domingo, 12 de maio de 2013

FREHU-N-FLIF Nº 10: A IDENTIDADE CULTURAL DO POVO BALANTA(Binhan Braasa)


Introdução

A identidade cultural do Povo Braza (vulgo Balanta, adaptação portuguesa da palavra B'lanté da língua Braza) tem sido alvo de atenção, como objecto de estudo, certamente, pela sua especificidade e curiosidade.

O que é curioso é que são os Estrangeiros que se interessam pelo estudo e divulgação da Cultura Balanta. Por alguma razão deve ser, com certeza!

Sob o título “A IDENTIDADE CULTURAL DO POVO BALANTA” encontra-se publicado, e acessível no mercado, um estudo etnológico sobre a Cultura do Povo Braza (vulgo Balanta, adaptação portuguesa da palavra B'lanté da língua Braza), um dos muitos grupos étnicos da Guiné-Bissau.

O autor é o Padre Italiano Salvatore Cammillieri. O livro foi, originariamente, escrito em Italiano. A tradução Portuguesa é da responsabilidade de Lino Bicari e Maria Fernanda Dâmaso.
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A temática etno-cultural insere-se, também, no âmbito das reflexões que nos propomos fazer, através deste blogue, qualquer que seja a perspectiva ou foco de interesse.

Importante é que a matéria seja do interesse dos nossos Leitores! Não receamos a crítica! Acreditamos que, da discussão nasce a Luz!

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Por isso, achamos pertinente a brevíssima análise que fazemos, no presente artigo, relativamente à obra citada.

Apenas para abrir uma janela de contacto sobre o tema e uma pista de reflexão em torno do seu conteúdo e da realidade social (etnográfica) que lhe está subjacente! Por isso tem, quanto a nós, todo o interesse falar sobre o assunto!

O livro, em si mesmo, é um documento sério e honesto, feito com método e carácter científico. Isso basta para merecer de nós os maiores encómios!

Pela forma como foi concebido e construído (nas palavras do próprio autor): através da percepção directa da realidade social e cultural do Povo Braza e de contacto com pessoas capacitadas para informar, com verdade e realismo, sobre os fenómenos culturais e os valores subjacentes, bem como os rituais pelos quais se exteriorizam.

Merece, por isso, o nosso reconhecimento e agradecimento. Por nós e pelas futuras gerações!

Como, em tudo, pode haver lugar à divergência de opiniões. Pois, com certeza! Nada mais saudável!

Mas, como não somos críticos de coisa nenhuma (nem de antropologia social, nem de etnografia), limitamo-nos a apreciar o conteúdo da obra, o seu mérito documental e a reflectir sobre uma realidade que, para muito de nós, é conhecida, como vivência pessoal!

A grande diferença é que um livro é um documento, que torna possível a discussão dialéctica sobre aquela mesma realidade.

Uma obra do género permite, sem dúvida, um confronto entre a realidade vivenciada, por quem conhece o Povo e a Cultura, objecto do estudo, com aquilo que o livro nos oferece.

Análise Breve

do Conteúdo

Na parte da “Introdução” do livro, escreve o autor:

O Povo que atraiu o nosso interesse é chamado Balanta”, em língua crioula, “Balantas”, em Português, “Balante”, em Francês, mas autodenomina-se Braza. Encontra-se na República da Guiné-Bissau, África Ocidental.

Mais adiante diz que o Povo Balantatem a sua história, a sua cultura, a sua identidade. O nosso objectivo é tentarmos conhecê-lo de perto através do seu testemunho.”

O autor diz ainda saber que existe pouca documentação sobre o Povo Balanta, inclusive na Biblioteca Nacional de Bissau, e que a que lá existe reporta-se ao período colonial.

Partindo da convicção de que “não se pode conhecer a cultura de um Povo a partir de uma outra cultura, embora se possam utilizar técnicas de análise objectivas” e do facto de a Cultura Balanta se basear essencialmente na oralidade (o contrário da Cultura documentada) anuncia que “é através do conhecimento de sua língua que podemos aproximar-nos da compreensão da sua identidade cultural”.

Foi esse o método seguido pelo autor. Diz ele: “A palavra cultura é abstracta enquanto os homens que a vivem são concretos.

Escutando-os de viva voz e reflectindo sobre as suas informações, chegamos ao conhecimento de um conjunto de noções, “o texto oral”, como é definido por Okolo Okonda (participante num Relatório do Seminário Nacional dos Filósofos, em Lumumbashi, em 1976”, citado pelo autor), que nos permitiu descrever o protótipo do homem e da mulher como emerge da análise das etapas de formação que se realizam junto deste povo denominado Balanta /Braza”.

Partindo deste método de contacto directo com o Povo Brazza, o autor começa por se interrogar sobre que nome utilizar para falar do Povo que “atraiu o seu interesse etnológico”.

Porque diz: “Um nome que um Povo dá a si mesmo por vezes pode ser diferente daquele que outro povo lhe dá. Esta duplicidade de denominação verificou-se também no povo em estudo que é chamadoBalantapelos outros eBrazapor si mesmo.”

Para obter resposta à essa questão, o autor faz uma incursão pela História, em busca das referências mais remotas, a que teve acesso, relativamente ao Povo Brazza (ou Balanta).

Em seguida, define o “Espaço Demográfico”, em que se localiza o Povo Brazza, nas diversas regiões do País, por onde se expandiu, em busca de melhores condições de vida, deslocando-se do Norte para o Sul.

CONTEXTO HISTÓRICO

Na 1ª Parte do Livro, o autor faz uma breve análise do “Contexto Histórico”, em que se desenvolve a Cultura Braza, dizendo o seguinte:

Quem visita a Guiné-Bissau, fica muito impressionado por um facto muito evidente: num pequeno território de 36.000 km2, situado na costa atlântica, coexistem nove Povos muito diferentes nas suas formas políticas, instituições sociais, rituais, costumes e línguas. Qual a causa?”

Nesse contexto, o autor refere-se ao “desembarque dos Portugueses, navegando com o sistema de terra à vista, tendo aportado à foz do Rio Geba, em 1446.

Destaca, em seguida, a política da ocupação do território, empreendida pelos Portugueses, a qual se tornou obrigatória, a partir da célebre Conferência de Berlim, no final do Séc. XIX.

Tal política, baseada na violência, motivou a Revolta dos Balantas, desencadeando sucessivas guerras, que culminaram com a mais áspera de todas, travada, em Nhacra, de 4 a 7 de Agosto do ano de 1924.

Nesse quadro histórico, o autor faz ainda uma abordagem ao “Período Colonial” e à “Independência”, proclamada em 24.09.1973, e reconhecida por Portugal, em 10.09.1974, na sequência da Revolução de 25 de Abril e a consequente dissolução do Império Colonial Português.

SITUAÇÃO SÓCIO-ECONÓMICA

Na 2ª Parte do Livro, fala-se da “Situação Sócio-Económica” da Guiné-Bissau, fazendo um breve apontamento sobre a Economia Nacional do País, para, em seguida, definir o “Território Balanta” e o “Sistema Produtivo dos Balantas”, bem assim a “Apresentação Esquemática de um Arrozal Balanta”, destacando o seguinte:

Este sistema de rizicultura (chamado Thambe ni ketchogue, que significa “cultura de água salgada” ou arrozal de água salgada) assume características quase únicas na faixa costeira entre a Guiné e o Senegal…”.

Em seguida, desenvolve o tema da “Sociedade e a sua Organização”, dizendo que a “Sociedade Brazza está dividida em dois grupos principais: o grupo B’kuntoe e o Buungué), apresentando, a propósito, um “Esquema de Parentesco” da Etnia Brazza, partindo dos dois grupos principais (B’kuntoe e Buungué) .

A INTEGRALÇÃO SOCIAL FEMININA

Na 3ª parte, trata da “Integração Social Feminina”, pondo o enfoque na “análise das idades e dos rituais de passagem de uma fase para outra, em resumo: a pesquisa sobre a iniciação tribal do Povo Brazza.”

Nesta parte, o livro fala da “Mulher, sua Evolução e Formação”, da “Cerimónia da Parturiente - Fincinte ni Anin”, da “Atribuição do Nome” (ao filho), assim como de “Mbi Fula Uson” e de “Fula Ndan”, de “IEGLE” e de “THATA”, e de outras etapas típicas do papel da Mulher na Sociedade Braza.

A INTEGRAÇÃO SOCIAL MASCULINA

A 4ª parte, trata da “Integração Social Masculina”, em que destaca “o período de formação reservado aos homens, que ocupa as idades dos seis aos 24/30 anos.

Esse período é mais curto do que aquele que é reservado às mulheres, mas muito mais exigente e diversificado.

Durante o período da sua formação, os homens jovens são chamados e considerados no seu conjunto Blufu bidokn e estão divididos em diferentes grupos de idade antes de assumir as suas plenas responsabilidades familiares, sociais, políticas e religiosas.”

Assim, distinguem-se as seguintes etapas de formação: BIDOKN NI NHARÉ (pertencem a esta faixa etária as crianças dos 6 aos 12 anos, que, para indicar esta pertença, andam completamente nus e levam sempre consigo um bastão curto mas forte (fbalak), o único instrumento que os qualifica como pastores de manadas.”

A seguir, vem a fase de “NTHOK FOS” (compreende os adolescentes dos 13 aos 15 anos, que se distinguem por vários ornamentos corporais” e diversos atavios.

Fala-se, depois, nos NGWAC, que é a classe dos jovens, com idades entre os 15 e os 18 anos, que se distinguem pelo desenvolvimento da capacidade física, para o qual tende o sistema educativo Brazza, além do complemento técnico e moral dos jovens.

Seguidamente, destaca-se a etapa de NKUUMAN, uma fase de idade, que dura 3 (três) anos: dos 18 aos 21 anos. O emblema do grupo é a tartaruga (nkubur), animal-símbolo da resistência física e da sabedoria.

A etapa de N’HAE–NNHESS abrange a idade dos 21 aos 24 anos de idade. Os n’hae distinguem-se de todos os outros grupos pela forma como se apresentam e se comportam em público: costumam cobrir o corpo com argila ou com farinha de mandioca, e levam ao pescoço, nos braços e nos pés, grossos anéis de fibras vegetais, além de outras características únicas, tais como andarem sempre em grupo e tocarem continuamente um corno de búfalo para atraírem a atenção. É o grupo de jovens que mais vive unido e solidário de facto.

A etapa de BLUFU NDAN (Jovem Grande) constitui uma fase intermédia entre os jovens e os anciãos. São o ponto de ligação entre os anciãos, que decidem as orientações da vida familiar e comunitária, e os grupos de jovens que as devem cumprir.

A etapa final de formação é a de LANTE-NDAN, a qual é festejada com a celebração de , a grande Festa, que celebra o conjunto dos rituais de passagem, da idade juvenil à adulta.

O momento grande da passagem é a circuncisão, que coroa um longo caminho de formação por etapas, com uma duração total de 26 anos.

A celebração do Fó inclui uma parte de preparação e outra de segregação, através de um período de permanência no mato, após o que continua, com uma fase de aproximação progressiva ao convívio com a comunidade, mas de noite, até que chegue o dia da saída do mato e o regresso definitivo à família e à vida comunitária, já com o estatuto de LANTE - NDAN (HOMEM-GRANDE).

CONCLUSÃO

Se pensarmos que uma cultura abrange o conjunto de valores materiais e imateriais, percebe-se que o tema da Identidade Cultural do Povo Balanta se reveste de significativa importância, não apenas no plano meramente etnológico, mas também como um epifenómeno, que poderá ajudar a encontrar respostas mais objectivas a um conjunto de questões, que a realidade da nossa história contemporânea ainda não resolveu, de forma satisfatória, no contexto de um País, que dá pelo nome de Guiné-Bissau.

O estudo empreendido, no livro, de que demos algumas pinceladas, no tocante ao seu conteúdo, é um bom exemplo que vem de fora, para lembrar à nossa comunidade nacional (quiçá, à própria comunidade internacional) a imensa riqueza cultural, que se esconde num pequeno Território! 
 
Voltaremos em breve ao Tema! Com mais pormenor.Vale a pena ler! Com certeza!

 (até próxima edição)


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Nota: B'lante, significa homens por excelências...


5 comentários :

  1. Amigos

    Onde podemos adquirir o livro ?
    Carlos Silva

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  2. Não fala da etapa na qual os rapazes usam roupa e penteados femininos...

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  3. “A Identidade Cultural do Povo Balanta”, da autoria do Padre Salvatori Cammilleri (Edições Colibri 2011) é uma obra de carácter antropológico e etnológico de grande mérito, resulta de anos a fio do contacto direto de um missionário com o povo Balanta, na região de Tite. O que o lançou neste empreendimento foi mesmo investigar no sítio a identidade cultural deste grupo étnico animista e que não conhece a hierarquia mas preza valores e vínculos e não se mostra interessado em quebrar a tradição.

    De acordo com o censo de 1991, a etnia balanta representa 23 % da população guineense, vem logo a seguir à etnia fula que tem 24,8 % da população. Os balantas têm uma cultura essencialmente baseada na oralidade e o autor viu-se confrontado sobre que nome utilizar para os identificar. Os seus ancestrais apresentavam-se como o povo Brasa, progressivamente associaram-se aos beafadas. Os Brasa definem-se como os que permanecem sem interrupção, os autênticos. Para o autor Balanta ou Brasa são sinónimos. Em termos de ocupação do território, os balantas acantonam-se sobretudo em três áreas: na região dos rios Casamansa e Cacheu, território antigamente conhecido por Balantacunda; entre o Cacheu e o Geba, predominantemente no Oio, nas áreas entre Mansoa e Bissorã, segundo a tradição é a área onde se concentram os grupos de maior bravura (Kuntoi, Mané, Mansoanca e Brasa); e os balantas no Sul, presentes em Quínara e Tombali mas também no Oeste, na região de Biombo, são os balantas da diáspora.

    O autor associa os balantas a insurreições permanentes contra a presença portuguesa, a última batalha foi asperamente travada em Nhacra, de 4 a 7 de agosto de 1924. O historiador Peter Mendy descreve-a deste modo: “Debaixo de uma chuva torrencial desenrolou-se uma feroz confrontação de quatro horas. Na impossibilidade de utilizar as suas velhas espingardas, os grupos dos cruéis guerreiros balantas lançaram-se de assalto com a espada e lança, simplesmente para serem varridos pelo fogo incessante das Snyder e Kropatcher dos portugueses e dos seus auxiliares africanos”.

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  4. Depois o autor centra-se sobre o território balanta que estudou, refere as atividades agrícolas, as alfaias, o seu sistema produtivo de arroz, como se organiza um arrozal balanta e descreve a organização social, os seus esquemas de parentesco, a estrutura de clãs, a ordem familiar e o papel dos mais velhos e das mestras e conselheiras. Explica a seguir a importância das cerimónias da iniciação em ambos os sexos e interessa-se pelos aspetos verdadeiramente identitários onde podem alinhar-se a cerimónia da parturiente, a atribuição de nome à criança, quem intervém na sua educação e como pode ser vista a clara separação nos currículos educativos de rapazes e raparigas, segue-se todo o encadeado de ritos nas diferentes etapas e a função que cabe em ambos os sexos em desempenhos obrigatórios como sejam os cuidados nos cerimoniais fúnebres ou os conselhos que os anciãos devem dar aos recém-circuncidados.

    O escopo do trabalho do Padre Cammilleri tem a ver com a integração social masculina. Ele regista que o período de formação reservado aos homens ocupa as idades dos 6 aos 24/30 anos. É mais curto do que aquele que é destinado às mulheres, mas muito mais exigente e diversificado. A modificação da índole juvenil, escreve ele, é obtida através de um sistema de ensinamentos insistentes de noções, normas de vida e técnicas de trabalho até se tornarem homens. Percebe-se perfeitamente que o autor conviveu a fundo com esta população e registou ao detalhe o processo de integração social masculina. É conhecida a atitude balanta perante o trabalho e a sua pujança física. O autor diz que estes predicados poderiam ser pressupostos de violências e agressões frequentes mas tais manifestações de força são controladas pelo grande sentido de obediência ao chefe do grupo. O leitor interessado encontrará aqui a riquíssima documentação sobre as sucessivas etapas de formação, a natureza dos códigos iniciáticos e ritos e uma descrição poderosa dos diferentes rituais.

    À guisa de conclusão, o autor considera que retratou os principais traços da forte unidade cultural dos Balanta/Brasa, as suas preocupações anímicas, o papel desempenhado pelo parentesco na vida do grupo e do clã e diz em dado passo se se perguntar a um qualquer jovem Brasa quem ele é ele responderá sem hesitação que é Brasa independentemente da terra onde nasceu, ou de onde vive, do clã ou linhagem a que pertence. A unidade de parentesco é confirmada na transmissão dos bens de pai para filho, ficando as mulheres excluídas. Contudo, esta exclusão feminina é recompensada pela norma tradicional que regula a afinidade e a aliança matrimonial entre as duas famílias extensas. É que o casamento é considerado uma verdadeira aliança entre duas famílias onde, para além do serviço da maternidade, é assegurada uma troca de prestação de trabalho e de outras ajudas que permanecem válidas até em caso de divórcio. A conjugação destes aspetos vem confirmar, observa o autor, a coesão e a integração cultural dos balantas, igualmente demonstrada a fidelidade da família às normas da cultura tradicional. No termo balanta encerra-se a complexidade desta identidade cultural: balanta significa “homens que recusam” e brasa é sinónimo de “gente que continua”.
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    Nota de CV:

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