É sabido que, modo geral, em qualquer sistema
político a existência de níveis de corrupção mais ou menos acentuada é uma
constatação. Infelizmente na Guiné-Bissau, escândalos de corrupção estão na
ordem do dia.
Não se pode prever o que será deste país após as
eleições, sem fazer uma análise sucinta dos 40 anos de governação. É preciso
compreender previamente o meio circundante, para depois agir.
A existência de muitas feridas abertas entre os
militares, os politicos e a sociedade, herdadas de anos de abusos, golpes de
estado, assassinatos e conspirações políticas que ficaram impunes, faz com que
as estruturas do Estado do país se encontrem em risco de desintegração. Por
isso, todo o projecto político no interior de uma sociedade extremamente
complexa, como é a guineense, deve primar pela busca de soluções, capazes de
reordenar a vida social de um modo mais equitativo, demarcando-se claramente do
passado em que os interesses pessoais e partidários foram sempre colocados
acima dos da sociedade.
O tráfico de armas em Casamance, em paralelo com o
desvio de dinheiro público pelos ministros dos sucessivos governos do PAIGC que
comparam muitas casas na Europa, América… E, alguns apropriaram das casas de estado na
cidade de Bissau e nas outras cidade do pais, bem como os abusos das autoridades
permitiram às elites militares e civis se autofinanciarem. Com o comércio da
cocaína, aumentou o tráfico ilícito e muitos chefes militares e políticos envolveram-se
nele. Alguns militares e civis acumularam níveis de riqueza e influência sem
precedentes. O narcotráfico criou meios de contornar o Estado e fez aumentar as
rivalidades no país, enfraquecendo o mesmo e corrompendo as suas instituições.
Criou - se as rivalidades étnicas e familiar nos
partidos e nas instituições de estado. Pelo que muitas nomeações são feitas com
base nas afinidades familiar e étnicas, quer nas embaixadas e assim como nas
atribuições das bolsas de estudo. Essas rivalidades criaram divisões no seio dos
partidos políticos e das Forças Armadas, encontrando-se esta cada vez mais fragmentada
e fragilizada. Elas dividiram-se em bandos, cada um com o seu cabecilha,
alimentando as crises políticas e militares. Estando o exército e políticos dividido
e com atrasos no pagamento de salários, faz com que a lealdade dos agentes do
estado e partidos aos seus superiores dependa exclusivamente da capacidade
destes em lhes oferecer ajuda financeira.
O caos e a anarquia apoderou-se do país, não há
fronteiras entre o governo e os militares, ninguém respeita ninguém, nada
funciona, nada se produz, instala-se a corrupção, a lei torna-se letra morta, a
constituição ignorada, instalam-se suspeições no país.
Hoje, no seu conjunto, o exército, o político
guineense é obsoleto e o número de oficiais e dos partidos corresponde ao dobro
do número de soldados e do povo, respetivamente. As chefias militares e os líderes
políticos, na escuridão, vão impondo as suas doutrinas, que se encontram no
centro das grandes disputas políticas.
As repetidas crises no país, fizeram com que Estados
vizinhos e organizações internacionais se envolvessem, levando-os a ser
acusados de tomar partido ou competirem entre si, não sendo considerados
portanto, mediadores credíveis.
A prospeção na Guiné-Bissau permitiu identificar
importantes jazigos de bauxite, petróleo, fosfato e ieminite, bem como a presença
de outros minerais, com elevado interesse económico. Por ser um país próximo do
Senegal, Mauritânia, Gâmbia ou Marrocos, assim como do mercado europeu, a
Guiné-Bissau tornou-se atraente para vários países e também para os
traficantes. A máfia guineense, dispondo de recursos minerais cobiçados,
começou a assinar acordos megalómanos, ameaçando comprometer os recursos do
país, depositando-os em mãos alheias.
Até hoje, a questão do petróleo é mantida no mais
completo secretismo. Apesar de as autoridades guineenses manterem uma série de
contactos com vários países produtores e exportadores de petróleo, a verdade é
que o povo guineense se mantém na mais completa ignorância.
Nestas eleições, não se espera que seja apenas
mudado o partido no poder, mas também os políticos. Mudar e continuar a mesma
política, não se deseja! É preciso renascer políticos com outra mentalidade,
políticos com outros valores, com outros princípios, outros ideais e outras
atitudes, para se iniciar a mudança. É uma exigência fazer uma revolução mental
e cultural, de forma a mudar os comportamentos e atitudes. Ser-se líder, é
sobretudo ter Deveres e Direitos, a boa governação não se faz sem que o exemplo
venha da cúpula, com um apurado sentido do Dever.
A Pátria é mais do que uma colecção de ecossistemas
e de seres vivos, é uma interessante união de pessoas, seres e fenómenos que
conjuntamente produzem um todo. Não se pode conformar por conseguinte, com
tantas oportunidades perdidas. É imperativo o reencontro com a unidade na
diversidade das origens do martirizado povo guineense, a substituição do mal,
pelo altruísmo e novas oportunidades.
A sociedade evolui todos os dias e novas exigências
surgem, colocando deste modo um enorme desafio aos novos mandatários da Nação.
É preciso decidir de forma consciente de que recurso se deve disponibilizar para
a formação do governo. Os recursos a activar, a escolha deveria incidir,
principalmente na componente do conhecimento, da capacidade, da atitude e até
num certo nível, de criatividade e acima de tudo de rompimento com actores
ligados a práticas sanguinárias, de motivações tribalistas e segregacionistas,
tendo como lema o respeito pela vida, evitando-se a todo o custo a aposta na
continuidade da impunidade. Como alguém disse, o país precisa de espíritos
livres, com coluna vertebral!
O novo governo saído das eleições tem que respeitar
a vontade do eleitorado, promover o desarmamento dos militares, a substituição
da cúpula militar e enviá-los para a reforma com uma pensão condigna, isso, se estiver
efetivamente apostado numa governação para a estabilidade e criação de bases
seguras para devolver confiança e segurança ao país.
Vislumbra-se, contudo, tarefa difícil, senão mesmo
impossível para o novo executivo, sem ajuda da comunidade internacional,
combater as vaidades do passado, os calculismos, os oportunismos, as irresponsabilidades,
as arbitrariedades, o tráfico de estupefacientes.
As mudanças no país só serão possíveis, quando a ONU
entender de vez que tem responsabilidades com a Guiné e tem de fazer o mesmo
que foi feito em Timor: colocar as suas tropas no terreno guineense com objectivos
similares aos constantes na Resolução 1704 de 25 de Agosto de 2006. Por não
serem credíveis para os guineenses, o recurso a militares da CEDEAO dever ser
descartado.
Toda a mudança inicia um ciclo de construção, se não
se esquecer de deixar a porta aberta. Espera-se comemorar a virada de um novo
tempo, encher os corações dos guineenses de esperanças, dizer adeus ao velho e
superar todos os obstáculos que a vida reserva ao cidadão anónimo. Deve-se
portanto descruzar os braços e vencer o medo de partir em busca dos sonhos. O
tempo é precioso e não volta atrás, por isso não vale a pena resgatar o passado.
O que vale a pena é construir o futuro, e os alicerces para a edificação do futuro
da Guiné, ainda está por construir.
Eng.º
Otílio Camacho
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou
outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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