Já que se tornou moda rever os cem dias de
governação do novo governo constitucional guineense, não quis deixar também de
fazer a minha análise do que mais me preocupa desses ditos cem dias.
Antes de mais, quero deixar aqui o reforço do meu
apoio a este governo, “apesar dos pesares”!
Não queria limitar-me apenas ao desempenho do
governo, aproveitando também para comentar os actos da presidência da
república.
Não vou perder tempo em realçar os feitos positivos
dos nossos representantes do Estado nesses cem dias, porque são naturalmente
escassos, conforme seria de esperar. Em cem dias de governação, herdando um
país delapidado e completamente desestruturado por um poder corrupto e
opressor, estes executores do poder nada mais poderiam ter feito em cem dias de
governação, do que aquilo que, bem ou mal, têm feito, que é a tentativa de
reestruturação do aparelho do estado, sempre na procura do consenso nacional,
factor aglutinador necessário à mobilização de esforços para fazer arrancar o
país e retirá-lo do lodaçal em que outros actores nos meteram nessas quatro
décadas da nossa independência.
Acho curioso a facilidade com que o próprio governo
guineense aderiu ao tão badalado “cem dias da governação”, tendo inclusive
feito um retiro para balanço desses cem dias! Era bom dar a conhecer ao país
quais foram os resultados dessa reflexão.
Conforme dizia, não elencarei os factos positivos
dos nossos representantes recém-eleitos, nem me preocupam os consensos
conseguidos no arco da governação. Tem-me preocupado sim, a clara propensão de
alguns governantes e do presidente da república para atos populistas e o
silêncio da oposição, face a esses atos.
Começo por referir a primeira medida populista
anunciada pelo presidente da república, que foi a questão da quota étnica na
composição do batalhão presidencial. Foi a primeira incursão populista de JOMAV
e uma clara manifestação dos seus receios pessoais. Quis agradar “a gregos e
troianos”, todos eles com grandes preocupações com cunho étnico, passando por
cima dos interesses nacionais. JOMAV deixou claro que, para agradar a alguns,
não pretende reestruturar as nossas forças armadas com base na meritocracia,
mas sim com base num critério perigoso, que é o cunho étnico das forças
armadas! Estou mesmo a ver a preterirem um elemento de uma determinada etnia
(seja ele balanta, papel, fula, mandinga ou outra), competente para as funções
propostas, em prol de um elemento de uma outra etnia, apenas porque já lá
constam outros elementos da mesma etnia que preenchem o número das vagas
atribuídas à sua etnia! Isso é de uma figura que se pretende aglutinador?! É
deveras preocupante!
A segunda estopada populista de JOMAV, que arrastou
com ele o governo, foi fazer acreditar a um povo revoltado e farto das asneiras
do Ex-CEMGFA (António Indjai), que este foi demitido por um decreto
presidencial, sob a proposta do governo!
Alguém acredita que António Indjai aceitou sair
dessa forma, sem um prévio e tácito acordo que lhe garantia condições
financeiras e de segurança, que lhe permite a continuação de uma vida regalada?
Arrisco a afirmar que Indjai até teve uma palavra a dizer na escolha do seu
substituto…
…
O presidente, o primeiro-ministro e os guineenses em
geral podem aguardar para um eventual regresso do criminoso Indjai à cena
pública nacional, bastando-lhe começar a sentir falta dos meios financeiros e
de segurança que ele exigiu para a sua retirada estratégica…
Para mim, o ato populista de JOMAV que considero
mais grave, foi ter feito uso indevido do indulto pessoal, sob a capa da
reconciliação nacional, para satisfazer algumas exigências do acordo a que teve
de se submeter com as antigas chefias militares, libertando alguns prisioneiros
militares, entre os quais Pansau Intchama, sem qualquer julgamento,
esclarecimento ou arrependimento dos crimes de que eram acusados! Julgo que não
restam dúvidas que o indulto presidencial foi abusivamente e levianamente usado
nestes casos! Ninguém conheceu o veredicto de culpados, inocentes ou
arrependidos, a gravidade dos crimes e eventuais consequências das suas
libertações, mas o presidente da república decide indultá-los, em nome de uma
pretensa reconciliação nacional que aparentemente interessa mais a alguns
militares que a sociedade civil propriamente dita.
Também não podemos deixar de preocupar-nos com o
facto da escolha do novo CEMGFA não se incidir apenas na capacidade
técnico-militar e de liderança do escolhido, mas também teve a preocupação ou
imposição étnica!
A “cereja sobre o bolo” populista de JOMAV foi o seu
discurso na tomada de posse do novo Procurador-Geral da República. Ninguém pode
negar a veracidade dos factos aí apontados, mas penso que é de senso comum que
nem o local, nem a forma como foi feita, foram os mais apropriados! JOMAV
esqueceu-se que esses atores judiciais (outro braço do poder do estado) que
estava a humilhar publicamente, são aqueles com quem vai ter de trabalhar para
o resto do seu mandato! A não ser que JOMAV tenha dado claras indicações ao
novo PGR, no sentido de reformular completamente o aparelho judicial,
despedindo os tais corruptos que ele denunciou, nomeando novos juízes (o que
acho que o país não tem em número suficiente), ou contribuiu mesmo para um
óbvio mal-estar institucional entre dois órgãos do poder, a presidência e o
poder judicial.
Basta que os juízes afetados com esse discurso
quererem tornar-se em “grãos de areia” na engrenagem do aparelho judicial, para
que todo o país se ressinta…
Incidindo agora sobre os atos populistas da
governação, queria começar por esclarecer a origem e o significado das palavras
governo e ministro.
Governo é entendido como a instância máxima de um
dos poderes do estado que é o poder executivo. É aquele que orienta a
administração executiva. O ministro é um membro executivo desse poder, ou seja,
o poder intermediário que executa as políticas definidas pelo poder executivo.
E, executar as orientações do poder executivo é organizar e coordenar os
recursos financeiros, humanos e materiais disponíveis para o cumprimento das
linhas de orientação do poder executivo, ou até tentar criar esses recursos. O
Primeiro-Ministro é aquele que chefia ou coordena o poder executivo.
Não me conforta absolutamente nada ver um
Primeiro-Ministro a ter que ir apanhar lixo público, para poder mobilizar a
população a fazê-lo. Compete ao primeiro-ministro organizar os recursos
disponíveis ou tentar angariá-los, para se conseguir o propósito a que o poder
executivo se propõe e não servir-se do elemento que devia ser pago para
executar essas funções.
A humildade em excesso, principalmente quando vem do
poder, pode tornar-se facilmente em demagogia populista. Isso é ainda mais
notório, quando o próprio Primeiro-ministro não criou condições para que o lixo
“arrumado” fosse devida e atempadamente removido e condicionado…
Tinha piada ver um dia o primeiro-ministro
português, Passos Coelho, pendurado num carro de lixo, a recolher o lixo das
portas das nossas casas, para mobilizar a população a fazer isso, de forma
voluntária, atendendo à crise económica que Portugal enfrenta!
Não me deixa nada confortável ver uma Ministra da
Saúde guineense ter como a sua primeira preocupação, na sua intervenção
pública, a limpeza e higienização do Hospital Nacional Simão Mendes, quando tem
imensa matéria na área da saúde pública para definir a sua política, muito mais
quando o vírus Ébola já estava a emergir nos países vizinhos!
Se a Sra. Ministra da Saúde definir políticas claras
e nomear executores competentes, de certeza deixará de se preocupar com a
higienização das instituições sanitárias, dedicando-se a medidas que possam
influenciar a evolução dos índices estatísticos em relação às políticas de
saúde por ela definidas, o que já não é pouco e para qual é paga…
A propósito, era importante que a nossa Ministra da
Saúde nos explicasse com pormenor, qual o plano traçado em conjunto com as
autoridades portuguesas que visitaram a Guiné-Bissau há dias. Será que o
adiamento da retoma dos voos da TAP têm a ver com esse plano a ser delineado em
conjunto com as autoridades sanitárias portuguesas?
Da mesma forma que me preocupa ver um
Primeiro-ministro a apanhar lixo público e a Ministra da Saúde a tratar da
limpeza do hospital, preocupa-me sobremaneira ver o Ministro da Administração
Interna atrás do gado roubado!
Isso pode significar apenas que os dossiers da
governação desses executivos encontram-se esvaziados de matéria relacionados
com a governabilidade.
Para o cúmulo do populismo, vemos o Secretário de
Estado da Cooperação Internacional e das Comunidades utilizar a comunicação
social para denunciar esquemas de corrupção na nossa Embaixada em Portugal.
Segundo consta, o próprio Secretário de Estado em
questão tem pouca reserva moral para denunciar corrupções onde quer que seja!
Em todo o caso, o local mais apropriado para fazer esses reparos, é no gabinete
do Ministro dos Negócios Estrangeiros e também num conselho de ministros, a fim
de se delinear politicas para a eliminação desses atos de corrupção…
Falando da reserva e da autoridade moral,
estranha-me sobremaneira que o Primeiro-Ministro continue a manter inquinado a
sua governação com um ministro publicamente acusado de usurpação dos bens do
estado, sem um claro e inequívoco esclarecimento do assunto! Limitou-se apenas
a reforçar, de forma tímida, a confiança no tal ministro, quando o próprio DSP
sabe tanto quanto o povo que, bens do estado encontrados em propriedade
privada, sem um documento oficial a indicar essa mobilização e armazenamento, é
considerado em qualquer parte do mundo de roubo, furto ou usurpação de um bem
do estado!
Manter um ministro com “carimbo” de ladrão, sem
devido esclarecimento público desse roubo, é “dar tiros no próprio pé”. É
esvaziar o governo e o próprio ministro da autoridade moral para perseguir e
penalizar, de forma séria, outros casos que poderão surgir na administração da
coisa pública…
E se o Ministro da Administração Interna dedicasse
mais sobre ministros ladrões do que o roubo de gado?
Mais que o consenso político na votação do Orçamento
de Estado, preocupa-me sim e sobremaneira o silêncio dos líderes partidários
que constituem a oposição política guineense, relativamente a esses atos da
Presidência e do Governo da República.
O país e o povo está muito esperançado nesses atores
políticos, por isso, era importante que mantivessem algum rigor na gestão da
coisa pública e na comunicação com o país, para não fazerem desmoronar o enorme
castelo de confiança que o povo guineense construiu à volta deles.
Pessoalmente continuo a acreditar neste governo e
tenho esperanças que as críticas que aqui fiz, são apenas situações
passageiras, que qualquer governo no início das suas funções poderia cometer e
a seguir corrigir de imediato.
Mais grave que errar é persistir nos erros, tomando
o povo como burro ou amnésico…
Pela Guiné-Bissau e para a Guiné-Bissau.
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