quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Portugal, ‘troika’ e alguns casos de polícia

Reflexão de Nuno Melo

Não foi um ano qualquer. Quase todos duvidaram. Mas a verdade é que Portugal concluiu com sucesso o ciclo da ‘troika', pondo termo a uma intervenção externa humilhante, que durante três anos avaliou trimestralmente e condicionou as opções políticas da governação.

Convém recordar que o recurso à ajuda externa aconteceu por duas outras vezes, durante o actual regime democrático. E sempre pela mão dos socialistas.

Foi assim em 1977, quando Mário Soares era primeiro-ministro do I Governo Constitucional e em 1983, com o mesmo titular no cargo, à frente de um governo do bloco central. Em ambas as ocasiões, o FMI impôs cortes de salários e subsídios, aumentos de impostos e a redução do investimento público.

E para a história ficaram algumas expressões do mesmo Mário Soares, que em 1984 justificava pedagogicamente coisas tão simples como que "os problemas económicos em Portugal são fáceis de explicar e a única coisa a fazer é apertar o cinto" (27/05/1984), "quem vê, do estrangeiro, este esforço e a coragem com que estamos a aplicar as medidas impopulares aprecia e louva o esforço feito por este Governo" (28/04/1984), "Portugal habituara-se a viver, demasiado tempo, acima dos seus meios e recursos" (1/06/1984), ou "anunciámos medidas de rigor e dissemos em que consistia a política de austeridade, dura mas necessária, para readquirirmos o controlo da situação financeira, reduzirmos os défices e nos pormos ao abrigo de humilhantes dependências exteriores, sem que o país caminharia, necessariamente para a bancarrota e o desastre" (1/06/1984).

Foi assim também em 2011, com José Sócrates no cargo de primeiro-ministro, à frente das negociações de um programa de duro ajustamento, depois validado pelo PSD e o CDS, por puro sentido de Estado.

Este programa repetiu muitas das receitas de 1977 e 1983. Só não se previu a típica cambalhota socialista, cujos responsáveis, derrotados nas urnas em 2011, acharam normal fazer de conta, na oposição, que não tinham nada que ver com o assunto. E o próprio Mário Soares não encontrou incoerência no facto de agora considerar "uma desgraça" a austeridade que o seu partido impôs e "fanáticos" e "neoliberais puros", os governantes que foram forçados a resolver o problema e pagar todas as contas.

Seja como for, 2014 marcou uma fronteira nítida. A fronteira entre aqueles que nos trouxeram a ‘troika' e o PSD e o CDS no Governo que nos livraram dela.

Hoje, essa é uma evidência. Mas não vai muito tempo, houve outros que nunca acreditaram.

Em Abril de 2013, no Parlamento, os socialistas diziam que o Governo já estava "a preparar o discurso para justificar um segundo resgate" e reclamavam eleições antecipadas. Em Janeiro de 2014, achando que poderia acontecer uma saída cautelar, apressaram-se a dizer que "o PS defende que Portugal regresse aos mercados de forma limpa, isto é, sem necessitar de apoio" e um mês mais tarde, em Fevereiro, antecipando que a saída seria mesmo limpa, passaram a argumentar que se a Europa empurrasse Portugal para uma saída limpa não estaria a ser solidária. Puro tacticismo.

Factos são factos. E na comparação, ninguém duvidará que 2014 foi um ano melhor do que 2013, que por seu lado foi melhor do que 2012.

Actualmente, Portugal cresce. Pouco, é certo, sendo que com previsões de 1,5 % para 2015. Ainda assim, mais do que outros em melhores circunstâncias e em alguns trimestres recentes, com o melhor resultado da zona euro.

Em Outubro, as exportações subiram 9,4 %, o maior crescimento homólogo e o valor absoluto mais alto de 2014.

O desemprego já baixou para 13,4 %, tendo diminuído 2,2 % em menos de um ano. O nosso país afasta-se da média da Grécia e da Espanha e aproxima-se consistentemente da média da União Europeia, com nota de que no terceiro trimestre deste ano, com o terceiro melhor comportamento no nosso espaço comum.

A produção industrial aumentou 2,2% e o índice de volume de negócios da indústria acelerou 2,2% em Outubro.

O turismo regista resultados notáveis, tendo as dormidas na hotelaria atingido um valor de 4,2 milhões em Outubro de 2014, correspondendo a um acréscimo homólogo de 13,9%.

Sucedem-se os testes positivos de regresso aos mercados, em todos os prazos.

Neste mês de Dezembro, o nosso país foi distinguido com o prémio da International Finance Review "SSAR ISSUER" pelo resultado no acesso ao mercado financeiro e condições de financiamento. E a agência de rating Fitch melhorou a perspectiva da banca portuguesa, que passou de "negativa", para "estável".

O poder de compra dos portugueses aumentou pela primeira vez em três anos.

E o sector agrícola mostrou um desempenho assinalável. Portugal fechou o PRODER com uma taxa de execução na ordem dos 95% e foi um dos primeiros países a ver aprovado o novo PDR que significará a quantia de 4,1 mil milhões de euros disponíveis até ao ano de 2020.

São os resultados, mais do que as palavras, que ilustram o mérito de uma governação. Daí o sentido desta curta súmula, que pelo que representa, é tanto mais notável, quanto recordemos que o programa de austeridade imposto em 2011, tinha como consequência necessária antecipadamente prevista, um forte impacto recessivo.

2014 também trouxe à evidência o escândalo do BES e reforçou a percepção da fragilidade de parte do nosso sector bancário e da capacidade da supervisão, que seria suposto fazer toda a diferença. O elo mais forte do sistema, revelou-se afinal um dramático exemplo de colapso de uma instituição secular, que ninguém conseguiu antecipar. Infelizmente, quanto a este caso, a história está muito longe de ter chegado ao fim.

Valha-nos a terminar o ano, a confiança numa justiça que não obstante todas as dificuldades, vem mostrado reforçada capacidade para dar resposta a algumas das perplexidades do nosso regime.

Durante anos, fomos vivendo com declarações inflamadas contra a corrupção e o anúncio sucessivo de pacotes e pacotinhos, supostamente destinados a dar maior eficácia à sua luta.
Agora que a justiça se mostra verdadeiramente cega e parece distinguir menos, em função do poder de quem é visado, não vejamos no caso um problema.

Pelo contrário, tenhamos esperança no futuro.

E já agora, que 2015 possa ser um ano extraordinário para todos nós.


//Económico

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