1. Oito dias depois da Solenidade do
Natal do Senhor, que a liturgia oriental designa significativamente por «a
Páscoa do Natal», eis-nos no Primeiro Dia do Ano Civil de 2015,
tradicionalmente designado como Dia de «Ano Bom», a celebrar a Solenidade de Santa
Maria, Mãe de Deus.
2. A figura que enche este Dia, e que
motiva a nossa Alegria, é, portanto, a figura de Maria, na sua fisionomia mais
alta, a de Mãe de Deus, como foi solenemente proclamada no Concílio de Éfeso,
em 431, mas já assim luminosamente desenhada nas páginas do Novo Testamento.
3. É assim que a encontramos no
Lecionário de hoje. Desde logo naquela menção sóbria, e ousamos mesmo dizer
pobre, com que Paulo se refere à Mãe de Jesus, escrevendo aos Gálatas: «Deus
mandou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei» (Gálatas 4,4).
Nesta linha breve e densa aparece compendiado o mistério da Incarnação, ao
mesmo tempo que se sente já pulsar o coração da Mariologia: Maria não é grande
em si mesma; é, na verdade, uma «mulher», verdadeiramente nossa irmã na sua
condição de humana criatura. Não é grande em si mesma, mas é grande por ser a
Mãe do Filho de Deus, e é aqui que ela nos ultrapassa, imaculada por graça,
bem-aventurada, nossa mãe na fé e na esperança. Maria não é grande em si mesma;
vem-lhe de Deus essa grandeza.
4. O Evangelho deste Dia de Maria (Lucas
2,16-21) guarda também uma preciosidade, quando Lucas nos diz que «todos os que
tinham escutado as coisas faladas pelos pastores ficaram maravilhados, mas
Maria GUARDAVA (synetêrei) todas estas Palavras que aconteceram (tà rhêmata),
COMPONDO-as (symbállousa) no seu coração» (Lucas 2,18-19). Em contraponto com o
espanto de todos os que ouviram as palavras dos pastores, Lucas pinta um quadro
mariano de extraordinária beleza: «Maria, ao contrário, GUARDAVA todas estas
Palavras que aconteceram, COMPONDO-as no seu coração». Há o espanto e a
maravilha que se exprimem no louvor e no canto, e há o espanto e a maravilha
que se exprimem no silêncio e na escuta. Maria, a Senhora deste Dia, aparece a
GUARDAR com premura todas estas Palavras que acontecem, todos estes
acontecimentos que falam e não esquecem. O verbo GUARDAR implica atenção
premurosa, como quem leva nas suas mãos uma coisa preciosa. Este GUARDAR
atencioso e carinhoso não é um acto de um momento, mas a atitude de uma vida,
uma vez que o verbo grego está no imperfeito, que implica duração. O outro
verbo belo mostra-nos Maria como que a COMPOR, isto é, a «pôr em conjunto»
(symbállô), a organizar, para melhor entender. É como quem com aquelas Palavras
COMPÕE um Poema, uma Sinfonia, e se entretém a vida toda a trautear essa
melodia e a conjugar novos acordes de alegria.
5. Esta solicitude maternal de Maria,
habitada por esta imensa melodia que nos vem de Deus, levou o Papa Paulo VI, a
associar, desde 1968, à Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a celebração do
Dia Mundial da Paz. Hoje é já o 48.º Dia Mundial da Paz que se celebra, e o
Papa Francisco apôs-lhe o tema «Não mais escravos, mas irmãos». Na sua Mensagem
para este Dia, o Papa Francisco desafia a humanidade a adoptar a atitude da
sentinela que ansiosamente espera pela aurora (Salmo 130,6), e a manter os
olhos levantados para os montes, para o alto, pois é de Deus que vem a salvação
(Salmo 121,1). Diz-nos ainda, olhos nos olhos, que levantemos bem alto os
nossos ideais, e não nos deixemos atolar no lamaçal desta «noite do mundo», em
que tudo aparece sem rosto e sem rumo. É preciso abrir os olhos, dar asas aos
nossos sonhos belos, dar as mãos e ter a coragem de recomeçar. Que não nos fechemos
no mundo egocêntrico e egolátrico da hipertrofia do «eu» que pensa que se basta
a si mesmo, e não precisa de nada nem de ninguém. Contra a sedução das
ideologias, que não salvam ninguém, de reduzir o mundo a três dimensões –
comprimento, largura e altura –, anulando o horizonte de Deus, o Papa Francisco
exorta ainda a família, a escola, a política, os media a remarem juntos para
construir novas atitudes e novas relações estáveis e felizes, assentes na
gratuidade, na fraternidade e no amor, novos cenários que proporcionem que
chegue a todos os homens o mundo belo que Deus a todos reparte dia após dia. E
lembra que educar, na sua etimologia latina, de educere, significa, não levar
para dentro de qualquer prisão do «eu» ou outra, mas conduzir para fora de si
mesmo, ao encontro dos outros e da realidade. E é sempre bom lembrar que a
justiça é o sabor que vem de Deus, e a paz não é a paz romana, assente no poder
das armas, nem a paz do judaísmo palestinense, assente nos acordos entre as
partes. A paz é um Dom de Deus!
6. De Deus vem sempre um mundo novo,
belo, maravilhoso. Tão novo, belo e maravilhoso, que nos cega, a nós que vamos
arrastando os olhos cansados pela lama. Que o nosso Deus faça chegar até nós
tempo e modo para ouvir outra vez a extraordinária bênção sacerdotal, que o
Livro dos Números guarda na sua forma tripartida: «O Senhor te abençoe e te
guarde./ O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável./ O
Senhor dirija para ti o seu olhar e te conceda a paz» (Nm 6,24-26).
7. Olhada por Deus com singular olhar de
Graça foi Maria, também Pobre, também Feliz, Bem-aventurada, Santa Maria, Mãe
de Deus, que hoje celebramos em uníssono com a Igreja inteira. Para ela
elevamos hoje os nossos olhos de filhos enlevados.
8. Mãe de Deus, Senhora da Alegria, Mãe
igual ao Dia, Maria. A primeira página do ano é toda tua, Mulher do sol, das
estrelas e da lua, Rainha da Paz, Aurora de Luz, Estrela matutina, Mãe de Jesus
e também minha, Senhora de Janeiro, do Dia primeiro e do Ano inteiro.
9. Abençoa, Mãe, os nossos dias breves.
Ensina-nos a vivê-los todos como tu viveste os teus, sempre sob o olhar de
Deus, sempre a olhar por Deus. É verdade. A grande verdade da tua vida, o teu
segredo de ouro. Tu soubeste sempre que Deus velava por ti, enchendo-te de
graça. Mas tu soubeste sempre olhar por Deus, porque tu soubeste bem que Deus
também é pequenino. Acariciada por Deus, viveste acariciando Deus. Por isso,
todas as gerações te proclamam «Bem-aventurada»! Por isso, nós te proclamamos
«Bem-aventurada»!
10. Senhora e Mãe de Janeiro, do Dia
Primeiro e do Ano inteiro. Acaricia-nos. Senta-nos em casa ao redor do amor, do
coração. Somos tão modernos e tão cheios de coisas, estes teus filhos de hoje!
Tão cheios de coisas e tão vazios de nós mesmos e de humanidade e divindade!
Temos tudo. Mas falta-nos, se calhar, o essencial: a tua simplicidade e
alegria. Faz-nos sentir, Mãe, o calor da tua mão no nosso rosto frio,
insensível, enrugado, e faz-nos correr, com alegria, ao encontro dos pobres e
necessitados.
11. Que seja, e pode ser, Deus o quer, e
nós também podemos querer, um Ano Bom, cheio de Paz, Pão e Amor, para todos os
irmãos que Deus nos deu! E que Santa Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe nos abençoe
também. Amen!
Que Deus nos abençoe e nos guarde,
Que nos acompanhe, nos acorde e nos
incomode,
Que os nossos pés calcorreiem as
montanhas,
Cheios de amor, de paz e de alegria,
Que a tua Palavra nos arda nas
entranhas,
E nos ponha no caminho de Maria.
O amor verdadeiro está lá sempre
primeiro.
O fiat que disseste, Maria, é de quem se
fia
Num amor maior do que um letreiro.
Vela por nós, Maria, em cada dia
Deste ano inteiro,
Para que levemos a cada periferia
Um amor como o teu, primeiro e
verdadeiro.
António Couto
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