Quem porá em dúvida o valor essencial da família
como lugar predilecto dos afectos, do amor, da partilha, célula fundamental da
sociedade, espaço privilegiado para ter filhos e educá-los?
Sobre tema tão fundamental o Papa Francisco quis
saber, em tempos de crise, o que verdadeiramente se passa. E saber
directamente, não por intermediários, pois estes vão frequentemente ao Vaticano
dizer apenas o que julgam que o Papa e a Cúria querem ouvir.
A síntese das respostas dadas, por diversos meios,
pelos católicos do mundo inteiro ao famoso inquérito papal sobre a família, com
39 perguntas, foi publicada na semana passada pelo Vaticano. Esse documento de
mais de 80 páginas servirá de base para o debate do próximo Sínodo dos bispos
de todo o mundo sobre a família, a realizar em Roma de 5 a 19 de Outubro
próximo.
Um dos pontos mais sublinhados pelo documento
refere-se precisamente à importância da família. Ela é "núcleo vital da
sociedade e da comunidade eclesial", a "célula fundamental da
sociedade, o lugar onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer a
outros". "A família é reconhecida no povo de Deus como um bem
inestimável, o ambiente natural de crescimento da vida, uma escola de
humanidade, de amor, de esperança para a sociedade"; "reconhecida
como o lugar natural para o desenvolvimento da pessoa, é também o fundamento de
toda a sociedade e Estado"; ela é definida como a "primeira sociedade
humana", "o lugar no qual se transmitem e se podem aprender desde os
primeiros anos de vida valores como a fraternidade, a lealdade, o amor pela
verdade e o trabalho, o respeito e a solidariedade entre as gerações bem como a
arte da comunicação e da alegria. É o espaço privilegiado para viver e promover
a dignidade e os direitos do homem e da mulher. A família, baseada no
matrimónio, representa o âmbito de formação integral dos futuros cidadãos de um
país". "A primeira experiência de amor e de relação tem lugar na
família: sublinha-se a necessidade de que cada criança conte com o amor e o
cuidado protector dos pais e viva uma casa onde habita a paz."
O documento é notável. Conseguiu em pouco tempo
fazer uma síntese clara e integrada - reconheça-se que era uma tarefa
dificílima - das respostas recolhidas pelas conferências episcopais de todo o
mundo ou enviadas directamente por outros organismos. E há razões sérias para
considerá-lo fidedigno, pois até reconhece inequivocamente as dificuldades e
mesmo alguma "resistência" de boa parte dos católicos quanto à
aceitação integral dos ensinamentos da Igreja sobre múltiplos temas: controlo
da natalidade, o divórcio e novo casamento, as relações pré-matrimoniais, a fidelidade,
as uniões de facto, o casamento à experiência, a homossexualidade, a fecundação
in vitro, etc.
Embora se dirija directamente aos católicos e no
quadro do pensar católico, o documento é mais abrangente, mesmo quando
apresenta razões da crise da família e, mais concretamente, da moral familiar.
Referindo as respostas recebidas, diz: "Existe unanimidade também no que
se refere aos motivos de fundo das dificuldades, quando se trata de acolher os
ensinamentos da Igreja: as novas tecnologias; a influência dos meios de
comunicação social; a cultura hedonista; o relativismo; o materialismo; o
individualismo; a secularização crescente; o facto de prevalecerem concepções
que conduziram a uma excessiva liberalização dos costumes em sentido egoísta; a
fragilidade das relações interpessoais; uma cultura que rejeita decisões
definitivas, condicionada pela precariedade, a provisoriedade, própria de uma
"sociedade líquida", do "usar e deitar fora", do "tudo
e imediatamente"; valores sustentados pela denominada "cultura do
descarte" e do "provisório", como recorda frequentemente o Papa
Francisco".
E lá está a constatação: apesar da crise, há
testemunhos significativos nos quais "se manifesta claramente, sobretudo
nas novas gerações, um renovado desejo de família". Voltarei ao tema e
suas dificuldades no próximo sábado.
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