O discurso do pão da vida atinge o auge,
no desabafo de Jesus, que João formula na pergunta dirigida aos Apóstolos: “E
vós também quereis ir-vos embora?” A sinceridade denota um sabor de amargura. A
preocupação manifesta um receio fundado. O risco é evidente e virá a ser
concretizado na paixão. A circunstância, aliada ao tom da voz e ao brilho do
olhar, provoca a resposta eloquente de Pedro: “A quem iremos nós, Senhor? Tu
tens palavras de vida eterna”. Jo 6, 60-69.
A crise atinge o auge: as multidões deixam
de andar na sua companhia e perdem o gosto de o ouvir; os nobres judeus, após
discussões intensas, “viram-lhe as costas”, deixando palavras mordazes; os
discípulos, “escandalizados” pela vivacidade crescente e realista da mensagem
anunciada, cansam-se e desanimam, dispersando-se. Resta o grupo dos Doze. Jesus
sente o abandono, mas não cede em nada, não suaviza o alcance do discurso, não
faz uma religião à medida do gosto de cada um nem das tradições legalistas. E
seria tão fácil. Como ainda hoje se pode verificar.
A hora é solene. Os doze constituem o
resto fiel que vai ser posto à prova. A pergunta de Jesus é certeira e
provocatória, dirige-se à opção livre do grupo. Podiam optar por ir-se embora,
como os outros, por não aguentar o que não compreendiam, por não se sujeitarem
à chacota de comentários desvirtuantes. A voz de Pedro irrompe naquele silêncio
fecundo: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós
acreditamos que Tu és o Santo de Deus”. Não há outra palavra, nem projecto, nem
aliança com futuro a não ser a que será selada com a entrega do corpo e do
sangue de Jesus.
A resposta de Pedro é uma
resposta-compêndio das buscas da humanidade ansiosa por encontrar palavras de
vida eterna. E as marcas desta procura ficam em nomes célebres como os sábios,
em obras de filósofos antigos e modernos, em façanhas de heróis de impérios
caducos, em exemplos de vida de santos reconhecidos e anónimos… O coração
humano foi-se saciando com o êxito do melhor do seu esforço, mas dando sinais
claros de que permanecia um vazio a preencher. Santo Agostinho expressa-o de
forma muito bela. “Fizestes-nos Senhor para Vós e o nosso coração está inquieto
até em Vós repousar”.
“A quem iremos, Senhor?” Interroga-se a
humanidade pela voz de Pedro. Todos nos dão respostas efémeras e nos “servem”
produtos de pouca duração. A história constitui o memorial deste valor
reduzido. A experiência de vida, acumulada em sabedoria, mostra-nos à-evidência
que só “Tu tens palavras de vida eterna”, consistentes e definitivas, firmes e
credíveis. E testemunha-o o exemplo heróico de tantas pessoas bondosas e de
muitos santos e mártires. De todas as condições sociais e étnicas.
Ficar com Jesus e andar com Ele é opção
definitiva e livre de grande alcance e de forte empenhamento. Comungar o seu
projecto de vida, não é apenas receber o pão/hóstia da eucaristia ou participar
em eventos religiosos de alcance social ou pertencer a algum grupo de
bem-fazer. É assumir o seu estilo de vida sóbrio e disponível, as suas opções
claras pela ajuda/libertação dos mais pobres e excluídos, é resistir ao tsunami
consumista e acelerar a construção de uma sociedade alternativa, espelho da
civilização do amor. É dar a vida até ao fim por amor.
O decisivo – afirma Pagola - é ter fome
de Jesus. Procurar desde o mais profundo encontrar-nos com Ele. Abrir-nos à sua
verdade para que nos marque com o seu Espírito e potencie o melhor que há em
nós. Deixar que ilumine e transforme as zonas da nossa vida que estão todavia
sem evangelizar.
Então, alimentar-nos de Jesus é voltar
ao mais genuíno, ao mais simples e mais autêntico do seu Evangelho;
interiorizar as suas atitudes mais básicas e essenciais; acender em nós o
instinto de viver como Ele; despertar a nossa consciência de discípulos e
seguidores para fazer dele o centro da nossa vida. Sem cristãos que se
alimentem de Jesus, a Igreja enfraquece sem remédio.
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