1.
A fotografia percorreu mundo: o Papa Francisco de joelhos, diante de um padre
no confessionário, a confessar-se à vista de quem estava. Sabia-se que o Papa
também peca e portanto se confessa. Mas agora está mesmo lá a confessar-se
normalmente, como qualquer católico. Afinal, também é pecador, como repete
constantemente, e tem dúvidas e engana--se como toda a gente, não é infalível.
É simplesmente um homem, que acredita no perdão de Deus. E quer melhorar a sua
vida, tanto mais quando tem uma imensa responsabilidade perante a humanidade
inteira.
Pouco
depois, na semana passada, Francisco deu uma entrevista a um grupo de cinco
estudantes católicos belgas de comunicação. E foi-lhes dizendo, textualmente:
"Enganei-me e engano-me. Diz-se que o ser humano é o único animal que cai
duas vezes no mesmo sítio. Os erros foram grandes mestres de vida. Não diria
que aprendi com todos os meus erros; com alguns, não, também sou casmurro. Mas
aprendi com muitos outros erros e isso faz-me bem." Entre os equívocos na
sua vida recorda que, quando ainda jovem, com 36 anos foi nomeado superior da
Companhia de Jesus, cometeu erros "com o autoritarismo". Depois,
deu-se conta de que "é preciso dialogar, escutar o que os outros pensam".
Já
ouviu dizer : "Este Papa é comunista!", por causa do seu discurso
sobre os pobres, mas esclarece que não. "Não, esta é a bandeira do
Evangelho, a pobreza sem ideologia, os pobres estão no centro do anúncio de
Jesus."
Confessa
que é feliz, com uma grande paz, apesar dos problemas. "Sempre houve
problemas, mas esta felicidade não vai embora com eles." Lamenta é que
"neste momento da história o ser humano foi retirado do centro",
sendo o seu lugar ocupado "pelo poder e pelo dinheiro". Referindo o
desemprego dos jovens, arremete contra "uma cultura do descartável":
o que não serve a globalização reinante deita-se fora: "Os jovens são
expulsos, são expulsas as crianças, não queremos filhos, só famílias pequenas,
e são expulsos os velhos, muitos deles morrem com uma eutanásia oculta, porque
não se cuida deles." Mas está confiante: ainda na Argentina, falou com
muitos políticos jovens e comprovou que, de direita ou de esquerda, falam
"com uma nova música, um novo estilo de política". E faz uma
pergunta: "Onde está o teu tesouro?" Porque, "onde estiver o teu
tesouro, aí estará o teu coração", como diz o Evangelho. E responde: pode
estar no "poder, no dinheiro, no orgulho" ou na "bondade, na
beleza, no desejo de fazer o bem".
2.
Pelo menos 80% dos portugueses ainda se consideram católicos, e é nesse
pressuposto que faço uma breve reflexão.
Há
uma herança indiscutivelmente imensa e positiva do 25 de Abril. A democracia,
as liberdades, os direitos humanos, erradicação do analfabetismo, algum
desenvolvimento, uma nova consciência de cidadania... são bens inestimáveis.
Mas muita coisa correu mal, de tal modo que a gente pergunta como é que, tendo
podido fundar um país moderno, se está onde nos encontramos. Incompetência e
irresponsabilidade política, ganância desmesurada, anteposição de interesses
próprios e partidários ao bem comum, cumplicidades entre partidos e negócios,
investimentos irracionais, corrupção, justiça inoperacional, multiplicação cega
de instituições de ensino superior e perda de autoridade nas escolas,
consumismo hedonista leviano, um tsunami demográfico, abismo cada vez mais
fundo entre os muito ricos e os pobres, incapacidade de pensar o futuro com um
projeto viável para Portugal... eis alguns dos responsáveis.
Será
preciso parar. Para pensar - do latim, pensare: pesar razões, também em conexão
o penso para cura das feridas. Para confessar os erros e aprender com eles: é
espantosa a "inocência" de comentadores que falam como se a maioria
não tivesse estado no poder.
E
a Igreja oficial precisa, tornando-se verdadeiramente livre, acima de
interesses e partidos, de ser mais interventiva enquanto voz político-moral,
iluminada e iluminante.
Sem comentários :
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.