir.
A
etapa final de formação é a de LANTE-NDAN, a qual é
festejada com a celebração de FÓ, a grande Festa, que
celebra o conjunto dos rituais de passagem, da idade juvenil à
adulta.
O
momento grande da passagem é a circuncisão, que coroa um longo
caminho de formação por etapas, com uma duração total de 26 anos.
A
celebração do Fó inclui uma parte de preparação e outra de
segregação, através de um período de permanência no mato, após
o que continua, com uma fase de aproximação progressiva ao convívio
com a comunidade, mas de noite, até que chegue o dia da saída do
mato e o regresso definitivo à família e à vida comunitária, já
com o estatuto de LANTE - NDAN (HOMEM-GRANDE).
CONCLUSÃO
Se
pensarmos que uma cultura abrange o conjunto de valores materiais e
imateriais, percebe-se que o tema da Identidade Cultural do Povo
Balanta se reveste de significativa importância, não apenas no
plano meramente etnológico, mas também como um epifenómeno, que
poderá ajudar a encontrar respostas mais objectivas a um conjunto de
questões, que a realidade da nossa história contemporânea ainda
não resolveu, de forma satisfatória, no contexto de um País, que
dá pelo nome de Guiné-Bissau.
O
estudo empreendido, no livro, de que demos algumas pinceladas, no
tocante ao seu conteúdo, é um bom exemplo que vem de fora,
para lembrar à nossa comunidade nacional (quiçá, à própria
comunidade internacional) a imensa riqueza cultural, que se esconde
num pequeno Território!
Voltaremos
em breve ao Tema! Com mais pormenor.Vale a pena ler! Com
certeza!
(até próxima edição)
PARTICIPA COM A TUA OPINIÃO!
Conhecendo a realidade do País, você estará colaborando para a Paz e
Estabilidade Política e Social da Guiné-Bissau, pela Verdade e Justiça! Por
isso, leia o nosso próximo Tema, neste blogue, no dia 25.05.2013.
Colabore connosco. Dê a sua sugestão por uma Guiné Melhor, mais Digna e
Desenvolvida. Esse é o nosso objectivo! Nada mais!
Nota: B'lante, significa homens por excelências...
Amigos
ResponderEliminarOnde podemos adquirir o livro ?
Carlos Silva
Rádio Sol Mansi.
EliminarNão fala da etapa na qual os rapazes usam roupa e penteados femininos...
ResponderEliminar“A Identidade Cultural do Povo Balanta”, da autoria do Padre Salvatori Cammilleri (Edições Colibri 2011) é uma obra de carácter antropológico e etnológico de grande mérito, resulta de anos a fio do contacto direto de um missionário com o povo Balanta, na região de Tite. O que o lançou neste empreendimento foi mesmo investigar no sítio a identidade cultural deste grupo étnico animista e que não conhece a hierarquia mas preza valores e vínculos e não se mostra interessado em quebrar a tradição.
ResponderEliminarDe acordo com o censo de 1991, a etnia balanta representa 23 % da população guineense, vem logo a seguir à etnia fula que tem 24,8 % da população. Os balantas têm uma cultura essencialmente baseada na oralidade e o autor viu-se confrontado sobre que nome utilizar para os identificar. Os seus ancestrais apresentavam-se como o povo Brasa, progressivamente associaram-se aos beafadas. Os Brasa definem-se como os que permanecem sem interrupção, os autênticos. Para o autor Balanta ou Brasa são sinónimos. Em termos de ocupação do território, os balantas acantonam-se sobretudo em três áreas: na região dos rios Casamansa e Cacheu, território antigamente conhecido por Balantacunda; entre o Cacheu e o Geba, predominantemente no Oio, nas áreas entre Mansoa e Bissorã, segundo a tradição é a área onde se concentram os grupos de maior bravura (Kuntoi, Mané, Mansoanca e Brasa); e os balantas no Sul, presentes em Quínara e Tombali mas também no Oeste, na região de Biombo, são os balantas da diáspora.
O autor associa os balantas a insurreições permanentes contra a presença portuguesa, a última batalha foi asperamente travada em Nhacra, de 4 a 7 de agosto de 1924. O historiador Peter Mendy descreve-a deste modo: “Debaixo de uma chuva torrencial desenrolou-se uma feroz confrontação de quatro horas. Na impossibilidade de utilizar as suas velhas espingardas, os grupos dos cruéis guerreiros balantas lançaram-se de assalto com a espada e lança, simplesmente para serem varridos pelo fogo incessante das Snyder e Kropatcher dos portugueses e dos seus auxiliares africanos”.
Depois o autor centra-se sobre o território balanta que estudou, refere as atividades agrícolas, as alfaias, o seu sistema produtivo de arroz, como se organiza um arrozal balanta e descreve a organização social, os seus esquemas de parentesco, a estrutura de clãs, a ordem familiar e o papel dos mais velhos e das mestras e conselheiras. Explica a seguir a importância das cerimónias da iniciação em ambos os sexos e interessa-se pelos aspetos verdadeiramente identitários onde podem alinhar-se a cerimónia da parturiente, a atribuição de nome à criança, quem intervém na sua educação e como pode ser vista a clara separação nos currículos educativos de rapazes e raparigas, segue-se todo o encadeado de ritos nas diferentes etapas e a função que cabe em ambos os sexos em desempenhos obrigatórios como sejam os cuidados nos cerimoniais fúnebres ou os conselhos que os anciãos devem dar aos recém-circuncidados.
ResponderEliminarO escopo do trabalho do Padre Cammilleri tem a ver com a integração social masculina. Ele regista que o período de formação reservado aos homens ocupa as idades dos 6 aos 24/30 anos. É mais curto do que aquele que é destinado às mulheres, mas muito mais exigente e diversificado. A modificação da índole juvenil, escreve ele, é obtida através de um sistema de ensinamentos insistentes de noções, normas de vida e técnicas de trabalho até se tornarem homens. Percebe-se perfeitamente que o autor conviveu a fundo com esta população e registou ao detalhe o processo de integração social masculina. É conhecida a atitude balanta perante o trabalho e a sua pujança física. O autor diz que estes predicados poderiam ser pressupostos de violências e agressões frequentes mas tais manifestações de força são controladas pelo grande sentido de obediência ao chefe do grupo. O leitor interessado encontrará aqui a riquíssima documentação sobre as sucessivas etapas de formação, a natureza dos códigos iniciáticos e ritos e uma descrição poderosa dos diferentes rituais.
À guisa de conclusão, o autor considera que retratou os principais traços da forte unidade cultural dos Balanta/Brasa, as suas preocupações anímicas, o papel desempenhado pelo parentesco na vida do grupo e do clã e diz em dado passo se se perguntar a um qualquer jovem Brasa quem ele é ele responderá sem hesitação que é Brasa independentemente da terra onde nasceu, ou de onde vive, do clã ou linhagem a que pertence. A unidade de parentesco é confirmada na transmissão dos bens de pai para filho, ficando as mulheres excluídas. Contudo, esta exclusão feminina é recompensada pela norma tradicional que regula a afinidade e a aliança matrimonial entre as duas famílias extensas. É que o casamento é considerado uma verdadeira aliança entre duas famílias onde, para além do serviço da maternidade, é assegurada uma troca de prestação de trabalho e de outras ajudas que permanecem válidas até em caso de divórcio. A conjugação destes aspetos vem confirmar, observa o autor, a coesão e a integração cultural dos balantas, igualmente demonstrada a fidelidade da família às normas da cultura tradicional. No termo balanta encerra-se a complexidade desta identidade cultural: balanta significa “homens que recusam” e brasa é sinónimo de “gente que continua”.
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Nota de CV: