Actuais
e antigos líderes de bancadas do parlamento regional são acusados de utilizarem
verbas de forma indevida. “Fiquei estupefacto, envergonhado e horrorizado ao
verificar as despesas”, confessou o procurador nas alegações finais do
julgamento.
O
procurador adjunto da República pediu nesta segunda-feira a condenação de dez
deputados da Assembleia Legislativa da Madeira (ALM), exigindo a restituição
dos cerca de dois milhões de euros que terão sido usados de forma indevida, ou
não justificada, nas actividades das representações parlamentares em 2006.
Intervindo
nas alegações finais, o procurador na Secção Regional da Madeira do Tribunal de
Contas (TdC), Nuno Gonçalves, admitiu que a responsabilidade reintegratória a
exigir pelo tribunal, ou seja a devolução da verba, possa dizer apenas respeito
a um montante "simbólico”, e não integral, atendendo a que os referidos
deputados, lideres parlamentares e representantes únicos de partidos com
assento na ALM nunca foram condenados por estes factos. Quanto à infracção de
natureza sancionatória, o magistrado do Ministério Publico (MP) pediu que
fossem ilibados, por prescrição, como aconteceu em relação aos membros do conselho
de administração da ALM, que não chegaram a ser julgados.
“Fiquei
estupefacto, envergonhado e horrorizado ao verificar as despesas”, confessou o
procurador. “Nunca pensei que um deputado se fosse instalar num hotel, a pedir
coisas na piscina, em fato de banho”, à custa da subvenção que também serviu,
disse, “para pagar gincanas de carrinhos de madeira” ou “65 viagens áreas entre
o continente e Madeira, 34 só num dia”. “Há muitas despesas que não tinham nada
a ver com a actividade parlamentar”, concluiu Nuno Gonçalves.
Os
gastos dos grupos parlamentares da ALM em 2006, na ordem dos seis milhões de
euros, são, para o procurador, “um perfeito absurdo, quando a Assembleia da
República e o parlamento dos Açores se governam com muito menos, com 900 mil e
800 mil euros”. Na acusação, o MP considerava que "cada um dos demandados
cometeu uma infracção dolosa de natureza reintegratória por desvio de dinheiro”
e "uma infracção dolosa de natureza sancionatória", apontando verbas
na ordem dos dois milhões de euros e pedindo a condenação em multas que variam
entre os 9600 e os 4800 euros.
O
MP invocou ainda que não foi "apresentado qualquer justificativo da
utilização” de cerca de dois milhões, relativos ao último trimestre de 2006,
tendo os deputados demandados contribuído para que alguém ou entidade se
apoderasse e/ou a gastasse noutros fins que não os estabelecidos (...), ou
seja, que aquele montante desaparecesse, em prejuízo, pois do erário
público".
Prescrição
por clarificar
Na
última audiência de julgamento, o juiz conselheiro Lobo Ferreira anunciou que
apresentara um recurso para o plenário do TdC, em Lisboa, para
clarificação dos prazos de prescrição do
procedimento, para esclarecer se a contagem do tempo é interrompida no decurso
da auditoria. Em caso afirmativo, e se não for provada a existência de dolo, o
processo corre o risco de prescrever. De acordo com a lei de organização e
processo do TdC (artigos 69.º e 70.º da Lei n.º 98/97), o prazo da prescrição
do procedimento por responsabilidades financeiras reintegratórias é de dez
anos, e de cinco anos no caso das responsabilidades sancionatórias. O prazo da
prescrição do procedimento conta-se a partir da data da infracção ou, não sendo
possível determiná-la, desde o último dia da respectiva gerência.
Nas
alegações finais, os advogados dos demandados questionaram a competência do TdC
para julgar este caso, alegando que a sua apreciação competiria ao Tribunal
Constitucional, para o qual tinha sido transferida a fiscalização das contas
das assembleias regionais. Tal aconteceu por determinação da Lei n.º 55/2010
(Orçamento de Estado), através de uma norma interpretativa cuja aplicação,
frisou Guilherme Silva, tem efeitos retroactivos.
"O
Tribunal de Contas está a querer arrogar-se a uma competência que não tem”,
disse Guilherme Silva que acusou o MP de, com este processo, “enlamear todo um
parlamento" e de “prestar um mau serviço à democracia”. “Assiste-se
infelizmente a um ataque à classe política e a parlamentos, a uma tendência
crescente de justiçalizar a política e de politizar a justiça”, lamentou o
advogado de Jaime Ramos (PSD), Violante Matos (BE) e João Isidoro
(Independente), lembrando que “os grupos parlamentares não são órgãos da
assembleia, mas dos partidos”, pelo que só deveriam ser julgados pelo Tribunal
Constitucional.
A
defesa dos demandados também pediu a nulidade dos autos, por ter o julgamento
decorrido sem o levantamento da imunidade dos deputados por parte da
assembleia.
“A
acusação resulta de uma presunção, errada, ao considerar desvio a não
apresentação pelos deputados das verbas entregues aos partidos, pois nunca
foram os demandados a decidir a utilização do dinheiro", frisou Ricardo
Vieira, advogado de José Manuel Rodrigues (CDS) e de Víctor Freitas, Lino
Martins e Gil França (PS). Também Marta Delgado, advogada de Paulo Martins
(BE), acusou o MP de “ultrapassar todas as regras da prova”, ao considerar
desvio a não apresentação pelos deputados das verbas entregues aos partidos.
Lembrou ainda "não ter sido feita prova de que o dinheiro foi para a mão
dos deputados". Também José Lizardo, defensor dos deputados do PCP (Edgar
Silva e Leonel Nunes), argumentou que “os deputados não devem ser julgados como
agentes públicos”.
O
juiz deverá exarar o despacho sobre matéria de factos provados nos próximos
dias, ficando a sentença dependente da decisão sobre a prescrição do
procedimento. Não está ainda marcado o julgamento das contas da ALM relativas a
2007, com um desvio de 4,3 milhões, nem do processo das subvenções
parlamentares no período de 2008 a 2010, envolvendo cerca de 12,5 milhões,
entregue ao Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária no
Funchal.
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