«O proprietário vê em cada trabalhador uma pessoa com igual dignidade. Quer atender à sua necessidade e à da sua família (um denário equivale ao indispensável para a sobrevivência diária), quer mostrar que, satisfeita a justiça, há sempre espaço para a bondade e a gratuidade. Mas esta forma de proceder causa ciúmes e inveja a quem se julga com mais direitos. Daí, o diálogo amigável de esclarecimento.»
Pedro continua com as suas dúvidas interiores. E
quer dissipá-las. Tinha aderido ao grupo do Mestre sem condições. Havia
assinado um contrato em branco. Depois de tudo o que viu e ouviu, acha que
chegou a hora de o preencher: E desabafa: Deixámos tudo. Qual vai ser a nossa
recompensa? Que nos espera no futuro? Com que podemos contar?
Jesus, que conhece bem os corações, dá-lhe uma
resposta clarificadora. Aproveita a oportunidade do encontro com os discípulos
e lança mão de um costume usual no campo que serve de base à sua parábola: a
dos trabalhadores da vinha contratados pelo proprietário. (Mt 20, 1-16).
Este dono da vinha sai de madrugada, às nove da
manhã, ao meio-dia, às três da tarde e, ainda, às cinco (uma hora antes de
terminar a jornada laboral). Que o levaria a tantas saídas? Que segredo
animaria a sua decisão? Que procurava com tanta urgência e preocupação?
De facto, uma grande paixão se esconde nesta
azáfama. É o amor que tem à sua vinha, em tempo de colheita, é a consideração
que lhe merecem os sem emprego e os tarefeiros, vindos para a praça com alguma
expectativa, é a vontade clara de que haja trabalho para todos e a justa
remuneração, é desvendar uma nova dimensão do ser humano na qual se espelha a
bondade e gratuidade – reflexos qualificados do rosto de Deus.
E os trabalhadores partem, de imediato, para a
vinha. Cumprem solicitamente o que lhe é pedido no tempo devido. Sem
recriminações nem quezílias. Chegado o fim da jornada, vem o pagamento. E qual
o critério usado pelo dono da vinha? Podia ter sido o de entregar a quem
trabalhou o dia inteiro o denário combinado e ir reduzindo aos outros conforme
as horas a menos que tinham andado no campo. Seria o justo acordado ou
subentendido e estimado. E não havia problemas. Seria a aplicação do princípio
em voga: a cada um conforme o seu trabalho, a sua produção, o seu mérito.
Independentemente da pessoa, da sua necessidade e dignidade. Era o ensinamento
dos rabinos, a prática normal entre os judeus e dos trabalhadores contratados.
Seria o pensar de Pedro e, por isso, o não saber qual a recompensa a causa da
sua aflição.
Mas a parábola apresenta uma outra atitude, um outro
critério de actuação. O proprietário vê em cada trabalhador uma pessoa com
igual dignidade. Quer atender à sua necessidade e à da sua família (um denário
equivale ao indispensável para a sobrevivência diária), quer mostrar que, satisfeita
a justiça, há sempre espaço para a bondade e a gratuidade. Mas esta forma de
proceder causa ciúmes e inveja a quem se julga com mais direitos. Daí, o
diálogo amigável de esclarecimento.
O Mestre de Nazaré condensa, nesta narração, o amor
misericordioso de Deus para com todos, a sua benevolência para com os mais
desafortunados, o convite a cada um a dedicar-se ao bem da “vinha” ao longo da
vida, a aceitar a história como o arco de tempo em que se encontra e realiza a
humanidade. Pedro tem aqui a resposta que procurava.
João Paulo II, na exortação apostólica “sobre os
Fiéis Leigos”, publicada na sequência do Sínodo de 1987, faz uma interpretação
maravilhosa desta parábola e lança um redobrado apelo a que ponhamos as nossas
capacidades ao serviço da missão da Igreja nas suas comunidades e no mundo.
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