Uma coisa bem natural: querer saber como se
relacionou Jesus com a sexualidade. Uma questão que foi por séculos tabus. Até
metia medo pensar nisso. Por um lado, afirmava-se que Jesus é verdadeiramente
homem, mas, logo a seguir, nem pensar em sexo quando se falava dele.
Praticava-se o docetismo, uma heresia que afirmava que Jesus tinha aparência de
homem, mas, verdadeiramente, era outra coisa: apenas parecia um homem.
Agora, o tema está sobre a mesa e pergunta-se
abertamente: se Jesus era um verdadeiro homem, como viveu a sexualidade, como
se relacionou com as mulheres? Numa obra recente, Jesús y las Mujeres, Antonio
Piñero, um dos mais respeitados especialistas em cristianismo primitivo, com a
vantagem de não ser crente, pergunta inclusivamente se Jesus era homossexual ou
bígamo, negando, com fundamento, uma coisa e outra.
Os exegetas mais conceituados reconhecem que, também
no que se refere às mulheres, Jesus operou uma revolução. Por princípio, as
mulheres não deviam falar com um homem em público, o seu testemunho não tinha
força, eram definidas como uma "lua", recebendo o seu brilho do
"sol", que era o homem, eram impuras por causa da menstruação. Jesus
não atendeu à impureza ritual, falou com a samaritana, uma mulher que tinha
tudo contra ela - herética, estrangeira, com vários homens na sua vida -, teve
discípulos e discípulas, fazendo-se acompanhar por eles e por elas nas suas
tarefas apostólicas. Como escreve o teólogo X. Pikaza, "Jesus rompeu com
todas as tradições culturais do seu tempo e trata a mulher como igual";
"homens e mulheres aparecem no seu projecto como iguais, sem prioridade de
um sexo sobre o outro"; "não quis sacralizar a sociedade patriarcal
da sua época" e "fundou um movimento de homens e mulheres, contra os
rabinos da sua época, que não admitiam as mulheres nas suas escolas". E A.
Piñero: "Jesus foi um rabino relativamente anómalo no panorama dos
doutores da Lei do século I, porque teve um ministério activo no qual as
mulheres não só estavam presentes, mas eram discípulas." Inclusivamente
constata-se que as mulheres foram as discípulas mais fiéis e destemidas:
"De facto, ao chegar a provação da Cruz, os Doze abandonam-no; elas, pelo
contrário, permanecem fiéis até ao fim" (Pikaza) e foi Maria Madalena quem
primeiro teve a convicção avassaladora de fé de que ele está vivo em Deus.
O Talmude diz: : "Quem não tem mulher é um ser
sem alegria, sem bênção, sem felicidade, sem defesas contra a concupiscência,
sem paz; um homem sem mulher não é um homem." Mas existe igualmente
consenso quanto ao celibato de Jesus, pelo menos durante a vida pública, o
tempo da pregação, desde o baptismo até à morte. Escreve o famoso exegeta
americano John P. Meier: "Jesus nunca se casou, o que o transforma num ser
atípico e, por extensão, marginal na sociedade judaica convencional."
Maria Madalena teve um papel especial na sua vida, mas não foi sua mulher. E o
famoso papiro, presumivelmente do século IV, em língua copta, de que tanto se
fala desde 2012?: "Jesus disse-lhes: a minha mulher.../poderá ser minha
discípula..." Conclui A. Piñero: "O cepticismo radical é a posição
mais recomendável quanto ao conteúdo deste brevíssimo documento."
Decisivo é que Jesus, infringindo os preceitos
patriarcais, deu início a um movimento inclusivo de homens e mulheres, sem
discriminação. A Igreja Católica ainda não tirou daí todas as consequências.
*Padre e professor de Filosofia
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Sem comentários :
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.