sexta-feira, 9 de maio de 2014

Opinião»» Governar, uma actividade espinhosa para o novo governo guineense


É sabido que, modo geral, em qualquer sistema político a existência de níveis de corrupção mais ou menos acentuada é uma constatação. Infelizmente na Guiné-Bissau, escândalos de corrupção estão na ordem do dia.

Não se pode prever o que será deste país após as eleições, sem fazer uma análise sucinta dos 40 anos de governação. É preciso compreender previamente o meio circundante, para depois agir.

A existência de muitas feridas abertas entre os militares, os politicos e a sociedade, herdadas de anos de abusos, golpes de estado, assassinatos e conspirações políticas que ficaram impunes, faz com que as estruturas do Estado do país se encontrem em risco de desintegração. Por isso, todo o projecto político no interior de uma sociedade extremamente complexa, como é a guineense, deve primar pela busca de soluções, capazes de reordenar a vida social de um modo mais equitativo, demarcando-se claramente do passado em que os interesses pessoais e partidários foram sempre colocados acima dos da sociedade.

O tráfico de armas em Casamance, em paralelo com o desvio de dinheiro público pelos ministros dos sucessivos governos do PAIGC que comparam muitas casas na Europa, América… E, alguns apropriaram das casas de estado na cidade de Bissau e nas outras cidade do pais, bem como os abusos das autoridades permitiram às elites militares e civis se autofinanciarem. Com o comércio da cocaína, aumentou o tráfico ilícito e muitos chefes militares e políticos envolveram-se nele. Alguns militares e civis acumularam níveis de riqueza e influência sem precedentes. O narcotráfico criou meios de contornar o Estado e fez aumentar as rivalidades no país, enfraquecendo o mesmo e corrompendo as suas instituições.

Criou - se as rivalidades étnicas e familiar nos partidos e nas instituições de estado. Pelo que muitas nomeações são feitas com base nas afinidades familiar e étnicas, quer nas embaixadas e assim como nas atribuições das bolsas de estudo. Essas rivalidades criaram divisões no seio dos partidos políticos e das Forças Armadas, encontrando-se esta cada vez mais fragmentada e fragilizada. Elas dividiram-se em bandos, cada um com o seu cabecilha, alimentando as crises políticas e militares. Estando o exército e políticos dividido e com atrasos no pagamento de salários, faz com que a lealdade dos agentes do estado e partidos aos seus superiores dependa exclusivamente da capacidade destes em lhes oferecer ajuda financeira.

O caos e a anarquia apoderou-se do país, não há fronteiras entre o governo e os militares, ninguém respeita ninguém, nada funciona, nada se produz, instala-se a corrupção, a lei torna-se letra morta, a constituição ignorada, instalam-se suspeições no país.

Hoje, no seu conjunto, o exército, o político guineense é obsoleto e o número de oficiais e dos partidos corresponde ao dobro do número de soldados e do povo, respetivamente. As chefias militares e os líderes políticos, na escuridão, vão impondo as suas doutrinas, que se encontram no centro das grandes disputas políticas.

As repetidas crises no país, fizeram com que Estados vizinhos e organizações internacionais se envolvessem, levando-os a ser acusados de tomar partido ou competirem entre si, não sendo considerados portanto, mediadores credíveis.

A prospeção na Guiné-Bissau permitiu identificar importantes jazigos de bauxite, petróleo, fosfato e ieminite, bem como a presença de outros minerais, com elevado interesse económico. Por ser um país próximo do Senegal, Mauritânia, Gâmbia ou Marrocos, assim como do mercado europeu, a Guiné-Bissau tornou-se atraente para vários países e também para os traficantes. A máfia guineense, dispondo de recursos minerais cobiçados, começou a assinar acordos megalómanos, ameaçando comprometer os recursos do país, depositando-os em mãos alheias.

Até hoje, a questão do petróleo é mantida no mais completo secretismo. Apesar de as autoridades guineenses manterem uma série de contactos com vários países produtores e exportadores de petróleo, a verdade é que o povo guineense se mantém na mais completa ignorância.

Nestas eleições, não se espera que seja apenas mudado o partido no poder, mas também os políticos. Mudar e continuar a mesma política, não se deseja! É preciso renascer políticos com outra mentalidade, políticos com outros valores, com outros princípios, outros ideais e outras atitudes, para se iniciar a mudança. É uma exigência fazer uma revolução mental e cultural, de forma a mudar os comportamentos e atitudes. Ser-se líder, é sobretudo ter Deveres e Direitos, a boa governação não se faz sem que o exemplo venha da cúpula, com um apurado sentido do Dever.

A Pátria é mais do que uma colecção de ecossistemas e de seres vivos, é uma interessante união de pessoas, seres e fenómenos que conjuntamente produzem um todo. Não se pode conformar por conseguinte, com tantas oportunidades perdidas. É imperativo o reencontro com a unidade na diversidade das origens do martirizado povo guineense, a substituição do mal, pelo altruísmo e novas oportunidades.

A sociedade evolui todos os dias e novas exigências surgem, colocando deste modo um enorme desafio aos novos mandatários da Nação. É preciso decidir de forma consciente de que recurso se deve disponibilizar para a formação do governo. Os recursos a activar, a escolha deveria incidir, principalmente na componente do conhecimento, da capacidade, da atitude e até num certo nível, de criatividade e acima de tudo de rompimento com actores ligados a práticas sanguinárias, de motivações tribalistas e segregacionistas, tendo como lema o respeito pela vida, evitando-se a todo o custo a aposta na continuidade da impunidade. Como alguém disse, o país precisa de espíritos livres, com coluna vertebral!

O novo governo saído das eleições tem que respeitar a vontade do eleitorado, promover o desarmamento dos militares, a substituição da cúpula militar e enviá-los para a reforma com uma pensão condigna, isso, se estiver efetivamente apostado numa governação para a estabilidade e criação de bases seguras para devolver confiança e segurança ao país.

Vislumbra-se, contudo, tarefa difícil, senão mesmo impossível para o novo executivo, sem ajuda da comunidade internacional, combater as vaidades do passado, os calculismos, os oportunismos, as irresponsabilidades, as arbitrariedades, o tráfico de estupefacientes.

As mudanças no país só serão possíveis, quando a ONU entender de vez que tem responsabilidades com a Guiné e tem de fazer o mesmo que foi feito em Timor: colocar as suas tropas no terreno guineense com objectivos similares aos constantes na Resolução 1704 de 25 de Agosto de 2006. Por não serem credíveis para os guineenses, o recurso a militares da CEDEAO dever ser descartado.

Toda a mudança inicia um ciclo de construção, se não se esquecer de deixar a porta aberta. Espera-se comemorar a virada de um novo tempo, encher os corações dos guineenses de esperanças, dizer adeus ao velho e superar todos os obstáculos que a vida reserva ao cidadão anónimo. Deve-se portanto descruzar os braços e vencer o medo de partir em busca dos sonhos. O tempo é precioso e não volta atrás, por isso não vale a pena resgatar o passado. O que vale a pena é construir o futuro, e os alicerces para a edificação do futuro da Guiné, ainda está por construir.

Eng.º Otílio Camacho

Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.

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